25 Junho 2021
Vinte e quatro horas após a Nota Verbal da Santa Sé contra o PL Zan, no dia em que recebe a Ordem do Mérito da República Federal da Alemanha, Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Santo Egídio, reflete sobre a Igreja também à luz da sua última obra para a editora Laterza: “LaChiesa brucia? — Crisi e futuro del Cristianesimo”.
A entrevista com Andrea Riccardi é de Paolo Rodari, publicada por la Repubblica, 24-06-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Riccardi, você fala do incêndio de Notre-Dame como um símbolo do momento que a Igreja está vivendo: um mundo que acaba deixando espaço para algo novo?
O incêndio foi emblemático. Muitos pensaram que foi o símbolo de uma Igreja que está queimando e também muitos leigos se perguntaram neste sentido: o que será a Europa sem a Igreja? Na Itália, a situação é um pouco diferente. Depois da pandemia, vejo um retorno do interesse pela Igreja, em um tempo que não é mais anticristão ou anticlerical. Acredito que este é o momento de uma busca renovada pela espiritualidade, talvez um pouco vaga, nem sempre cristã, mas de qualquer forma real. É neste novo tempo que a Igreja deve se recolocar, mostrando indicadores de crise reais, mas também oportunidades. Estamos em um tempo complexo e plural. Penso no rosto de uma Igreja amiga que é aquele do Cardeal Gualtiero Bassetti, presidente da CEI, de uma Igreja que não está à venda, mas em diálogo com todas as pessoas. Esta é a grande diferença em relação aos anos 1970, uma época de fortes contrastes. Uma Igreja hoje em diálogo após a ferida da pandemia.
No entanto, a Nota Verbal da Secretaria de Estado parece contradizer essa ideia de Igreja. É assim mesmo?
Nos últimos meses tinha visto uma linha muito equilibrada da CEI a este respeito. Apresentava preocupações corretas em relação a essa lei, mas sem absolutização e ao mesmo tempo concordava com um empenho contra a homofobia e toda discriminação. Este passo, porém, é uma situação bastante peculiar. Acredito que venha principalmente dos círculos italianos da Secretaria de Estado. Os motivos não os conheço a fundo. No entanto, é preciso dizer que é um passo reservado e que provavelmente deveria ter permanecido assim mesmo em sua sofisticada diplomacia. Em todo caso, é uma Nota muito rara nas relações entre a Santa Sé e o governo italiano. Em geral, utiliza-se o telefone, o encontro, e não um texto escrito que parece querer evidenciar - mas ninguém pode dizer que seja exatamente isso - que o diálogo chegou a um ponto morto que se quer mostrar isso. É por isso que ressalto a particularidade desse passo.
A Nota parece evidenciar uma divergência entre as aberturas pregadas por Francesco e assumidas por Bassetti. Há quem diga que estamos perante uma segunda temporada do pontificado, um Papa que decide assumir posições mais intransigentes.
Não acredito de forma alguma numa segunda temporada do pontificado tipo aquela vivida por Pio IX. A carta escrita pelo cardeal Ladaria aos bispos estadunidenses sobre o tema da Eucaristia a Joe Biden foi bem diferente. Parece-me mais que Francisco permanece fora das controvérsias sobre as legislações nacionais, isso é claro. Nesse sentido, parece-me uma linha, a da Nota, atribuível à Secretaria de Estado.
Que consequências isso pode trazer?
Difícil de responder. Eu também me pergunto. Temo que possa reforçar os rumores de que o acordo da concordata precisa ser revisado. Pelo contrário, acredito que o acordo está bem, como vimos na crise das migrações e da pandemia. O 8 por mil, por exemplo, é um excelente sistema em comparação com o modelo alemão porque é uma contribuição voluntária. Em todo caso, volto a dizer que não me lembro de passos semelhantes, nem mesmo na época do divórcio, com Paulo VI, que também foi um tema sentido dramaticamente pela Igreja. Houve uma deploração oral do Papa: os riscos dessa linguagem diplomática são também aqueles de a Santa Sé se posicionar ao lado de uma parte do Parlamento.
Diz-se que na Igreja italiana muitos desejam uma liderança mais politicamente ativa.
Existem diferentes sensibilidades entre os bispos que às vezes correm o risco de se expressar dando a impressão de desunião. Nesse sentido, segundo alguns, a Nota homologaria essas diferentes vozes. Mas eu não o acredito. Penso mais que a Secretaria de Estado se senta de alguma forma guardiã da Concordata e também por isso tenha decidido intervir. Em outros tempos, teriam sido percorridas aquelas que Monsenhor Loris Capovilla chamava de ‘escadinhas’, as passarelas entre as duas margens do Tibre de maneira informal.
Que reação pode ter Mario Draghi?
Creio que um gesto assim que se tornou público o coloque numa situação embaraçosa, apesar de ser um governo amigo da Santa Sé.
Que solução você sugeriria?
Eu tentaria jogar muita água na fogueira. E eu voltaria a procurar acordos razoáveis que evitem extremos. Também porque é o clima geral que faz aplicar as leis e não apenas o seu ditado. E, além disso, favorecer um discurso anticoncordatário neste momento é anacrônico: durante a pandemia a colaboração entre Igreja e Estado foi muito forte.
No dia 21 de julho de 2021, às 10h, o Instituto Humanitas Unisinos – IHU realiza a conferência A Inclusão eclesial de casais do mesmo sexo. Reflexões em diálogo com experiências contemporâneas, a ser ministrada pelo MS Francis DeBernardo, da New Ways Ministry – EUA. A atividade integra o evento A Igreja e a união de pessoas do mesmo sexo. O Responsum em debate.
A Inclusão eclesial de casais do mesmo sexo. Reflexões em diálogo com experiências contemporâneas
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“A Nota vem dos círculos do clero italiano e não do Papa”. Entrevista com Andrea Riccardi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU