21 Mai 2021
“A arte revela o artista. Ver o coração humano é ver seu criador. Vemos o Espírito trabalhando na obra-prima que chamamos de humano”, escreve Terrance W. Klein, padre da Diocese de Dodge City, em artigo publicado por America, 20-05-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Nosso problema com o Espírito Santo é a nossa inabilidade de formar uma imagem apropriada. Isso é, se pode falar de ter problema com alguma das três pessoas divinas, que formam a Trindade Santa. Claro, essa dificuldade não é unicamente pelo Espírito Santo; essa é apenas mais pronunciada. Deus-Pai, não é um homem velho com uma longa barba branca, e o Deus-Filho que uma vez caminhou entre nós, não era sem dúvida mais escuro em suas feições do que muitos de nós imaginamos.
Ao tentar imaginar o Espírito Santo, não podemos invocar a ideia, mesmo de forma imprecisa, de alguém que corresponda à nossa própria humanidade. Talvez seja esse o ponto. Talvez ao tornar o Paráclito conhecido por nós, Jesus bloqueou deliberadamente nossas tentativas de criar uma imagem. As imagens, como o grande filósofo observou certa vez, podem nos manter cativos. Talvez, ao falar apenas do “Espírito Santo”, o Bom Senhor pretendesse nos poupar mais uma imagem enganosa de Deus.
Em seu mais novo romance, Payback (2020), Mary Gordon não faz um desenho do Espírito Santo, mas há uma passagem que pode de fato tracejar o Espírito. Enquanto morava por muitos anos na Itália, Agnes Vaughan se tornou uma restauradora licenciada de obras-primas artísticas. Quando um país inteiro é um grande baú de tesouro, é uma profissão essencial. Agnes prefere trabalhar em estátuas medievais: “Os objetos a serem consertados quase sempre sagrados... quase sempre objeto de oração... a sensação de que continham neles as urgências e necessidades das pessoas ano após ano, pedindo ajuda”.
Esses são os traços do Espírito Santo, o lugar onde o humano – nossos cuidados e preocupações – alcança o divino. Melhor dizendo, é o lugar dentro do divino onde o humano se aninha. Claro, Deus não pode ser dividido, mesmo conceitualmente. Podemos apenas esboçar o contorno do Espírito Santo olhando para as bordas de nossa própria humanidade.
Reparar obras feitas com os materiais mais naturais e de menos custo: madeira, obras para as quais se rezava, beijava e acariciava, acreditando que curaria a peste, ou a infertilidade, ou a dor de cabeça... nenhuma pintura poderia replicar o que essas obras alcançaram; a dor gravada na mãe enlutada, a elevação do quadril da jovem Madonna carregando seu filho, a criança agarrando o queixo da mãe... essas esculturas que eram incomparáveis no que diziam sobre a fragilidade da vida, e frente a isso uma vitalidade insaciável. Mas mãos faltando ou lacunas ou abrasões... suas esculturas poderiam absorvê-los e ainda apresentar ao espectador a possibilidade de exaltação que vinha de grandes obras de arte humildemente concebidas. E como ela reverenciava os artistas que não sentiam necessidade de deixar seus nomes, que trabalhavam com assiduidade nas costas invisíveis de peças que seriam fixadas em uma parede ou colocadas tão altas que nenhum olho poderia ver a perfeição do detalhe.
Uma estátua de madeira antiga, esculpida para expressar os anseios do coração humano, é um traço excepcionalmente bom do Espírito Santo porque, quando estamos verdadeiramente exultantes ou abatidos, nossa humanidade se abre para aquilo que é mais do que o humano. Ele se abre para Deus. O que quer que mais possa ser dito sobre eles, o júbilo e a dor revelam que fomos criados, que descansamos em algo maior do que nós mesmos.
Acredita-se que Michelangelo tenha dito que, quando esculpiu, simplesmente tirou tudo que não se parecesse com a obra-prima acabada que ele imaginou. É assim que o Espírito Santo nos esculpe. Nós somos a obra de arte. Somos o que emerge da ação do Espírito.
Santo Agostinho disse que se queremos ver Deus, não precisamos escalar uma montanha, muito acima da multidão enlouquecida. Não, Deus nos disse para examinar as bordas irregulares do coração.
Ele está perto daqueles que esmagaram seus corações (Salmo 33, 19).
Que coisa maravilhosa; ele mora nas alturas e se aproxima dos humildes. Ele olha para os humildes, enquanto conhece de longe o soberbo (Salmo 83; 137, 6).
Ele vê os orgulhosos de longe, e quanto mais alto eles pensam que estão, menos se aproximam dele. Então, você estava procurando por uma montanha? Desça para alcançá-lo. Mas você quer ascender? Suba, claro, mas não procure uma montanha. As montanhas estavam em seu coração – diz o salmo – nos vales áridos (Sl 83, 6).
A arte revela o artista. Ver o coração humano é ver seu criador. Vemos o Espírito trabalhando na obra-prima que chamamos de humano. Olhe para os limites de sua própria humanidade. Você ainda não conseguirá imaginar o Espírito Santo, mas ainda assim saberá quem este artista anônimo e humilde realmente é.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O Espírito Santo é o artista que molda nossa humanidade. Uma reflexão para o Domingo de Pentecostes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU