19 Mai 2021
Axel Kahn, médico, presidente da Liga Nacional contra o Câncer da França, ele próprio sofrendo de câncer, é obrigado a se aposentar de todas as suas atividades. Amor à vida, beleza do tempo que ainda sobra ... um convite a voltar a focar no essencial.
A entrevista com Alex Kahn é editada por Alice Le Dréau, publicada por La Croix, 18-05-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Quando você sabe que seus dias estão contados, como aproveita ao máximo o tempo que lhe resta?
Tentamos fazer isso da melhor maneira possível. Toda a minha vida fui obcecado pela noção de dever. Cumprir o próprio dever torna-se imperativo, é claro, quando você sabe que vai morrer em breve. É um exercício interessante, intelectualmente falando, quero dizer. É uma questão de saber o que conta, o que é mais importante e como você pode fazer isso para levar a vida à frente. Identificar os eventos, os processos que parecem valer a pena.
E o que vale a pena?
No plano pessoal, trata-se do que tem a ver com transmissão afetiva, familiar, sentimental. Aproveitar a proximidade as pessoas que amo, empanturrar-me de natureza, mesmo que não tenha mais tanta capacidade de fazer caminhadas como costumava ser. E em termos de empenho, é uma questão de continuar e consolidar o que empreendi.
O último grande empenho da minha vida é lutar contra o câncer e ajudar as pessoas doentes. Entre outras coisas, o motivo pelo qual quis estar tão presente para comentar sobre o Covid-19 é que as pessoas com câncer são vítimas colaterais muito afetadas pela crise. Esse empenho é indissociável da minha vida, será minha última batalha importante. Eu me concentro nesses objetivos. Vou ser internado uma primeira vez amanhã à tarde (terça-feira). Bem, a manhã será dedicada a uma reunião "extraordinária" no escritório nacional da Liga contra o Câncer.
Sua internação vai durar muito?
Não vou falar sobre minha doença. É uma batalha solitária que só diz respeito a mim.
Você falou em "transmitir". Como se antecipa a transmissão?
O primeiro estágio do meu câncer foi mantido totalmente secreto. Apenas meu filho médico e meu médico pessoal estavam sabendo. Depois, o agravamento muito rápido e manifesto que começou em abril levou-me a contar para meus outros filhos, para as pessoas próximas a mim. É triste saber que o pai morrerá em breve e que, além disso, ele está sofrendo. Mas eu queria que a tristeza não fosse um entrave.
A “passagem do bastão” foi organizada durante o fim-de-semana da Ascensão, na casa da família, com o seu magnífico lago. Tentei ensinar tudo aos meus filhos: dar-lhes as chaves da casa para fazê-los compreender que é a hora deles, mostrar-lhes como alimentar os animais, consertar as cercas, cortar os troncos ... Aproveitamos a natureza, o Sena, observando os lírios do campo, as urtigas, as columbinas ... A passagem do legado aconteceu no meio da beleza e da alegria. Também havia tristeza, mas a alegria superou a dor.
Você deixou uma casa, uma terra. Que valores você gostaria de deixar em legado?
Para a transmissão de valores não esperei a iminência da morte. É a educação de uma vida! Quero que meus filhos entendam que ninguém é o que é sem o outro. Sem a capacidade de dar e receber, ninguém existe. Quer a morte esteja próxima ou distante, esta é a chave fundamental para a humanidade. Acredito, além disso, que meus filhos e meus netos - os mais velhos, pelo menos – já tenham apreendido isso. Todos e todas entenderam que devem buscar com todas as suas forças (como havia escrito o meu pai, na carta que deixou antes de encerrar seus dias), "razoáveis e humanas".
Como oncologista, você está familiarizado com a morte. Isso muda alguma coisa no que diz respeito à própria finitude?
Só poderei lhe dizer quando chegar a hora! A morte é uma velha amiga. Mas estar perto da morte não significa necessariamente sentir serenidade. Conheci médicos que se sentiam aterrorizados. O problema, em certo sentido, é não desperdiçar esse último período de existência, porque o que precisa ser feito é de particular intensidade. A pessoa é levada a ir direto ao essencial, a livrar-se do supérfluo.
Você que não acredita na vida após a morte, que traço gostaria de deixar para se manter vivo?
Se não vejo nada depois da morte é porque perdi a fé aos 15 anos. Não estou nem um pouco orgulhoso disso. Todo mundo sabe que, culturalmente, sou católico, que meu país natal é o catolicismo, tenho mantido um vínculo muito forte com isso. Em suma, compliquei a minha vida: quis construir no humanismo, no meu humanismo, que afinal das contas é muito semelhante ao humanismo dos cristãos. O traço que quero deixar, como autor, como pensador, é contribuir para fornecer pontos para a reflexão e soluções para as insídias encontradas. Mesmo que eu não esteja lá para ver. Como tal, minha morte seria um sucesso.
O que você gostaria de mudar para os pacientes com câncer?
O câncer é uma doença terrível. No entanto, ano após ano, é possível roubar vítimas dele, arrancar doentes de suas presas. As pessoas que estavam desenganadas podem começar uma vida cheia de futuro novamente. Claro, esforços ainda precisam ser feitos para lidar com a dor. Eu sou testemunha disso. Mas minha mensagem é: não desistam! Não desanimem. Vinguem-nos! Vinguem seus entes queridos! Tentem se mobilizar ainda mais. Na verdade, o câncer está diminuindo, passo a passo. E se, infelizmente, você tiver que morrer de câncer, não tenha medo! Os dias que antecedem aquele momento podem ser lindos! Vocês podem ser felizes. Não desistam!
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“Cumprir o próprio dever torna-se imperativo quando você sabe que morrerá em breve”. Entrevista com Axel Kahn - Instituto Humanitas Unisinos - IHU