28 Abril 2021
Nas últimas semanas formam divulgados os números sobre o aumento do desmatamento e a devastação ambiental na Amazônia e de outros biomas brasileiros, o que demonstra que o governo de Jair Bolsonaro vem cumprindo seu objetivo de aproveitar para “passar a boiada”, como afirmou o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, a partir do estímulo e uso de estratégias para a liberação da mineração e grilagem de terras no país.
Os dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) indicam que, somente em março deste ano, a Amazônia Legal registrou o desmatamento de 810 km² de seu território. Isso representa um aumento de 216% de desmatamento em relação ao mesmo mês no ano passado (2020). A área desmatada registrada em março deste ano também é maior em dez anos.
Pressionado e desmoralizado internacionalmente com o avanço do desmatamento no Brasil e seu discurso negacionista sobre a crise ambiental, ao participar da Cúpula do Clima na semana passada, Bolsonaro prometeu aos líderes mundiais dobrar os recursos para os órgãos ambientais atuarem na fiscalização. Mas o discurso, considerado irreal e vazio, desmoronou no dia seguinte com o corte de R$ 240 milhões em verbas para o meio ambiente.
O engenheiro florestal e doutor em geografia agrária, do Setor de Produção do MST em Goiás e da coordenação nacional do MST, Luiz Zarref aponta que o aumento no desmatamento e na exploração da mineração na Amazônia, inclusive em terras indígenas, faz parte do projeto de Bolsonaro que mantém aliança com o latifúndio, o agronegócio “arcaico” e o setor mineral do país.
Luiz Zarref, do Setor de Produção do MST em Goiás e da coordenação nacional do MST
(Foto: Arquivo pessoal)
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Nesse cenário, conforme Zarref, o governo federal não somente estimula o desmatamento, mas tem criado barreiras para garantir o desmonte e a paralização dos órgãos de fiscalização, promovendo mudanças no padrão de desmatamento, que agora se volta à grilagem de terras.
“Antes do governo Bolsonaro o desmatamento e as queimadas na Amazônia estavam ligados principalmente à extração ilegal de madeira, sendo que as áreas desmatadas tinham em média 10 hectares. Houve uma mudança estrutural, com o padrão de desmatamento. Em geral, 35% das áreas desmatadas possuem mais de 100 hectares e já são identificadas áreas de até três mil hectares inteiramente desmatadas. Esse tipo de ação só é possível ocorrer se o objetivo for a grilagem, e se o grileiro estiver muito seguro de que não será incomodado pelo Estado”, denuncia.
A entrevista é de Solange Engelmann, publicado por Movimento dos Trabalhadores Sem Terra - MST, 27-04-2021.
Na sua opinião, quais causas e interesses estão por trás do aumento do desmatamento e da degradação ambiental na Amazônia e de outros biomas como o Cerrado, Pantanal, etc. em 2021?
Não resta qualquer dúvida que há um projeto claro de avanço do agronegócio e da mineração sobre a Amazônia, respaldado pelo governo federal. É um projeto deliberado, que conta, por parte do governo federal, com o desmonte dos órgãos de fiscalização e controle, a destruição de medidas infralegais mais protecionistas e a constante ameaça de mudanças nas legislações nacionais. Por parte das elites, segue a violência principalmente contra os territórios indígenas e quilombolas, a destruição por meio do desmatamento e das queimadas. O objetivo é aproveitar o apoio do governo federal para que as elites incorporem a maior quantidade de território possível.
Antes do governo Bolsonaro o desmatamento e as queimadas na Amazônia estavam ligados, principalmente à extração ilegal de madeira, sendo que as áreas desmatadas tinham em média 10 hectares. Agora, houve uma mudança estrutural, com o padrão de desmatamento voltando para aquele do final dos anos 90. Em geral, 35% das áreas desmatadas possuem mais de 100 hectares e já são identificadas áreas de até três mil hectares inteiramente desmatadas. Esse tipo de ação só é possível ocorrer se o objetivo for a grilagem, e se o grileiro estiver muito seguro de que não será incomodado pelo Estado.
Isso ocorre somente na Amazônia?
Não, o mesmo se replica para o Cerrado e o Pantanal, com mais voracidade, pois esses biomas não contam, nem com sistemas de monitoramento sofisticados, como a Amazônia, nem com o apelo nacional e internacional. Então, as elites brasileiras, com seu DNA arcaico, retrogrado, estão entendendo que é o momento de voltar às práticas que usaram historicamente, de avanço da fronteira agrícola por meio da violência contra os povos e contra a natureza, e com a proteção do Estado. Como estão vendo que o governo Bolsonaro está afundando, infelizmente vão querer acelerar o ritmo, para aproveitar essa “janela histórica”.
Por um lado, essa articulação busca dar visibilidade à violência histórica que esses biomas, fundamentais para o sistema hidrológico de toda América do Sul vem sofrendo, principalmente nesses últimos seis anos. O Cerrado sempre foi visto pelo Estado brasileiro como bioma periférico, tanto que não é reconhecido como patrimônio nacional pela Constituição [de 1988]. Os sistemas de controle e fiscalização do Cerrado e mesmo do Pantanal são insuficientes e as instituições de pesquisa e os órgãos de fiscalização possuem apenas estimativas muito vagas. Assim, as organizações sociais e os movimentos populares possuem uma importância ainda mais central, pois além de conservar esses biomas ao longo dos séculos, também são os que garantem as denúncias.
Essa articulação possui outra importância, que é garantir uma construção coletiva de denúncias das ações do agronegócio, buscando assim enfrentar as ameaças que cotidianamente lideranças e comunidades sofrem, seja por fazerem as denúncias, seja por serem diretamente o alvo da grilagem.
O dossiê “Agro é Fogo…” aponta que o fogo vem sendo usado como “arma” na devastação ambiental e nos conflitos por terra. Qual tem sido o papel histórico do agronegócio e do latifúndio nesse sentido?
A marca fundamental da estrutura agrária brasileira é o latifúndio e, juntamente com ele, a monocultura. Esse binômio latifúndio-monocultura produziu consequências extremamente trágicas para o Brasil, e que normalmente são remetidas mais ao campo econômico (concentração de terra/renda) e social (desigualdade social e fundamentação racista e patriarcal da sociedade brasileira).
Porém, a história ambiental brasileira é irmã gêmea da história agrária brasileira. Os ciclos econômicos do latifúndio (cana-de-açúcar, algodão, café e os atuais soja-milho, além da sempre presente pecuária extensiva) foram essencialmente devastadores. A lógica era de implementar a destruição da vegetação nativa – lucrando ao máximo com a extração de madeiras e outros produtos florestais – e implementar o sistema agrário mais lucrativo da época, sem práticas conservacionistas. Não é difícil encontrar ao longo da história documentos, relatos e mesmo leis que tentaram frear essa sanha destrutiva do latifúndio, sem sucesso. Passadas algumas décadas, o solo e o meio ambiente se exaurem e esses latifundiários avançam para fronteira agrícola com esse sistema de extração madeireira-desmatamento-queimada-grilagem. O agronegócio é uma sofisticação tecnológica mais nefasta dessa mesma base, com mais venenos e transgenia.
Qual o impacto do uso do fogo, como uma “arma”, na vida e nos territórios das populações rurais, acampamentos e assentamentos de Reforma Agrária, quilombolas e indígenas?
Quem é camponês e já esteve diante de uma queimada sabe o nível de violência que gera. A queimada destrói com grande velocidade e muita intensidade pastos, lavouras, currais, cercas, pomares. Consome por dias, às vezes semanas, matas imensas e seculares, destruindo a flora e fauna, e impactando diretamente nas nascentes e corpos d’água. Às vezes, são necessários anos para recuperar parte do que as queimadas levaram. Portanto, além da destruição direta, aguda, as queimadas geram também a inviabilidade, no médio prazo, da vida camponesa nesses territórios.
Como órgãos de fiscalização como o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) têm atuado nos últimos anos para combater o desmatamento no país?
Entre as primeiras medidas do governo Bolsonaro esteve a desarticulação, de uma só vez, dos órgãos envolvidos com a questão agrária: INCRA [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] e FUNAI [Fundação Nacional do Índio], alimentar: MDS [Ministério do Desenvolvimento Social e SEAD [Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário] e ambiental: SBF [Serviço Florestal Brasileiro], IBAMA e ICMBIO [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade]. Uma série de outras ações e medidas infralegais foram sendo executadas com o claro objetivo de “passar a boiada”, como literalmente disse o próprio ministro do Meio Ambiente [Ricardo Salles]. Quer dizer que o Estado, por um lado estimula e por outro garante que não haverá repressão aos crimes de grilagem. Um exemplo foram as denúncias do delegado da Polícia Federal do Amazonas [Alexandre Saraiva], que foi demitido por afirmar que o ministro [do Meio Ambiente] estava interferindo em favor de madeireiros da região.
Enquanto o Governo Trump [dos Estados Unidos] ainda existia, o discurso negacionista sobre a crise ambiental era feito abertamente pelo governo brasileiro. Após a derrota de Trump, Bolsonaro ficou isolado com essa visão e as consequências internacionais, que já eram preocupantes para parte da burguesia brasileira, aumentaram. Os EUA, inclusive para mostrar sua saída da postura negacionista e o retorno ao liberalismo verde, convocaram uma Cúpula do Clima, por fora da ONU. Nesse evento o discurso de Bolsonaro foi diferente dos anteriores. Ao invés de ataques e a postura negacionista, ele assumiu compromissos (vazios, entretanto), mas os condicionou à presença de governos, empresas e indivíduos que queiram investir na Amazônia. Ou seja, é a lógica da financeirização da natureza, como o programa recém lançado pelo MMA chamado Adote um Parque, que simbolicamente entregou a primeira Unidade de Conservação para a gestão do Carrefour.
Porém, nem esse discurso menos agressivo e mais pró-capitalismo verde se sustenta. Após anunciar a duplicação das verbas para o meio ambiente, Bolsonaro retirou mais de 240 milhões de reais do orçamento do MMA. Ou seja, enquanto tentou diminuir a pressão internacional, manteve sua aliança com o arcaico agronegócio e o setor mineral brasileiro.
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Desmatamento da Amazônia com Bolsonaro visa a grilagem, aponta dirigente do MST - Instituto Humanitas Unisinos - IHU