12 Abril 2021
Um editorial do FT lista as categorias que se 'beneficiaram' com o ano suspenso do Covid. Ferri (SIPEM) ao HuffPost: “O desconforto é forte e tangível. Dados e afirmações dever ser contextualizados”.
A reportagem é de Adalgisa Marrocco, publicada por Huffington Post, 07-04-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Para muitos de nós a chegada da vacina é uma luz no fim do túnel da pandemia. Mesmo considerando os atrasos e os problemas logísticos, as campanhas de vacinação representam uma esperança de sair de uma situação de angústia psicológica e econômica que já dura mais de um ano (de acordo com dados recentes, apenas na Itália uma em cada 3 pessoas corre risco de distúrbios pós-traumáticos causados pelo estresse). Mas Simon Kuper, colunista do Financial Times, retruca que "embora as vacinas prometam um retorno à vida normal, não temos mais certeza de que a queremos".
Durante este ano, "o centro das atenções estavam justamente as pessoas que sofreram ... Mas há uma verdade oculta que raramente queremos olhar: muitos de nós são mais felizes graças à pandemia", noticia o FT. O colunista, aliás, continua citando os resultados da pesquisa anual sobre a felicidade global da Ipsos, que no período de julho a agosto passado entrevistou 20 mil adultos em 27 países diferentes: 63% das pessoas disseram que estavam felizes, apenas um ponto percentual a menos que em 2019. Acrescentamos os dados relativos à Itália, que não está entre os países mais felizes do mundo, ocupando a 16ª posição: apesar disso, em relação ao ano anterior, o nível de felicidade dos cidadãos aumentou passando de 57% para 62 %.
A matéria do FT continua revisando as categorias que poderiam ter se beneficiado desse ano suspenso, feito de distanciamentos e fechamentos. “Pensem em todos os funcionários - escreve Kuper - que foram libertados de empregos e chefes que odiavam e que agora são pagos para ficar em casa”.
E ainda: "A pausa poderia ter se revelado um alívio para todos aqueles que desempenham o que o antropólogo David Graeber chama de 'bullshit jobs' que não contribuem significativamente para a sociedade: os 'puxa-saco' cujo trabalho é apenas deixar que os outros se sintam importantes, ou ' capangas’ dos call centers que vendem produtos inúteis. Pessoas que, explica Kuper, “foram libertadas da tarefa de programar a vida de outros”. Um capítulo é então reservado aos trabalhadores que vão e voltam diariamente de seus empregos: de um lado estão aquele em smartworking, não mais obrigados a se deslocar, do outro os que continuam a ir trabalhar, mas que “se beneficiam com as ruas vazias e trens menos lotados”.
Além disso, escreve ainda o FT, outras pessoas teriam se beneficiado da poupança econômica acumulada no ano do Covid: “Muitas pessoas em países mais desenvolvidos cortaram os custos de refeições fora de casa e férias. A taxa de poupança pessoal nos Estados Unidos atingiu um recorde de 32,2% em abril passado e desde então permaneceu consideravelmente mais alta em comparação com o período pré-pandemia.
Por fim, Kuper reflete sobre “aqueles que não estão ligados à educação a distância ou ao trabalho em terapia intensiva receberam principalmente a dádiva do tempo”, entre os quais ele mesmo também se inclui. “Este ano - escreve ele - ocasionalmente experimentei uma nova sensação pouco familiar: não ter que fazer nada urgente”. De acordo com Meike Bartels, psicóloga e geneticista comportamental da Vrije Universiteit em Amsterdã, a pandemia teria facilitado a vida de alguns, que "perceberam que provavelmente não estavam levando a vida que desejavam e passaram mais tempo em casa com suas famílias - recebendo um pouco de alívio do estresse cotidiano”.
Considerando tudo que foi relatado até agora, “o desconforto registrado durante a pandemia foi e continua a ser forte e tangível, especialmente entre a população mais jovem. Para entender determinados dados e algumas afirmações, é necessário contextualizar e avaliar as condições em que as pessoas viviam antes da pandemia”, comenta Roberto Ferri, presidente da Sociedade Italiana de Psicologia de Emergência, ao HuffPost. O psicólogo explica que “quem conseguiu aproveitar o tempo suspenso, a desaceleração das atividades, interromper o frenesi do mundo em que estamos imersos e o estresse que daí advém, pode dizer que 'se sente melhor'. Isso provavelmente proporcionou a algumas pessoas um espaço para refletir e se encontrar. É preciso também levar em consideração os dados econômicos: está 'melhor' quem não vivenciou as repercussões da crise, continuando a contar com um salário fixo e/ou com a solidez de sua atividade”.
As dificuldades são inegáveis. Ferri afirma que ″vemos os efeitos da chamada fadiga pandêmica: depois de mais de um ano, em que a barra do fim das restrições foi progressivamente sendo elevada, as pessoas experimentam uma sensação natural de cansaço e exaustão. Agora, independente dos medos de alguns e dos casos não-Vax, a vacina está finalmente nos propiciando um universo temporal, mais ou menos definido, para olharmos com esperança para uma retomada das atividades. Restam os prejuízos econômicos e o fato de que depois da pandemia precisaremos nos repensar, em relação ao mundo e ao ambiente em que vivemos”.
De acordo com uma recente revisão sistemática realizada pela Sociedade Italiana de Psiquiatria (SIP) sobre estudos publicados inerentes ao tema Covid e saúde mental, apenas na Itália uma em cada 3 pessoas está em risco de "trauma de pandemia" com efeitos que podem durar até trinta meses. Trata-se de uma situação, alertam os especialistas, capaz de deixar marcas profundas no psiquismo, podendo comprometer inclusive a longo prazo o bem-estar e a saúde mental não só dos doentes recuperados do vírus, dos profissionais de saúde e familiares das vítimas, mas também de todas as pessoas que, mesmo indiretamente, estão sofrendo os golpes de um ano de coronavírus. Incertezas socioeconômicas, isolamento, perda da liberdade, preocupação com a saúde e consciência de ter que conviver com o vírus por muito tempo: esses são alguns dos elementos que têm pesado no equilíbrio da população, segundo a revisão dos especialistas”.
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Muitos estão mais felizes graças à pandemia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU