01 Abril 2021
O olhar de Wim Wenders, capaz de contar o mundo do visível e, ao mesmo tempo, vislumbres do invisível, só podia ser o mais atento e apto para realizar um filme sobre e com o Papa Bergoglio.
O comentário é do Mons. Dario Viganò, vice-chanceler da Pontifícia Academia das Ciências e da Pontifícia Academia das Ciências Sociais, autor de “Irmãos e irmãs, boa noite: o Papa Francisco e a nova comunicação da Igreja” (Vozes, 2017).
O artigo foi publicado por Vatican News, 31-03-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Não existe tempo pensado se não for contado.” O filme do diretor alemão Wim Wenders “Papa Francisco. Um homem de palavra” (2018) [...] se apresenta, como sugere Paul Ricœur, um relato para conservar o tempo.
O encontro de Wim Wenders (e do seu cinema) com o Papa Francisco (e o seu ministério), que é tecido em um roteiro semelhante ao “murmúrio de uma brisa suave” (cf. 1Reis 19,12), com uma direção que faz do encontro entre o Papa Francisco e o espectador o fio condutor.
Desde os primeiros instantes do seu pontificado, o Papa Francisco revelou-se portador de um novo estilo: em pouco tempo, subverteu os tradicionais códigos comunicativos, chegando a renovar radicalmente a imagem (e não só) do papado.
E, desde os dias imediatamente posteriores à eleição, muitas emissoras internacionais e produtoras de filmes se apresentaram ao Vaticano com a proposta de fazer um documentário. Todas as vezes, porém, a resposta do papa era sempre a mesma, uma negação decidida, acompanhada pela mesma motivação: “Eu não sou ator!”.
Apesar das recusas, os pedidos de diretores e redes pareciam não parar. Assim, pouco a pouco, começava a ganhar espaço a conscientização de que, quando se fizesse um filme sobre ele, o modelo do “dia do papa” não era o relato mais apropriado.
De fato, era necessário que o papa se sentisse livre para contar a si mesmo segundo a sua modalidade comunicativa, capaz de encurtar as distâncias imediatamente: na intimidade, através de um jogo de olhares, o seu e o das pessoas.
E o olhar de Wenders, capaz de contar o mundo do visível e, ao mesmo tempo, vislumbres do invisível, só podia ser o mais atento e apto para realizar um filme sobre e com o Papa Bergoglio.
Basta pensar na sua longa filmografia e naquele olhar sobre os anjos tanto no filme “O céu sobre Berlim” (1987), quanto no subsequente “Tão longe, tão perto” (1993). Em particular, os anjos retratados no filme “O céu sobre Berlim” tão distantes dos resíduos devocionais e tão imbuídos da poesia de Dante e de Rainer Maria Rilke.
Uma boa ideia sem as adequadas coberturas financeiras corre o risco de morrer no nascimento. Depois dos primeiros contatos com o diretor Wim Wenders, no fim de 2013, foram necessários vários meses para encontrar a quadratura certa capaz de fazer o projeto decolar.
Nisso, foi providencial o encontro com os produtores Andrea Gambetta, Alessandro Lo Monaco e Samanta Gandolfi Branca. Em particular, Gambetta, em 2014, havia coproduzido “O sal da terra”, um documentário-retrato da vida e do compromisso civil-ambiental do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado.
E imediatamente foi compartilhada com Wenders a ideia de que o filme não deveria custar caro: parecia absurdo fazer uma produção de grande orçamento sobre um papa que, desde o primeiro dia do seu pontificado, fez da sobriedade o seu estilo de vida e a sua mensagem para o mundo.
Assim, o filme ganhou forma durante 2015, e no início de 2016 Wenders e a sua pequena equipe técnica, que também incluía a consagrada diretora de fotografia Lisa Rinzler (ao seu lado no projeto “Buena Vista Social Club” de 1999), estavam prontos para começar as gravações.
Wenders obteve total liberdade na realização do filme: não se tratava de um produto encomendado, e nenhuma restrição foi imposta a ele, garantindo-lhe o controle sobre o final cut da obra.
Vários meses depois, em novembro de 2017, com o filme na última fase de montagem, Wenders escrevia: “Este filme era (e é) uma responsabilidade enorme, especialmente porque me foi dada uma tão generosa ‘Carte Blanche’. Eu precisava de ajuda, ou de uma orientação, muito mais do que para qualquer um dos meus filmes anteriores, então Donata e eu rezamos muito pedindo ao Espírito Santo a sua vigilância. Eu sinto e sei agora que este não é apenas o ‘meu trabalho’, ou o trabalho do editor, ou dos produtores, ou de qualquer outra pessoa. É também um procedimento daquele Espírito, a sua manifestação. Ele sente a necessidade de permear o filme, de se apossar dele até estar presente em cada momento dele. Não é algo que se possa forçar”.
O diretor alemão conseguiu se distanciar imediatamente da produção tradicional, documental ou ficcional, dedicada aos pontífices. Ele se manteve distante daquele olhar narrativo-descritivo consolidado que pode ser rastreado, por exemplo, desde os primeiros planos sobre Leão XIII, em 1898, ou do filme sobre Pio XII de 1942, “Pastor Angelicus”, até os documentos audiovisuais dedicados a João XXIII. Ele conseguiu encontrar imediatamente uma chave narrativa que se adaptasse ao estilo do papa.
Inspirando-se no estilo do documentarista vencedor do Oscar Errol Morris, Wenders adotou uma abordagem direta e sem adornos ao fazer o filme, sem nunca aparecer nas entrevistas nem sendo ouvido enquanto fazia as perguntas. Para isso, utilizou a técnica empregada por Morris, mas fazendo uma modificação na câmera conhecida como Interrotron, uma espécie de teleprompter [equipamento acoplado à câmera que exibe o texto a ser lido pelo apresentador de TV], modificado de tal forma que o papa, olhando para a lente, pudesse ver o rosto de Wenders ao lhe fazer as perguntas.
O diretor, escondido por uma cortina preta e idealmente sentado em uma cadeira na frente de Bergoglio, mas invisível a ele, graças ao Interrotron, podia assim olhar o papa nos olhos, sem que a lente criasse uma distância desagradável entre eles.
As perguntas haviam sido enviadas ao papa com antecedência, para que ele pudesse se preparar e refletir. Lembramos as suas folhas anotadas com a sua caligrafia pequena, uma palavra, um versículo bíblico, poucas anotações, mas um sinal da sua séria atenção.
No momento das gravações, porém, o papa não seguia nenhum roteiro, falava de modo livre e espontâneo, olhando Wenders no rosto, graças ao dispositivo técnico. Esse “estratagema” original humanizou as gravações da entrevista, quebrando efetivamente a barreira emotiva entre entrevistado e entrevistador, e amplificando a experiência de envolvimento do espectador.
A plena adesão do Santo Padre foi fundamental nesse projeto. O papa tomou o seu tempo para avaliar o trabalho, assim que foi apresentado em detalhes. Depois, expressou a sua participação de forma convicta, ciente do alcance comunicativo do projeto.
Naturalmente, o seu compromisso maior foi o de se colocar à disposição com a equipe para as sessões de gravação no Vaticano: inicialmente, estavam previstas três entrevistas, que depois se tornaram quatro a pedido de Wenders, realizadas entre meados de março de 2016 e agosto de 2017. No fim, foram realizadas oito horas de gravação com o Papa Francisco – considerando as várias câmeras, um total de 20 horas – e seis horas em Assis, com uma hand camera dos anos 1920, seguindo a sugestão estilístico-narrativa de Wenders.
O primeiro encontro ocorreu no dia 16 de março de 2016, naquele que no Vaticano é comumente chamado de “il Fungo”, um local entre a Casa Santa Marta e a Sala Paulo VI. Um momento muito emocionante para Wenders e para a equipe: antes da chegada do papa, percebia-se nitidamente a tensão entre os presentes, mas assim que Bergoglio pôs o pé na salinha, apertando a mão um a um de todos com gentileza, disponibilidade e um grande sorriso no rosto, a tensão imediatamente deu lugar à simplicidade das relações.
A segunda sessão foi realizada no dia 24 de maio de 2016, na Sala Ducal do Palácio Apostólico, enquanto a terceira gravação, no dia 26 de agosto de 2016, havia sido marcada nos Jardins Vaticanos.
Quando o filme já estava na sua fase de montagem, Wenders escreveu para manifestar a “necessidade absoluta” de outra entrevista com o papa, para completar o filme da melhor maneira possível: de todas as perguntas feitas, não havia nenhuma que pudesse ser utilizada eficazmente como encerramento. Graças novamente à extrema disponibilidade demonstrada pelo pontífice, foi possível organizar rapidamente uma última sessão de gravação no dia 7 de agosto de 2017.
Naquela ocasião, Wenders especificou ao papa qual havia sido o problema que levara ao pedido de uma nova entrevista: antes do início das gravações, Bergoglio lhe respondeu: “Não posso cumprimentar, temos que encontrar um final verdadeiro, mas não me pergunte nada”. Perto do fim da entrevista, em certo ponto, o papa mudou repentinamente de assunto, saindo com a frase “os artistas são um presente da beleza”, acrescentando que eles têm a habilidade, o senso de beleza e de humor. Ele mesmo, com uma risada, encontrou então o senso de humor certo para concluir: até cumprimentou com a mão, oferecendo ao filme um belíssimo final.
No dia 13 de maio, “Papa Francisco. Um homem de palavra” foi exibido, em estreia mundial, no 71º Festival de Cannes, na presença do próprio delegado geral do festival, Thierry Frémaux.
Poucos dias depois, em 18 de maio, o documentário estava nas salas de cinema dos Estados Unidos. O bom sucesso de público obtido na América do Norte foi repetido, depois de um mês, nos países europeus de língua alemã (Suíça, Alemanha, Áustria). Para a Itália, foi escolhida a data simbólica de 4 de outubro, São Francisco de Assis, realizando um evento de lançamento do filme em 350 salas.
Além disso, é preciso lembrar a exibição especial no Festival de Havana, em Cuba, e a apresentação no Meeting de Rimini em agosto de 2018. Justamente esta última foi uma oportunidade particularmente significativa para oferecer ao público italiano uma prévia do documentário, realçada por uma videomensagem que Wenders quis enviar especificamente para aquela ocasião: “Tudo o que eu tenho a dizer – apontou o diretor – está no filme, e vocês vão vê-lo, vão ouvi-lo quando estiverem todos cara a cara, não, mais, olhos nos olhos, com um homem muito corajoso, muito humilde e muito gentil, o Papa Francisco. Uma verdadeira rocha, como Cristo chamava Pedro”.
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Papa Francisco: um homem de palavra. Artigo de Dario Viganò - Instituto Humanitas Unisinos - IHU