26 Março 2021
Na “Divina Comédia” de Dante, os pecadores da simonia encontram-se incrustados em fendas e furos todos iguais, dos quais saem apenas as suas pernas e os seus pés, queimados continuamente por uma chama. A polêmica contra a corrupção eclesiástica é referida ao leitor por meio de uma invectiva eficaz, usando até referências bíblicas e tons apocalípticos.
A opinião é de Martina Michelangeli, divulgadora cultural e doutora em Ciências do Texto pela Universidade de Roma “La Sapienza”. O artigo foi publicada em One Elpis, 04-09-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Na “Divina Comédia”, a crítica à Igreja está muito presente, já que esta é posta por Alighieri no mesmo nível da ideologia política e civil: o canto XIX do primeiro Cântico revela precisamente a decadência moral do Trono de Pedro e dos seus sucessores.
Nesse canto, são condenados os papas simoníacos: tal adjetivo para esses pecadores deriva de um episódio dos Atos dos Apóstolos 8,9-20, em que se relata que um mágico da Samaria, Simão, tentou corromper São Pedro, a fim de comercializar os cargos eclesiásticos e os poderes espirituais; foi justamente desse episódio que nasceu o termo “simoníaco”.
Os pecadores da simonia encontram-se incrustados em fendas e furos todos iguais, dos quais saem apenas as suas pernas e os seus pés, queimados continuamente por uma chama. A polêmica contra a corrupção eclesiástica é referida ao leitor por meio de uma invectiva eficaz, usando até referências bíblicas e tons apocalípticos.
Na realidade, a falta de responsabilidade por parte dos papas em relação à sua tarefa de vigários de Cristo é proposta por Dante também no início do Inferno: no canto III, seguindo o ordenamento moral desejado pela Sabedoria divina, encontram-se os ignavos, isto é, aqueles que em vida nunca se posicionaram, tomando uma decisão: de acordo com vários críticos, a alma que na vida mundana fez “a grande recusa” foi a de Celestino V, eleito papa em 1294 e que abdicou depois de cinco meses em favor de Pietro Caetani, o futuro Papa Bonifácio VIII.
Entre o poeta florentino e o pontífice Bonifácio VIII não havia boas relações: esse papa é recordado como aquele que proclamou o primeiro Jubileu da história em 1300, mas Dante o recorda como aquele que fez decair as esperanças de uma reforma dentro da Igreja e como o proponente das novas divisões entre as facções políticas da época.
No canto dos simoníacos, Dante cita esse último pontífice, mas não o insere diretamente como condenado infernal: deve-se enfatizar que o relato da viagem dantesca está ambientado anteriormente em relação à sua escrita e, em 1300 (ano em que está ambientado o caminho de Dante a partir da selva escura), Bonifácio VIII ainda está vivo e morreria em 1303.
O nome do tão detestado pontífice ecoa nas palavras do papa condenado Nicolau III: com a chegada de Dante ao lugar onde estão inseridos esses pecadores, o Poeta é confundido por Nicolau como sendo o colega Bonifácio.
Desse modo, Dante revela ao leitor a “profecia” da condenação eterna no reino do Mal para Bonifácio VIII: com a simples nomeação do pecador simoníaco, o Poeta demonstra a sua grandeza de intelecto e de criatividade, mantendo-se fiel também ao momento histórico da viagem ao Inferno e às suas ideias em relação aos personagens da época.
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Dante, os papas e a simonia. Artigo de Martina Michelangeli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU