25 Março 2021
Na audiência geral, parece responder aos seus críticos que o acusam de heresia e traição à doutrina tradicional.
A reportagem é de Carlo Di Cicco, publicada por Tiscali News, 24-03-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Maria, Mãe de Jesus, é a mulher a quem mais se reza e a mais venerada entre os cristãos, mas também motivo de infindáveis disputas teológicas e devocionais na história da Igreja. Disputas que nunca foram concluídas, se ainda hoje o Papa Francisco voltou com insistência na audiência geral a relembrar um dos pontos da discórdia mais acalorada sobre Nossa Senhora: uma parte afirma considerá-la corredentora do gênero humano junto com Jesus; outra parte considera Maria, Mãe de Deus e dos cristãos, mas não corredentora, pois o único redentor e mediador entre Deus e a humanidade é Jesus Cristo.
Um debate que pode parecer pedante e insignificante, mas na realidade toca os pontos mais profundos da fé cristã e suas implicações culturais. A questão sobre esse motivo de divisão foi levantada há 60 anos pelo Concílio Vaticano II, no capítulo oitavo da Lumen Gentium, o documento mais importante entre os 16 aprovados e publicados. O tema de Nossa Senhora foi um dos temas "quentes" no debate conciliar quando se tratou de desenhar o rosto da Igreja. O aspecto teológico prevaleceu sobre o aspecto devocional e folclórico.
Alguns padres conciliares queriam aprovar um texto separado sobre Nossa Senhora para enfatizar sua posição especial na Igreja. Em vez disso, prevaleceu a proposta - apoiada por Paulo VI - de falar de Nossa Senhora dentro do único grande documento sobre a Igreja onde Maria é reconhecida como Mãe de Deus e da Igreja, a primeira redimida entre as criaturas. “A Santíssima Virgem - afirmara o concílio - é invocada na Igreja com os títulos de advogada, auxiliadora, salvadora, mediadora. No entanto, isso deve ser entendido de forma que nada diminua ou aumente a dignidade e a eficácia de Cristo, único mediador” entre Deus e os homens. Ao aplicar o concílio, o Papa Francisco sabe que o argumento mariano é um dos cavalos de batalha de seus críticos com os quais, à distância e indiretamente, tenta dialogar sem abrir mão de nada em relação ao Concílio Vaticano II, carta magna em toda situação dos nossos dias.
“Maria - recorda Francisco a este respeito - esteve e está presente nos dias da pandemia, junto às pessoas que infelizmente terminaram o seu caminho terrestre em uma condição de isolamento, sem o conforto da proximidade dos seus entes queridos. Maria está sempre presente, ao nosso lado, com sua ternura materna”. Nossa Senhora não como um fetiche abstrato, mas presença viva, discípula cheia da humanidade do Evangelho. Nessa linha havia falado de Nossa Senhora no dia 3 de abril do ano passado, em plena pandemia, na homilia a Santa Marta. “Tem gente - disse então - que a partir de agora começa a pensar no depois: no depois da pandemia. A todos os problemas que virão: problemas de pobreza, trabalho, fome ... Rezemos por todas as pessoas que ajudam hoje, mas também pensemos no amanhã, para nos ajudar a todos”, justamente no exemplo de Nossa Senhora que “nunca pediu algo para si, nunca. Sim, para os outros: vamos pensar em Canaã, quando vai falar com Jesus. Ela nunca disse: ‘Eu sou a mãe, olhem para mim: serei a rainha-mãe’. Ela nunca disse isso. Ela não pediu nada importante para si no colégio apostólico. Apenas aceita ser mãe. Acompanhou Jesus como discípula, porque o Evangelho mostra que ela seguia Jesus: com as amigas, mulheres piedosas, seguia Jesus, ouvia Jesus”. E depois acrescentava como honrar Nossa Senhora, dizendo: “Esta é a minha Mãe”, porque ela é Mãe ... não a nomeou primeira-ministra nem lhe deu os títulos de ‘funcionalidade’. Apenas ‘Mãe’. Nossa Senhora não quis tirar nenhum título de Jesus; ela recebeu o dom de ser sua Mãe e o dever de nos acompanhar como Mãe, de ser nossa Mãe. Ela não se pediu para ser uma quase-redentora ou corredentora: não. O Redentor é apenas um e este título não se duplica. Só discípula e mãe”.
Essa intervenção do papa desencadeou a raiva, a ira, a agressividade de muitos sites católicos que surgiram para se contrapor ao ensinamento de Francisco. Um deles diz: "Santidade, papistas sim, jesuítas e bergogliosos não!". E ainda: Maria Rainha e corredentora não se toca! Chega !! .. O Papa Bergoglio enfurece-se com Nossa Senhora: não é Corredentora. E nem Rainha. Só mãe e discípula ... O Papa Bergoglio ultraja novamente Nossa Senhora ...”. O conflito não se resolveu se ainda hoje o papa voltou a reafirmar a doutrina sobre Nossa Senhora Mãe, mas não corredentora e mediadora como Jesus.
“Cristo é o Mediador, a ponte que cruzamos para nos dirigir ao Pai. Ele é o único Redentor: não há corredentores com Cristo. Ele é o Mediador por excelência, ele é o Mediador. Cada oração que elevamos a Deus é por Cristo, com Cristo e em Cristo e se cumpre graças à sua intercessão. O Espírito Santo estende a mediação de Cristo a todos os tempos e lugares: não há outro nome em que possamos ser salvos. Jesus Cristo: o único Mediador entre Deus e os homens ... A partir da única mediação de Jesus Cristo, ganham sentido e valor as outras referências que o cristão encontra para a sua oração e devoção, primeira entre todas a Virgem Maria, a Mãe de Jesus”.
E como a Mãe Maria envolve a todos nós: “mas como Mãe, não como deusa, não como corredentora: como Mãe. É verdade que a piedade cristã atribui a ela sempre belos títulos, como um filho à sua mãe: quantas coisas belas um filho diz à mãe que ama! Mas estejamos atentos: as belas coisas que a Igreja e os santos dizem de Maria nada diminuem da unicidade redentora de Cristo. Ele é o único Redentor. São expressões de amor como um filho à mãe - às vezes exageradas. Mas o amor, sabemos, sempre nos faz fazer coisas exageradas, mas com amor”.
O que está em jogo na realidade é uma consciência adulta em ser cristão, como transparece na mensagem de Francisco, que ontem comemorou o 150º aniversário da proclamação de Santo Afonso de Ligório, Doutor da Igreja. O santo ainda é considerado um grande mestre da moral católica. “Nas disputas teológicas, preferindo a razão à autoridade, ele não se detém na formulação teórica dos princípios, mas se deixa questionar pela própria vida. Advogado dos últimos, dos frágeis e dos descartados pela sociedade do seu tempo, defende o ‘direito’ de todos, especialmente dos mais abandonados e dos pobres”.
Esse caminho levou Santo Afonso “à escolha decisiva de colocar-se ao serviço das consciências que procuram, apesar de mil dificuldades, o bem a fazer, porque são fiéis ao chamado de Deus à santidade. Santo Alfonso, portanto, “não é nem laxista nem rigorista. Ele é um realista no verdadeiro sentido cristão, porque compreendeu perfeitamente que a vida comunitária e o compromisso com os outros estão no próprio coração do Evangelho”.
Nos últimos tempos, os desafios que a sociedade enfrenta, repete o Papa, “são inúmeros: a pandemia e o trabalho no mundo pós-Covid, o cuidado a serem garantidos a todos, a defesa da vida, os inputs que nos chegam da inteligência artificial, a salvaguarda da criação, a ameaça antidemocrática e a urgência da fraternidade. Ai de nós se, nesse empenho evangelizador, separamos o “grito dos pobres” do “grito da terra”.
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Francisco encerra polêmicas seculares sobre Nossa Senhora: Maria é mãe e não deusa nem corredentora, expressões às vezes exageradas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU