25 Março 2021
Talvez seja um dos pensadores mais relevantes de nosso tempo. Estamos falando, com certeza, do sul-coreano Byung-Chul Han (1959). Seus postulados adquirem uma relevância capital à luz do que ocorre nos dias atuais, quando a pandemia de coronavírus bateu todos os recordes em nosso país [Chile].
A reportagem é de Pablo Retamal N., publicada por La Tercera, 21-03-2021. A tradução é do Cepat.
Para o filósofo asiático, é preciso entender que o vírus faz com que os males da sociedade que existiam antes da pandemia se acentuem ainda mais. Nesse sentido, em um breve ensaio que publicou, neste domingo [21/03], no jornal espanhol El País, disse que a maior sensação de cansaço é de longe o mais notável.
“De um modo ou de outro, hoje, todos nós nos sentimos muito cansados e extenuados. Trata-se de um cansaço fundamental, que permanentemente e em todas as partes acompanha a nossa vida como se fosse nossa própria sombra. Durante a pandemia, nós nos sentimos inclusive mais esgotados do que de costume. Até mesmo a inatividade forçada pelo confinamento nos cansa. Não é a ociosidade, mas o cansaço que impera em tempos de pandemia”.
Mas o autor de “Sociedade da transparência” considera que este cansaço é algo que já vem de antes, e a chave para entendê-lo é a autoexigência que os seres humanos se puseram como norma nas sociedades neoliberais.
“O que caracteriza o sujeito desta sociedade, que ao se ver forçado a render explora a si mesmo, é a sensação de liberdade. Explorar a si mesmo é mais eficaz do que ser explorado por outros, porque traz a sensação de liberdade”, diz Han.
Outro ponto importante para o filósofo é a perda dos rituais aos quais a presencialidade havia habituado os seres humanos. “Os rituais geram uma comunidade sem comunicação, ao passo que hoje o que predomina é uma comunicação sem comunidade”, diz.
Embora, no fundo, para ele se trata de mais uma demonstração de que o vírus acentua um mal já existente. Neste caso, o que ele descreveu como “a permanente encenação do ego” em nossas sociedades.
“O vírus acelera o desaparecimento dos rituais e a erosão da comunidade. São eliminados até mesmo esses rituais que ainda restavam, como ir ao futebol ou a um concerto, comer em um restaurante, ir ao teatro ou cinema. A distância social destrói o social. O outro se tornou um potencial portador do vírus de quem tenho que manter distância”.
Nesse sentido, Han se mostra crítico à comunicação digital, por acaso a única forma que o mundo encontrou para seguir adiante. Seu principal alvo são as videoconferências, que geram o que ele classifica como “vídeonarcisismo”, ou uma exagerada preocupação com a imagem. Justamente em uma época em que antes da pandemia já existia uma febre pelas selfies e uma exaltação icônica.
“O videonarcisismo tem alguns efeitos secundários absurdos: provocou um auge das operações estéticas. Ver na tela uma imagem distorcida ou embaraçada faz com que as pessoas comecem a duvidar de seu próprio aspecto. Quando a tela tem boa resolução, logo percebemos as rugas, queda progressiva do cabelo, manchas na pele, bolsas nos olhos e outras alterações na pele pouco estéticas... O espelho digital faz com que as pessoas caiam em uma dismorfia, ou seja, que preste uma atenção exagerada em possíveis defeitos em seu aspecto corporal”, avalia.
Neste sentido, retoma o conceito de cansaço, e descreve que – como efeito do vírus – a comunicação digital é outro fator que esgota (ainda mais) as pessoas. “A comunicação digital nos extenua muitíssimo. É uma comunicação sem ressonância, uma comunicação que não nos traz felicidade. Em uma videoconferência, por motivos puramente técnicos, não podemos olhar nos olhos um do outro. Fixamos o olhar na tela. Para nós, é esgotador que falte a visão do outro”.
Por isso, Han defende que se tome consciência da importância da comunicação presencial, face a face, para além das telas. “Tomara que a pandemia nos faça perceber que a simples presença corporal do outro tem algo que nos faz sentir felizes, de que a linguagem implica uma experiência corporal, de que um diálogo bem-sucedido pressupõe um corpo, de que somos seres corpóreos”.
A depressão é o principal sintoma que Han situa dentro da “sociedade do cansaço”, acentuada, em sua avaliação, justamente pela ausência de relações interpessoais presenciais. “Durante a quarentena, sem contato social, acentua-se a depressão, que é a autêntica pandemia do presente”, disse o pensador.
Mas, e volta a seu ponto, a depressão é outro sintoma de uma sociedade que já vinha cansada, e que a pandemia apenas tornou mais evidente.
“A depressão é um sintoma da sociedade do cansaço. O sujeito forçado a render sofre a síndrome do desgaste profissional (em inglês, burnout), a partir do momento em que sente que já não consegue mais. Fracassa por culpa das exigências de rendimento que impõe a si mesmo. A possibilidade de não poder mais, leva-o a fazer autorrepreensões destrutivas e a se autoagredir. O sujeito forçado a render luta contra si mesmo e sucumbe por isso. Nesta guerra travada contra si mesmo, a vitória é do desgaste laboral”.
E como uma expressão disso, Han cita o aumento dos suicídios em seu país. “Desde que a pandemia estourou, o índice de suicídios aumentou vertiginosamente na Coreia. Parece que o vírus é um catalizador da depressão. No entanto, em nível global, ainda se dá muito pouca atenção às consequências psíquicas da pandemia”.
Mas nem tudo está perdido. Para Byung-Chul Han, a crise sanitária é uma oportunidade para redefinir nossa forma de vida, e desta maneira poder sair do cansaço endêmico que mencionava, já que o vírus de alguma maneira sobrecarrega a sociedade do cansaço, tornando-o um vírus do cansaço.
“O vírus é, além disso, uma crise no sentido etimológico de krisis, que significa ‘ponto de inflexão’. Ao nos fazer um urgente chamado à mudança de nossa forma de vida, também pode causar a reversão desta precariedade. Só poderemos chegar a isso se submetermos nossa sociedade a uma revisão radical, se conseguirmos encontrar uma nova forma de vida que nos torne imunes ao vírus do cansaço”.
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Cansaço, depressão, videonarcisismo: os efeitos da pandemia segundo Byung-Chul Han - Instituto Humanitas Unisinos - IHU