24 Março 2021
“Existe algo de alegação cética, ao mesmo tempo que de ideal esperançoso no pensamento de Simone Weil, uma crítica à subordinação em todos os níveis, bem como o anseio pela construção de uma existência autônoma e pacífica que os fanáticos objetam por não se submeter ao coletivo. Às vezes, o passado segue falando ao presente”, escreve Luis Diego Fernández, doutor em Filosofia, em artigo publicado por Clarín-Revista Ñ, 20-03-2021. A tradução é do Cepat.
Escrito em 1934, Reflexões sobre as causas da liberdade e da opressão social da filósofa francesa Simone Weil é um breve, mas contundente texto que tem como propósito realizar uma crítica ao marxismo, dar conta da dinâmica da opressão e desenvolver a visão teórica de uma sociedade livre.
Segundo o prisma de Weil, Marx explica de maneira admirável o mecanismo da opressão capitalista, mas não oferece ferramentas válidas sobre como seria possível desativá-lo. Além disso, a opressão em termos marxianos só está inserida no aspecto econômico (a apropriação da mais-valia), mas não foca outros elementos sociais. Weil é categórica: “A palavra revolução é uma palavra pela qual se mata, pela qual se morre, pela qual se envia as massas populares à morte, mas que não tem conteúdo algum”.
De acordo com a perspectiva da filósofa, trata-se de explorar a possibilidade de uma organização de produção que, se não pode eliminar as necessidades naturais (subsistência, consumo) e a exigência social que as mesmas implicam (trabalho, esforço), ao menos se manifestem sem esmagar de maneira opressiva as mentes e os corpos dos operários.
Weil resgata o diagnóstico da analítica marxiana sobre o capitalismo, mas critica a ausência da reflexão sobre a dimensão integral da opressão no pensamento de Marx para além das relações econômicas e produtivas. De acordo com Weil, a opressão procede de condições objetivas que emanam da existência de privilégios, relações de força que levam à formação de monopólios que crescem e que se fortalecem pela necessidade da preservação do poder como alimento vital de todo poderoso.
Como desativar este mecanismo, segundo a nossa filósofa? Suprimindo a desigualdade ou estabelecendo um poder estável para que haja equilíbrio entre aqueles que mandam e aqueles que obedecem (a solução conhecida como a “paz romana”).
Percebe-se nas ideias e no tom da prosa de Simone Weil uma sensibilidade, entre aguda e cética, a respeito de toda tentativa marxista, nem Trotsky se salva. Segundo a filósofa, a “rebelião das forças produtivas” que este invocava é ingênua, é “pura ficção”. É evidente que Weil considera que a visão marxista de que a existência social é determinada pelas relações de produção entre os homens e a natureza é sólida, mas ao mesmo tempo considera que o marxismo não pensa em toda a sua amplitude as relações de poder.
Neste aspecto, a intelectual é muito crítica à Revolução Russa: “Os privilégios que suprimiu careciam, há muito tempo, de base social fora da tradição”, e acrescenta: “a grande indústria, a Polícia, o Exército e a burocracia, longe de ser derrubadas pela revolução, graças a ela, alcançaram um poder desconhecido nos outros países”. É notável como Weil está antecipando, em quarenta anos, a crítica que será feita, nos anos 1970, ao burocratismo estatal e o disciplinamento dos regimes comunistas, nos campos de trabalho forçado, que textos como “Arquipélago Gulag”, de Aleksandr Solzhenitsyn (1973), denunciaram.
Diante deste panorama sombrio, Weil tenta definir um ideal de sociedade livre que tem muito de utopia anarquista, mutualista e cooperativista, que bebe de águas que vão de Camus a Tolstoi. Não é um dado menor que a filósofa tenha participado da Guerra Civil Espanhola lutando contra o regime franquista junto com grupos anarquistas, bem como se comprometeu com a Resistência Francesa próxima ao gaullismo. “Vivemos em um mundo onde nada é a medida do homem. Há uma monstruosa desproporção entre o corpo do homem, a mente do homem e as coisas que, hoje em dia, constituem os elementos da vida humana”, ressalta a pensadora.
No entanto, a opção comunista, longe de ter conseguido a harmonia prometida entre mente, corpo e vida, ampliou a lacuna a tal ponto que, segundo Weil: “A Rússia oferece um exemplo quase perfeito de um regime assim, para a desgraça do povo russo (...) Esta evolução só dará à desordem uma forma burocrática e aumentará ainda mais a incoerência, o desperdício, a miséria”.
Em definitivo, existe algo de alegação cética, ao mesmo tempo que de ideal esperançoso no pensamento de Simone Weil, uma crítica à subordinação em todos os níveis, bem como o anseio pela construção de uma existência autônoma e pacífica que os fanáticos objetam por não se submeter ao coletivo. Às vezes, o passado segue falando ao presente.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Simone Weil e uma crítica à servidão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU