15 Março 2021
Matteo Zuppi é considerado um homem do Papa Francisco, que o enviou a Bolonha como arcebispo em 2015 e o fez cardeal em 2019. Na entrevista, o cardeal fala sobre seus antecessores conservadores, os processos sinodais e pastorais para além dos laboratórios.
A entrevista é de Roland Juchem, publicada por domradio.de, 12-03-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Cardeal, o senhor é um verdadeiro romano e agora é arcebispo de Bolonha. Que diferenças percebe entre os romanos e os bolonheses?
Roma tem um gene de universalidade, que no entanto é pouco compreendido e vivenciado pelos romanos. Já que se diz que “todos os caminhos levam a Roma”, aí se desenvolveu uma certa preguiça: “Como todos vêm para cá, não precisamos nos mover na direção oposta”. Em vez disso, Bolonha é caracterizada pela universidade e pela indústria e é um ponto nodal na Itália.
Bolonha é conhecida como a sede de arcebispos conservadores, como Giacomo Biffi e Carlo Caffarra. Em vez disso, o senhor é considerado um progressista liberal. Houve algum problema por causa disso?
Não, eu tinha um bom relacionamento com o cardeal Caffarra. Francisco também o estimava. Ele dizi que Caffarra tinha princípios e acreditava que isso era correto. O problema, como diz Francisco, não é que haja esquerda e direita e maneiras diferentes de pensar. O que é importante é o espírito com que isso é expresso. Veja Biffi: ele era totalmente contrário ao encontro de paz em Assis em 1986. Cresci em uma comunidade que organizou aquela reunião de paz e que desde então a administra.
No final de janeiro, o Papa deu uma chamada aos bispos italianos, dizendo-lhes que eles deveriam decidir iniciar um processo sinodal, paróquia por paróquia, diocese por diocese. Os comentaristas falaram sobre uma "reação morna" dos bispos, porque um sínodo na Itália "significaria abrir uma caixa de Pandora". É assim mesmo?
Não, não há nenhuma caixa de Pandora. Na verdade, o problema é conseguir realizar uma mudança de consciência pastoral-missionária. Até agora, estamos muito para dentro e muito pouco para fora. Até João Paulo II e Bento XVI haviam solicitado um reinício corajoso. Agora o Francisco chega com a vassoura para nos colocar em movimento e nos mandar para fora (risos). Na Igreja atual estamos entre nós. Não sabemos quem encontraremos lá fora e como, e achamos que precisamos nos preparar melhor e desenvolver programas. Mas o papa simplesmente nos empurra para fora, para a rua: "Agora façam...". Não podemos perder esta oportunidade.
Quais são as tarefas mais urgentes?
Certamente uma nova abordagem do anúncio, mesmo a vivência desse “sair”. O que certamente é trabalhoso. Usamos categorias, topônimos, unidades de medida obsoletas e temos que repensar tudo de uma forma completamente nova, enfim, reprogramar nosso computador pastoral (simula o gesto de digitar na testa com os dedos). Para isso, a pandemia é uma oportunidade extraordinária. Mas também precisamos de uma nova linguagem que responda às perguntas efetivas das pessoas depois de realmente ouvi-las.
Isso requer uma formação especial?
Sim e não. Basicamente, trata-se do evangelho. Algumas coisas não podem ser tratadas em laboratório, onde grandes experimentos podem ser realizados, mas há pouca aventura, encontro, criatividade, geração. Muitas verdades podem ser destiladas nos laboratórios, mas o Evangelho deve ser vivido na rua. A comunidade e a forma como consegue se expressar nos seus diversos serviços são, portanto, importantes. A terceira grande tarefa é: colocar-se ainda mais decidida e claramente ao lado dos pobres.
Em um processo sinodal, o problema dos abusos e da participação das mulheres também deve ser abordado?
A questão dos abusos está sendo enfrentada atualmente muito bem. Cada diocese tem um interlocutor. As diretrizes foram comunicadas e disseminadas: há uma grande conscientização. O que não significa que o problema esteja resolvido. Quanto às mulheres, é um problema que diz respeito à comunidade. Não é, como já foi discutido antas vezes, apenas uma questão de poder, mas muito mais, quase uma outra lógica.
Na Alemanha, a Igreja Católica iniciou sozinha em um caminho sinodal. É observado pela Itália? Qual é a sua impressão?
Aqui na Itália, apenas algumas declarações são levadas em consideração e depois polarizadas: toma-se posição a favor ou contra. Na realidade, as coisas costumam ser muito mais complexas. O problema é compreender a verdadeira dinâmica: a Igreja não é uma democracia, não é um parlamento, mas hoje é preciso viver o Evangelho. O que nós, como Igreja, temos a dizer à mulher e ao homem de hoje na Europa - com todos os problemas, com tanto 'eu' e tão pouco 'nós'? Esta é a questão básica.
No final de fevereiro, a Conferência Episcopal Alemã escolheu uma mulher como secretária geral pela primeira vez. Isso seria possível na Itália?
Eu acredito que ainda vai levar tempo para nós. A Conferência Episcopal Italiana ainda é em grande parte uma Conferência de bispos. No entanto, há cada vez mais mulheres trabalhando em diversos departamentos - um processo que inevitavelmente avança.
Como pastor, o que o senhor pessoalmente aprendeu com a pandemia?
Muito sobre comunicação. Em primeiro lugar trabalhamos muito com paróquias, regiões, estruturas: como não perder neste processo as pequenas comunidades locais - e com elas o empenho do voluntariado. Para a Igreja, o empenho do voluntariado é fundamental porque dá a sensação de estar em casa. Além disso, o uso da mídia digital foi uma descoberta necessária e grandiosa; isso nos permitiu sair um pouco do nosso "jargão eclesiástico". Por outro lado, existe a tentação de digitalizar também a pastoral, o que é impossível e impensável.
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"A pandemia é uma oportunidade extraordinária. Precisamos de uma nova linguagem que responda às perguntas efetivas das pessoas depois de realmente ouvi-las". Entrevista com Matteo Zuppi, cardeal de Bolonha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU