O fim de um mundo? Igreja, evangelização e pandemia em debate

Imagem: Pixabay

Por: Guilherme Tenher Rodrigues | 19 Novembro 2020

Os Cadernos Teologia Pública, na sua 147ª edição, apresentam a primeira parte do resultado do projeto editorial intitulado “Igreja e evangelização: provocações da pandemia”, organizado pelo Grupo de Pesquisa “Teologia e Pastoral” – do Programa de Pós-Graduação em Teologia da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE).

 

O Grupo reúne pastoralistas, pesquisadores/as e estudantes das Instituições Católicas de ensino e formação em teologia e pastoral de Belo Horizonte: Instituto Santo Tomas de Aquino - ISTA, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia - FAJE, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas, Centro Loyola de Espiritualidade, Fé e Cultura. O trabalho surgiu como uma possível ajuda para pensar a pastoral durante e após a pandemia.

 

O projeto foi articulado em torno de três eixos. Cada eixo é, por sua vez, composto de três capítulos.

 

1. “O fim de um mundo?”;

2. “As dores do parto”;

3. “Vinho novo, odres novos”.

 

Igreja e evangelização: provocações da pandemia. Parte I - O fim de um mundo?. Cadernos Teologia Pública Nº 147

O primeiro, ao qual o/a leitor/a tem acesso neste número dos Cadernos Teologia Pública, embora não contenha nenhum texto com o tema geral do “fim de um mundo”, deixa entrever nas contribuições dos diversos capítulos o impacto da crise da Covid-19 sobre uma visão de mundo.

Foto: Unsplash

O primeiro capítulo – “Nem invisível, nem silencioso: o vírus entre nós” –, escrito pelos filósofos Ricardo Fenati (colaborador no Centro Loyola de Belo Horizonte), Álvaro Pimentel (professor de filosofia na FAJE) e pelo teólogo Francisco Aquino Júnior (professor na UNICAP e na FACAF), propõe, de modo sintético, um apanhado geral dos impactos da pandemia em vários âmbitos da vida.

 

O texto de Fenati, Francisco Aquino Júnior e Pimentel inicia com um convite a observar os arredores a partir da mudança brusca nos processos de sociabilidade oriunda da pandemia. “Como tudo que acontece a nós, os humanos, a Covid-19 apresenta questões que solicitam o recurso a mais de uma perspectiva de análise, seja devido à sua complexidade, seja devido à relevância, e mesmo à urgência do seu enfrentamento. Há problemas que solicitam um entendimento a curto prazo e há questões que requerem um esforço paciente e longo de compreensão”.

 

A análise mostra que a transformação impulsionada pela pandemia é, sobretudo, a intensificação de antigas endemias que percorriam os corredores da sociedade, como as desigualdades de moradia, de acesso à educação, da falta de saneamento e cuidado ambiental nas/das cidades, da organização e precarização das relações de trabalho, da privatização de bens comuns e serviços públicos indispensáveis – com foco na saúde – e da indiferença e ausência de senso comunitário entre os cidadãos.

 

Assim, além do avolumamento de pretéritas crises éticas humanitárias, a pandemia mostrou a persistência de problemas colados em um “arco de tempo maior”. Problemas estes inéditos relacionados ao “festival de incertezas”, parafraseando Edgar Morin, advindas da complexidade e confluência de diferentes crises societárias: sanitária, econômica, política, ética e ambiental, por exemplo.

 

Para os autores, “neste momento, trata-se não apenas de manter o comprometimento com o combate ao vírus, com a ênfase nas pesquisas que se ocupam de vacinas e medicamentos, mas de ressaltar que há uma pauta de debates, cuja procedência foi enfatizada pela Covid-19, que deve, esperamos, estar presente na agenda política nacional”. Até para o observador menos atento evidencia-se uma transição epocal. Segundo os autores, “expressões como ‘novo normal’ ou ‘fim de um mundo’ assinalam a possibilidade de estarmos diante de uma crise mais ampla de alcance, quem sabe, civilizacional”. Ademais, relatam que a pandemia desvelou como “ilusória a sensação de onipotência e autossuficiência que marca a modernidade”. “O que aprendemos com essa pandemia, e essa discussão já começa a se espalhar, é que somos uma civilização que tem mais medo de morrer do que, propriamente, vontade de viver”, concluem.

O segundo publicado nesta edição – “O testemunho do papa Francisco” –, de autoria do Cardeal Dom José Tolentino, da teóloga Maria Clara Bingemer (PUC Rio) e do teólogo Geraldo De Mori (FAJE), analisa o posicionamento do Papa Francisco por meio de seus gestos, palavras e ações durante a crise pandêmica na Europa, sobretudo, que “permanecem cheios de significado, como um apelo a tornar este tempo uma ocasião favorável a uma verdadeira conversão e uma oportunidade real para uma humanidade e um mundo novos”.

 

Dos gestos do Papa, destacam os autores que, o mais impactante foi a celebração do dia 27 de março de 2020, num cenário em que “o vazio e o silêncio, a chuva e o frio daquela tarde, naquela praça, evocam o mundo em tempos de Covid-19; o Crucifixo recorda os sofrimentos das vítimas e os efeitos da pandemia, sobretudo na vida dos mais vulneráveis; o Ícone é o símbolo dos que esperam contra toda esperança, e de forma ativa e criativa, através do serviço e da solidariedade”.

 

Das palavras de Francisco os autores evidenciam: “A escolha da simbólica da tempestade e do barco, no qual se encontra toda a humanidade, é sagaz, pois, por um lado, recolhe bem o sentido primeiro do termo pandemia: pan (todos) + demos (povo), e por outro, mais do que tornar a humanidade apenas vítima, revela-lhe sua extrema vulnerabilidade”. E os gestos e palavras do Papa se prolongam em que se desdobram em diversas iniciativas como: a oração constante em que ele mesmo “se faz porta-voz dos que se encontram no barco em meio à tempestade”, o repetido convite a todos e todas à oração, o incentivo à solidariedade...

 

O terceiro texto “A Igreja no Brasil no contexto da pandemia” – consiste na entrevista com Dom Joel Portella Amado, Secretário Geral da CNBB, que discorre sobre o impacto da pandemia na sociedade e nas atividades da Igreja católica no país.

 

Para Dom Joel Portella Amado, “a Igreja no Brasil teve e tem clareza de que a pandemia não é apenas sanitária. Como toda pandemia, envolve também aspectos econômicos e sociais, além de políticos e de informação, para me manter nos mais destacáveis. Costumo utilizar o termo multipandemia, que me parece corresponder mais à realidade. Se o lado sanitário se destaca por ser a causa primeira, os demais não podem ser deixados de lado, pois são consequências ou são, como no caso do Brasil, colocados em maior evidência”.

Esperamos que os conteúdos aqui tratados possam ajudar a pensar a pastoral hoje.

Os organizadores.

A primeira parte de “Igreja e evangelização: provocações da pandemia. Parte I – O fim de um mundo” pode ser acessada integralmente aqui.

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