13 Março 2021
Família da vereadora lança dossiê sobre o assassinato, que completa três anos no próximo domingo. Rotatividade nos órgãos de investigação foi apontada como um entrave à resolução do caso.
Foto: Reprodução Wikimedia
A reportagem é de João Pedro Soares, publicada por Deutsche Welle, 12-03-2021.
A família de Marielle Franco cobrou transparência do poder público sobre as investigações relacionadas à execução da vereadora. No próximo domingo (14/03), o assassinato de Marielle e seu motorista, Anderson Gomes, completa três anos sem respostas sobre o mandante do crime.
Na manhã desta sexta-feira (12/03), familiares de Marielle e Anderson participaram de uma coletiva de imprensa com a diretora-executiva da Anistia Internacional, Jurema Werneck.
A organização apresentou uma petição com mais de 1 milhão de assinaturas cobrando justiça. Além disso, foi apresentado um dossiê com uma linha do tempo do caso e 14 questões consideradas essenciais para a investigação.
Entre elas, "quem mandou matar Marielle?"; "qual a motivação do mandante do crime" e "por que ainda não se avançou na investigação sobre a autoria intelectual do crime".
Um dos pontos apontados na coletiva como maior entrave ao avanço das investigações foram as sucessivas trocas realizadas nas posições responsáveis pelo caso dentro do Ministério Público do Rio (MP-RJ) e da Delegacia de Homicídios do estado.
O caso atravessa a gestão de três governadores e dois procuradores-gerais de Justiça do Estado. As mudanças nesses cargos implicam uma "dança das cadeiras" em posições-chave dos órgãos de investigação, o que acarreta uma interrupção no acompanhamento de longo prazo e no acúmulo de memória sobre o caso.
Werneck, diretora da Anistia, mostrou indignação com a falta de resposta do governador interino Cláudio Castro (PSC) e do procurador-geral de Justiça do Estado, Luciano Mattos, ao convite para a realização de uma audiência sobre o dossiê. O material será encaminhado a ambos.
"É chocante constatar que o governador e o procurador recusaram fazer uma audiência. Um assassinato grave como esse de vereadora no exercício do mandato requer toda a transparência. O mundo continua de olho e querendo saber. Inclusive, quer saber por que as autoridades não vêm a público dar notícias", afirmou Werneck.
No dia 4 de março, o Ministério Público do Rio anunciou a criação de uma força-tarefa para investigar o caso Marielle. O grupo será chefiado pela promotora Simone Sibílio, que esteve à frente do caso no MP-RJ durante a maior parte do tempo. A promotora Letícia Emile, que atuava ao lado de Sibílio, integra a equipe.
Anielle Franco, irmã da vereadora e diretora-executiva do Instituto Marielle Franco, avaliou positivamente a iniciativa.
"Temos confiança no trabalho das promotoras que estiveram no caso desde o início. Reforçamos a importância de haver um acompanhamento contínuo sobre a investigação. A iniciativa de ampliar os grupos de trabalho que podem ajudar a chegar nos mandantes é muito importante para nós", avaliou.
Presente na coletiva, a viúva do motorista Anderson Gomes, Ágatha Reis, reconheceu a importância da força-tarefa, mas criticou a demora para que houvesse esse avanço nas investigações.
"Levou tempo demais. Marielle era uma parlamentar em exercício. Portanto, uma força-tarefa deveria ter sido criada já no início. Nas reuniões, falam sempre que esse caso irá fornecer técnicas inovadoras que irão ajudar a selecionar outros casos. Sendo assim, é importante ter um olhar diferenciado", disse.
Marinete Silva, mãe da vereadora assassinada em março de 2018, voltou a transmitir nesta sexta-feira a mensagem que expressou em entrevista exclusiva publicada pela DW Brasil nesta semana: "três anos são muito tempo sem resposta”.
Ela ressaltou a importância da decisão da Justiça, em fevereiro deste ano, que garantiu a ida à júri popular do PM reformado Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio Queiroz, acusados de assassinar a vereadora.
"Nossa maior esperança de eles falarem o que sabem sobre os mandantes é se o júri der uma pena alta. Esses homens pertencem a um grupo de pessoas que ganhavam a vida para matar os outros. A gente confia muito que a condenação venha o mais rápido possível."
Além da cobrança de transparência e apresentação de respostas sobre os mandantes do crime, um ponto enfatizado pela família da vereadora e a representante da Anistia é a vulnerabilidade enfrentada por mulheres que seguem o caminho de Marielle na militância política.
No próximo dia 23 de março, o Instituto Marielle Franco terá uma audiência na Comissão Interamericana de Direitos Humanos para pautar a situação de direitos e violência política no Brasil contra mulheres negras e trans, objeto de um levantamento do estudo. O evento terá a participação de parlamentares que sofreram violência política nesse período.
Iniciativas semelhantes foram levadas às Nações Unidas recentemente. Um relatório publicado pela ONG internacional Global Witness em julho do ano passado apontou o Brasil como o terceiro país com maior número de assassinatos de ativistas ambientais e de direitos humanos.
"Não vou me cansar de perguntar às autoridades e aos partidos políticos como a gente cuida dessas mulheres vítima de violência política, sobretudo negras e trans. Precisamos que leis sejam criadas para termos meios concretos de protegê-las. Será que, com medidas de segurança, a Mari não estaria aqui hoje?", questionou.
Jurema Werneck, da Anistia Internacional, lembrou que a falta de respostas sobre o assassinato da vereadora cria um quadro de insegurança para toda a população do Rio de Janeiro e parlamentares como Marielle.
"Enquanto esse crime brutal não for resolvido, ninguém estará seguro. A mensagem passada até agora é a da impunidade, que torna a vida de quem luta mais ameaçada. É fundamental que as autoridades assumam seus deveres de garantir proteção das pessoas e todos os envolvidos", afirmou.
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As perguntas não respondidas sobre o caso Marielle - Instituto Humanitas Unisinos - IHU