11 Março 2021
"Adriana Zarri, em primeiro lugar, conseguiu fazer-se ouvir, desde os anos 1960, numa Igreja italiana bastante avessa em reconhecer a dignidade e o valor da voz dos leigos e das mulheres", escreve Gianni Di Santo, em artigo publicado por Vino Nuovo, 02-03-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
A história de Adriana Zarri, teóloga, escritora, poetisa, divulgadora da beleza da criação e de um Deus que não permite acomodações (1919-2010), se encaixa perfeitamente na maior história do catolicismo na Itália no século passado. Embora a sua história tenha sido "mínima", vivida num processo histórico e eclesial que se ia compondo antes e sobretudo depois do Concílio Vaticano II, na realidade também a sua vida mais pública nem sempre teve repercussões em termos de um relato verídico. Mariangela Maraviglia, pesquisadora em Ciências da Religião e autora de interessantes ensaios sobre Primo Mazzolari e David Maria Turoldo, vem saldar esta dívida de reconstrução histórica, com um livro oportuno e fiel, Semplicemente una che vive. Vita e opere di Adriana Zarri (Simplesmente alguém que vive. Vida e obra de Adriana Zarri, em tradução livre, Il Mulino, 2020), escrita com base em fontes históricas, na história de quem a conheceu e um cuidadoso estudo de seus escritos e livros.
Um livro realmente precioso. Por duas razões fundamentais. A primeira é que nos propõe por inteiro a figura de uma mulher apaixonada por Deus, pela humanidade e pela criação, plenamente inserida num período histórico em que falar ou ser ouvida, sobretudo se mulher, sobretudo se com ideias à frente dos tempos e com viés polêmico, era realmente muito difícil. Uma história que os católicos italianos puderam fazer crescer, tanto dentro do movimento católico italiano como um todo, bem como leigos “individuais”, com seu testemunho profético pessoal e não vinculados a nenhuma instituição hierárquica.
Adriana Zarri, em primeiro lugar, conseguiu fazer-se ouvir, desde os anos 1960, numa Igreja italiana bastante avessa em reconhecer a dignidade e o valor da voz dos leigos e das mulheres. A própria Maraviglia defende que “ela dizia de si mesma, com um toque de ironia, que na Itália era a ‘líder histórica’ do valoroso grupo de teólogas que estava se afirmando no cenário das Igrejas cristãs. Ela, porém, ao contrário das mulheres que estudavam nas faculdades de teologia e que a partir dos anos 1970 também começavam a lecionar ali, não se formou por percursos acadêmicos, e seu jeito de ser teóloga também estava longe da academia”.
Uma história de amizades, de pesquisas teológicas, de avanços pastorais em um tempo histórico em que ser cristão significava em grande parte pertencer a um partido político ou frequentar movimentos e associações católicas. Uma mulher que soube encontrar a teologia e a busca de sentido: com Giannino Piana, Cettina Militello, Piero Coda, Marie-Dominique Chenu, Padre Benedetto Calati e Dom Luigi Bettazzi, escrevendo artigos e ensaios para L'Ultima, Il Gallo, Il nostro tempo, Humanitas, Studi Cattolici, Il Regno, Politica, Settegiorni, Rocca, L'Osservatore de domingo. Sua amizade com Rossana Rossanda é famosa - foi por causa dessa amizade verdadeira que escreveu para o Il Manifesto -, Sergio Zavoli, Pietro Ingrao: com eles compartilhou o entusiasmo pelas novidades prometidas pelo Concílio Vaticano II e por um diálogo entre ateus agnósticos e crentes sem vetos e muros intransponíveis.
Participou do programa de TV Samarcanda, de Michele Santoro, e apesar de viver uma vida em retiro e eremita, não deixou de participar das polêmicas da época, como as leis sobre o aborto e o divórcio. Com o padre Benedetto Calati, prior geral dos monges camaldulenses, promoveu roteiros e encontros entre intelectuais de diferentes culturas na ermida de Monte Giove, para se ouvirem e discutirem temas como a imagem de Deus, a lei e a liberdade, a pobreza e propriedade, morte e ressurreição, poder e trabalho, identidade e diferença sexual O segundo motivo da importância de Adriana Zarri reside na sua opção por um monaquismo laico vivido, como mulher, com orgulho e dignidade. Um silêncio que fala, poderíamos dizer hoje, definindo o carisma de Adriana Zarri.
“Foi talvez a primeira mulher italiana - relata a autora do livro - que escolheu o eremitismo, a vida solitária que havia desaparecido por séculos e que renascia na Itália a partir dos anos 1960. Foi uma escolha ditada por uma necessidade interior, não por decepção, como alguns pensaram, por causa do clima eclesial "restaurador" do pós-concílio. Ela escreveu sobre isso como uma exigência “de alegria e encontro com Deus e com os homens”, reivindicando a normalidade de uma vida como muitas outras e defendendo sua laicidade absoluta e sua autonomia de qualquer estrutura eclesiástica”.
Os eremitérios onde Adriana Zarri viveu logo se tornaram um oásis de harmonia e beleza, em que a fidelidade aos ritmos monásticos se entrelaçava com a liberdade de recriar ritos ancestrais que diariamente renovavam à espera do Senhor Jesus, louvando a terra e o cosmos.
Há muita Bíblia, enfim, em Adriana Zarri. Um pouco de São Francisco, Teilhard De Chardin, os Padres da Igreja, Jurgen Moltmann. Uma escritora competente e livre que, naturalmente, foi alvo de reprimendas públicas e privadas, mas, ao mesmo tempo, conquistou a amizade e o respeito de quem acreditava em um "catolicismo adulto", como Giorgio La Pira, Ernesto Balducci, padre Turoldo e bispos proféticos como Michele Pellegrino e Carlo Maria Martini.
Seu legado mais importante? Um eremitério não é a concha de um caracol, para retomar o título de um de seus ensaios mais conhecidos. O silêncio orante como arma pacífica para respirar o sopro de Deus na terra e na criação. Ao ler algumas polêmicas sobre monaquismo, mosteiros e arredores, que surgem sob nossos olhos nestes tempos incertos, a história de Adriana Zarri não só não pertence ao passado, mas, com mais razão, contém em si vestígios do futuro, para uma Igreja verdadeiramente em saída.
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Adriana Zarri, o silêncio que fala - Instituto Humanitas Unisinos - IHU