26 Fevereiro 2021
‘Quo Vadis, Igreja?’. Os bispos se veem obrigados a tratar em profundidade o futuro da fé cristã na Alemanha.
A reportagem é de José Luiz Gómez de Segura, publicada por Religión Digital, 26-02-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
As Igrejas católica e protestante encontram-se atualmente na mesma situação que outras organizações, como os partidos políticos ou sindicatos: precisam lutar pelos afiliados e por sua influência na vida social. Diminuição de afiliação e arrecadação, aumento da pluralidade religiosa, aumento do individualismo e da secularização: a tendência aponta à baixa. Fala-se de uma erosão da igreja popular.
O presidente da Conferência Episcopal Alemã, dom Georg Bätzing destacou na terça-feira diante dos jornalistas que se observa uma perda de religiosidade ligada à Igreja, enquanto que, ao mesmo tempo, o desejo de espiritualidade segue sendo alto na sociedade.
272.771 católicos abandonaram a Igreja em 2019, um recorde que seguramente também esteve relacionado com o escândalo dos abusos. Porém, não apenas. A Igreja protestante tampouco se salvou: registraram 270 mil abandonos. Uma coisa é clara: ambas as igrejas têm também um problema demográfico. Somente 52% dos alemães pertencem a uma das duas grandes igrejas.
A diocese de Essen constatou em um estudo publicado em 2018, que um longo caminho de distanciamento, unido às dúvidas sobre a fé, são o principal motivo de abandono da Igreja. Especialmente a moral sexual é percebida como ultrapassada, assim como a imagem da mulher e o celibato. Porém, também aqui, surge a pergunta de por que a Igreja protestante não afetada por essa imagem perde com a mesma força.
Segundo Bätzing, os bispos pensam que acima dos debates atuais na assembleia plenária, é preciso falar com pessoas que abandonaram a Igreja e “recolher” experiências da Alemanha Oriental.
Os impulsos são dados por Christoph Theobald, um jesuíta nascido em Colônia e que dá aulas em Paris, que promove uma nova compreensão da fé e de Deus. A Igreja está ainda muito obcecada com as questões morais, destaca em seus livros. Às vezes se tem a impressão de que apenas se ocupa do princípio e o fim da vida para defender sua “cota de mercado”.
Para o teólogo jesuíta, o exemplo de Jesus é de vital importância para o futuro da Igreja, como fortalece a fé vital das pessoas. “Jesus come com os pobres, os coletores de impostos, as prostitutas e é chamado de bêbado e comilão”, destaca Theobald. “Mostra sua hospitalidade de forma muito concreta”.
Para Bätzing, trata-se de que a Igreja esteja disposta a estabelecer novos contatos com o mundo de hoje. E dado que estas questões não apenas se levantam na Alemanha, os bispos querem também analisar as experiências de outros países europeus, onde já começou a era “depois do fim da Igreja popular”.
A saída da Igreja, os abusos, o Caminho Sinodal: a lista de temas para os bispos na Assembleia Plenária é longa. O presidente da Conferência Episcopal, Georg Bätzing, apresentou os resultados das sessões.
Ele frisou a responsabilidade de todos os bispos pelo estado da Igreja. “Todos nós temos de enfrentar críticas”, disse Bätzing. Os bispos manterão o compromisso de assumir e esclarecer incondicionalmente os abusos sexuais de menores na esfera eclesiástica. Ainda há “muito trabalho a fazer”, disse ele. “O assunto não está totalmente encerrado e nunca será para prevenção”. “No entanto, rejeito a acusação de que os bispos estão calados ou não fizeram nada durante anos”, acrescentou.
O prelado destacou que comissões estão sendo formadas para mudar o código de processo penal da Igreja e criar seus próprios tribunais criminais. Essas linhas de ação já estavam bem avançadas e agora deviam ser coordenadas com Roma.
Bätzing referiu-se à situação na Arquidiocese de Colônia. “Sim, há muitos abandonos da Igreja, também por causa da imagem que a Igreja atualmente dá. E certamente há muito que esclarecer na Arquidiocese de Colônia”, disse ele. “Mas focar apenas no arcebispo de Colônia seria uma visão muito curta”.
Os bispos refletiram sobre o trabalho dos fóruns do Caminho Sinodal. Eles abordaram especialmente a interação entre doutrina e prática em relação a questões como “o papel da mulher” e a homossexualidade. Bätzing está confiante no andamento do Caminho Sinodal. Os resultados devem fluir no Sínodo dos Bispos de Roma, convocado para 2022 e que terá como tema a “Sinodalidade”.
Ele abordou indiretamente ações de protesto, como as teses do grupo Maria 2.0, coladas em catedrais e igrejas na Alemanha. “Alguns pensam que somente por meio de um protesto público alto eles podem promover as mudanças que são necessárias ou que consideram necessárias”, disse Bätzing. Ele não o julgou, mas queria deixar claro que o Caminho Sinodal era um processo interior e espiritual que não poderia ser acelerado à vontade: “Tenho o prazer de garantir a todos os críticos: os bispos estão a caminho. Mas não podemos e não nos permitiremos ser pressionados, precisamente porque queremos garantir o sucesso de todo o projeto”, continuou Bätzing.
Bätzing também culpou os eventos internos na Igreja pelo alto número de desistências. Esta foi uma das razões pelas quais a conferência discutiu uma igreja com o futuro em mente. Os estudos realizados pintam um quadro sombrio: a maioria dos católicos já não é alcançada pela Igreja. Por isso, o presidente da Comissão Pastoral, dom Franz-Josef Bode, destacou que a visão deve ser estendida às pessoas que não estão nas paróquias. Os católicos devem ser levados a sério na realidade de suas vidas.
“Isto é o que desejam especialmente as pessoas que sofreram falências em sua biografia, pessoas que, não raro, também foram gravemente prejudicadas por declarações doutrinárias ou excluídas da vida eclesial”, disse Bätzing.
Os resultados da jornada de estudos estarão disponíveis no site da Conferência Episcopal. Bätzing também citou a conclusão de um bispo não identificado: “Devemos ser mais generosos e permitir a diversidade, sim, também a não simultaneidade, também nos caminhos da fé, nos modos de ser Igreja, na abertura dos caminhos da vida e a busca da verdade do povo”.
“Como as crises se transformarão em oportunidades dependerá do patrão”, resumiu Bätzing. As pessoas deixam seus patrões, mas não as suas tarefas. Além de uma atitude aberta dos bispos, que consiste em “confiar nos fiéis, na luta comum pelas melhores condições da Igreja atual, em ter empatia com o povo nas crises atuais e em comunicar perspectivas de esperança”, também são necessários “exploradores” para construir pontes com as pessoas sobre o terreno, disse Bätzing.
As indicações da Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano sobre o voto do Grupo de Trabalho Ecumênico “Juntos à Mesa do Senhor” sobre a participação mútua de católicos e protestantes na Eucaristia são levadas a sério pelos bispos alemães.
“É importante para nós que o diálogo sobre os pontos controversos continue”, disse Bätzing.
Há temas que precisam de mais discussão, como “a questão hermenêutica da relação entre unidade e diversidade, a conexão interna entre Eucaristia, Igreja e ministério”, disse Bätzing.
Na prática, não negaria a Comunhão a um cristão protestante que se apresentasse perante a ele. Também se considera alinhado com os documentos papais ao fazê-lo. “Isso se pratica todos os domingos em nossas paróquias, e esta prática também eu faço”.
O que não é possível, no entanto, é um convite geral aos protestantes para participar da Eucaristia, porque desde a perspectiva católico isso pressupõe a comunhão eclesial. “E isso não temos”, acrescentou Bätzing. Porém, a decisão em consciência de cada pessoa deve ser respeitada já desde agora, independentemente disto.
A surpresa deu-se no primeiro dia da Assembleia dos Bispos, com a nomeação de uma mulher secretária-geral da Conferência Episcopal Alemã: Beate Gilles.
Mais de um, também entre os bispos, sonhava com isso, mas sabendo da lenta marcha em que anda a Igreja, foi um golpe que em um instante estava em todos os meios de comunicação.
Claro que em seguida muitas e muitos seguiram sonhando e desejaram que se continuasse com prudência e força o fato da participação ativa da mulher nos diversos serviços e postos da Igreja.
Caminhando às vezes em passo lento, mas avançando, porque Jesus, o da Boa Nova e o Novo, quer viver entre nós hoje e transformar – também conosco – o mundo em que nos movemos e nos foi dado.
Ainda que nem todos possam ir ao mesmo ritmo, como na vida, todos escrevemos um pouco a história do mundo, também desde a fé.
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‘Quo Vadis’, Igreja alemã? Os bispos trabalham em reformas, em meio à crise de confiança entre os fiéis - Instituto Humanitas Unisinos - IHU