11 Janeiro 2021
Teólogo jesuíta explica a tensão entre o universalismo da graça de Deus e a necessidade de levar todas as pessoas a Jesus Cristo.
A reportagem é de Caroline Celle, publicada por La Croix International, 09-01-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Cristão anônimo” é um termo mais frequentemente creditado ao influente teólogo jesuíta do século XX, Karl Rahner (1904-1984).
Rahner o usava para tentar explicar como pessoas que nunca foram batizadas ou nunca conheceram a Cristo ainda podem ser salvas.
Mas ele não foi o primeiro pensador católico a explorar os meios pelos quais a salvação também pode estar disponível aos não crentes. E essa ainda é uma questão debatida nos círculos da Igreja hoje.
Christoph Theobald, professor da faculdade de teologia jesuíta em Paris (Centre Sèvres) olha mais de perto para esse tema nesta entrevista.
Na história do cristianismo, é necessário seguir os preceitos da Igreja a fim de obter a salvação?
Desde as origens do Cristianismo, o pertencimento à Igreja é a condição para obter a salvação. Mas essa identidade cristã, que passa pela realização de ritos e pela participação no culto, não é tudo. Um dos nossos maiores Padres da Igreja, Santo Agostinho, explicou no século IV que os cristãos podem ser membros do “corpo” visível da Igreja sem serem membros “de coração”. Quando o inquiridor pergunta a Joana d’Arc: “Você está em estado de graça?”, ela dá a resposta certa: “Se estou em estado de graça, que Deus me guarde nele. Se não estou em estado de graça, que ele me ponha nele”. Na Idade Média, São Tomás de Aquino dizia que, antes mesmo de viver os sacramentos, o desejo de obter a graça permite entrar em comunhão com Deus.
A Igreja considera que alguém pode ser salvo mesmo quando não tem a fé cristã?
A questão da salvação dos “pagãos” é uma controvérsia teológica que atravessou todas as eras do cristianismo. Na Bíblia, encontramos entre os evangelistas uma tensão permanente entre a particularidade – a salvação será dada primeiro ao povo de Israel, o povo eleito de Deus – e o universalismo – a salvação será dada a todas as pessoas de boa vontade que se voltam para Deus. Durante o Renascimento, as certezas dos cristãos europeus foram abaladas: o Império Bizantino caiu nas mãos dos otomanos, um povo muçulmano, e os exploradores descobriram novas terras e novos povos que nunca haviam conhecido a tradição cristã.
Esse choque de culturas levou os intelectuais cristãos a se questionarem: os povos que não fazem parte da Igreja estão condenados por isso? Em 1453, logo após a captura de Constantinopla, o teólogo e filósofo Nicolau de Cusa publicou um tratado, “Sobre a paz da fé” (De Pace Fidei). É uma obra importante na história do diálogo inter-religioso, porque põe em cena o debate pacífico entre um cristão, um muçulmano e um judeu. Depois, no século XIX, o filósofo Maurice Blondel pressupôs que o Espírito Santo é derramado sobre toda a humanidade e age em cada ser humano sem que este tome consciência disso.
O Concílio Vaticano II deu uma resposta a essa polêmica sobre a salvação dos não cristãos?
A constituição dogmática sobre a Igreja, Lumen gentium, escrita depois do Concílio Vaticano II (1962-1965), defende a salvação das pessoas que são privadas do conhecimento do Evangelho, se elas se comportarem de forma reta e virtuosa. A Igreja acredita que Cristo morreu por todos e considera que a consciência humana, quando reta, está ordenada à vontade de Deus. Ela sustenta, portanto, que o Espírito Santo oferece a todos, de uma forma que só Deus conhece, a possibilidade de se associar ao mistério pascal.
Essa resposta à questão da salvação suscitou divisões dentro da Igreja, pois os movimentos cristãos mais rigorosos sentiram que a identidade cristã estava sendo corroída e que a graça de Deus estava perdendo seu sentido. Alguns, no desejo de universalismo, tenderam a se vincular a outros movimentos militantes não cristãos e favoreceram esse engajamento em detrimento do seu pertencimento à Igreja, o que não deixou de suscitar novas tensões. Os papas pós-conciliares não deixaram de se posicionar para manter a tensão paradoxal entre o universalismo da graça e a necessidade de evangelização.
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Quem não foi batizado em Cristo pode ser salvo? Entrevista com Christoph Theobald - Instituto Humanitas Unisinos - IHU