01 Outubro 2020
Na Alemanha, nas últimas semanas, ganhou um novo vigor a discussão sobre a participação recíproca na celebração da Ceia/eucaristia entre protestantes e católicos.
A reportagem é de Antonio Dall’Osto, publicada por Settimana News, 30-09-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Por um lado, o que ajudou a incrementá-la foi a apresentação, no dia 9 de setembro passado em Frankfurt, do votum elaborado por eminentes teólogos das duas confissões do grupo de trabalho ecumênico (ÖAK) e, por outro, uma carta da Congregação para a Doutrina da Fé, no dia 20 de setembro, ao presidente da Conferência dos Bispos da Alemanha, Georg Bätzing.
O documento do ÖAK intitula-se “Juntos à mesa do Senhor. Perspectivas ecumênicas sobre a celebração da Ceia (Abendmahl) e da eucaristia”. O votum pretendeu recolher os resultados alcançados até agora nos diálogos ecumênicos anteriores sobre esse assunto.
Segundo os autores, os estudos exegéticos e as pesquisas históricas revelam a existência da diversidade de formas da celebração da eucaristia, baseadas na Bíblia e atestadas na história da Tradição. A partilha na Ceia/eucaristia do Senhor é “particularmente necessária na situação das famílias unidas confessionalmente”. Em termos de casos individuais e de normas gerais, ninguém deveria se satisfazer com as soluções anteriores.
Com o consenso alcançado – sublinham os teólogos – não se pretende encontrar uma “nova forma de liturgia eucarística atualmente aceita para além das tradições historicamente desenvolvidas”. Mas, na opinião deles, o nível de compreensão alcançado sobre o tema não permite mais “considerar as diferenças remanescentes como fatores de separação entre as Igrejas”.
Durante a apresentação do documento em Frankfurt, o bispo de Limburg, Georg Bätzing, afirmou que o votum é “fruto do diálogo ecumênico de muitos anos”. Ele disse que o considera “um passo importante e viável no caminho de uma unidade visível das nossas duas Igrejas”. Mas especificou que, para mudar a prática existente, é necessária a recepção das Igrejas participantes. Acrescentou que será convidado, pelo lado católico, do Congresso da Igreja Evangélica de 2021 (Kirchentag), que será realizado em Frankfurt.
Ele também expressou o desejo de que o votum em vista desse evento “contribua para uma abertura solidamente fundamentada e, ao mesmo tempo, cautelosamente responsável pela prática até agora em uso”. Ele também acrescentou que esse texto do ÖAK merece apreciação e respeito, e permanece em aberto para uma ampla discussão.
Durante a apresentação do texto, Gerhard Feige, bispo de Magdeburg, presidente da Comissão para o Ecumenismo da Conferência dos Bispos da Alemanha, assegurou: “Vamos nos ocupar disso em detalhes também nos órgãos da Conferência Episcopal”.
“Espero – acrescentou – um debate concreto e que cheguemos em breve a uma boa solução sobre a questão indubitavelmente urgente da hospitalidade recíproca à mesa do Senhor.”
Volker Leppin, teólogo evangélico de Tübingen, sublinhou: “O nosso votum raciocina sobre uma base bíblica e científica tão ampla que o peso do argumento contrário é derrubado em relação ao que é usual: quem tem algo a dizer contra a comunhão da partilha eucarística deve trazer razões muito fortes”.
Dorothea Sattler, professora de teologia ecumênica e líder católica do grupo de trabalho, afirmou que o estudo foi elaborado ao longo de 10 anos. Não se pensava que, no fim dos trabalhos, houvesse um votum conjunto por uma partilha eucarística recíproca.
O ÖAK é um grupo de teólogos que, desde 1946, tem como objetivo favorecer a discussão conjunta dos problemas ecumênicos na Alemanha. Ele trabalha de forma autônoma, mas informa regularmente a Conferência dos Bispos da Alemanha (DBK) e o Conselho da Igreja Evangélica na Alemanha (EKD) sobre as deliberações tomadas. Os presidentes são o bispo Bätzing e o bispo Martin Hein (Igreja Evangélica de Kurhessen-Waldeck). Hein definiu o votum como um “documento pioneiro”.
A Congregação para a Doutrina da Fé, em uma carta ao presidente da Conferência dos Bispos da Alemanha, Georg Bätzing, de 18 de setembro, assinada pelo cardeal Luis Ladaria Ferrer, como prefeito, e pelo arcebispo Giacomo Morandi, como secretário, respondeu negativamente à recíproca hospitalidade eucarística.
As diferenças na compreensão da eucaristia e do ministério seriam “ainda tão relevantes” a ponto de excluir atualmente a participação recíproca entre católicos e protestantes da celebração comum. Também não existe uma base para uma “decisão individual em consciência”. Um apêndice teológico está anexado à carta.
Com essa carta, o dicastério vaticano expressa algumas objeções ao votum do ÖAK. Algumas interrogações do documento “não seriam suficientemente esclarecidas”. Uma abertura a uma hospitalidade eucarística recíproca entre a Igreja Católica e a Igreja Evangélica alemã no estado atual “abriria necessariamente novas brechas no diálogo ecumênico com as Igrejas ortodoxas” além das fronteiras da Alemanha.
Concretamente, o Vaticano considera não suficientemente avaliada “a unidade da relação que existe entre eucaristia e Igreja”. Além disso, acredita que não são devidamente valorizadas as aquisições teológicas fundamentais e irrenunciáveis do Concílio Vaticano II e da Tradição comum com a ortodoxia. E as abordagens para a compreensão da eucaristia e dos ministérios nos fóruns de diálogo internacional católico-luteranos também não encontrariam qualquer eco no texto ecumênico.
A Congregação para a Doutrina da Fé sublinhou ainda que a Conferência Episcopal entrevê “a necessidade de um estudo teológico mais aprofundado de alguns temas centrais, como a questão da presença real e o conceito de sacrifício da eucaristia”. Ligado a isso também haveria o problema do ministério ordenado e da relação entre batismo, eucaristia e comunidade eclesial.
A Congregação para a Doutrina da Fé disse que interveio depois que a Congregação dos Bispos, em Roma, enviou para uma avaliação, no dia 20 de maio, o texto “Juntos à mesa do Senhor”. Anteriormente, os bispos católicos alemães também haviam discutido o votum do grupo de trabalho ecumênico na assembleia plenária da primavera e na comissão da Conferência Episcopal.
O problema da partilha eucarística também ganhou espaço na assembleia plenária da Conferência dos Bispos da Alemanha, que foi realizada em Fulda de 21 a 24 de setembro. O presidente, Georg Bätzing, defendeu o texto do ÖAK contra as críticas do Vaticano.
Na opinião dele, as observações de Roma são apropriadas em alguns pontos, sim, mas outras não dizem respeito ao documento. Ele afirmou, no entanto, que queria levar a sério as críticas do Vaticano, mas também que tinha ouvido rumores que consideram a carta um retumbante tapa nos bispos alemães e nele mesmo.
Na realidade, o documento do ÖAK, avaliou Bätzing, é apenas uma contribuição para a discussão e é evidente que precisa da recepção das Igrejas Católica e Protestante. Também é normal que os responsáveis da Igreja universal reconheçam que “era necessário”. Ao mesmo tempo, porém, esperava que ninguém dissesse: “Assim não”, do contrário ele perguntará: “Como deve ser, então?”.
Christoph Böttigheimer, teólogo da Diocese de Eichsttät e coautor do documento do grupo dos teólogos, declarou-se muito surpreso com as críticas do Vaticano.
Em entrevista ao site Katholisch.de, ele declarou que considera um escândalo se não se chegar a uma participação compartilhada na celebração da eucaristia e da Ceia eucarística. “É nossa convicção – afirmou – que, tanto nas questões da eclesiologia quanto nas da eucaristia e do ministério, houve aproximações tais que as diferenças já não podem mais ser consideradas um fator de divisão das Igrejas. Se a Congregação para a Doutrina da Fé fala de razões contrárias ‘pesadas’ – como é dito na carta –, é preciso que esses pontos sejam especificados em particular.”
O problema é que se diga que o consenso alcançado e a convergência alcançada ainda não são suficientes. No entanto, essa crítica deve ser fundamentada, de acordo com a importante máxima ecumênica de que não é a unidade das Igrejas que precisa de justificativa, mas sim a sua separação. Quem é contrário à hospitalidade eucarística deve justificar teologicamente essa atitude e explicar por que as motivações que o grupo ecumênico apresentou com boas razões teologicamente fundamentadas ainda não podem ser suficientes.
Em Fulda, o bispo auxiliar de Colônia, Ansgar Puff, por outro lado, declarou que não via qualquer possibilidade de uma partilha eucarística entre católicos e protestantes. “Os bispos – especificou – devem escolher de que lado estar: com o ensino da Igreja ou seguir as suas próprias opiniões. As diferenças doutrinais são evidentes demais para poder sustentar uma partilha eucarística. Enquanto, na concepção católica, existe uma “relação imprescindível entre a eucaristia, a ordenação sacerdotal e a Igreja”, na tradição protestante isso tem uma importância muito relativa. É preciso, portanto, continuar discutindo juntos.”
“O fato de que no congresso (Kirchentag) da Igreja Protestante de 2021 deverá haver a hospitalidade eucarística – disse Ansgar Puff – coloca aos bispos a questão: ‘Queremos escutar o que a Igreja e o papa dizem, ou aquilo que nós pensamos?’”.
E citou aquilo que escreveu o falecido arcebispo de Colônia, cardeal Joachim Meisner: “Fiquem sempre com o papa e nunca perderão Cristo”. Depois, ele desejou que os bispos alemães se orientem de acordo com essa linha e não corram atrás de cada “coceira no ouvido”.
Em relação a esse problema, é preciso assinalar também aquilo que o cardeal Koch, presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, declarou em uma entrevista publicada na edição de setembro da revista Herder Korrespondenz: “A carta da Congregação para a Doutrina da Fé é uma discussão objetiva e muito séria do texto ‘Juntos à mesa do Senhor’ do grupo de trabalho ecumênico dos teólogos protestantes e católicos (ÖAK). A Congregação chama a atenção para problemas que o documento do ÖAK considera resolvidos, mas que, na realidade, não o são e precisam ser mais discutidos e aprofundados: a questão da compreensão específica da eucaristia e da Ceia, a relação entre eucaristia e Igreja, o problema da ordem sagrada e a relação entre batismo e eucaristia. O ÖAK argumenta que não se trata mais de diferenças que dividem as Igrejas, e se pensa que a Ceia protestante e a eucaristia católica são fundamentalmente duas formas diferentes do único evento. Ao contrário, a Congregação para a Doutrina da Fé agora enfatizou claramente que persistem graves diferenças, e que, portanto, as conclusões a que chegou o documento do ÖAK não podem ser justificadas na atual situação ecumênica”.
De todo esse debate, fica claro que a discussão sobre a recíproca hospitalidade à mesa eucarística permanece em aberto, mas que, para se chegar a uma conclusão compartilhada, é necessário ainda um longo caminho ecumênico.
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Alemanha: debate aberto sobre a hospitalidade eucarística - Instituto Humanitas Unisinos - IHU