26 Janeiro 2021
"O jornalismo deve contar e desmascarar, não aceitar o esquecimento como moeda de troca, reequilibrar as emoções e fazer isso com menos presunção e mais humildade, com mais estudo e mais esforço, iluminando os contextos, onde até os detalhes importam, dando razão dos nexos, esclarecendo quem faz o que e por quê", escreve Alberto Bobbio, editor-chefe da revista Famiglia Cristiana, em artigo publicado por Eco di Bergamo, 25-01-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Duas páginas que valem um manual e duas palavras tiradas daquela extraordinária crônica que são os Evangelhos. Jorge Mario Bergoglio dá uma aula de jornalismo na Mensagem para o 55º Dia Mundial das Comunicações Sociais e concentra o método em dois verbos, “ir e ver”, os únicos na origem da profissão, os únicos a serem introduzidos no coração da paixão de contar. Eles deveriam ser pregados na porta de todas as redações do mundo.
É uma mensagem perfeita na análise e nos remédios para aquilo que hoje todos denunciam na informação e depois sempre permanece como antes. Jornais “fotocopiados”, sites que são todos iguais, informação pré-confeccionada ou, melhor, “palacianos”, escreve o papa, autorreferencial, que não capta nem as coisas que estão acontecendo, muito menos as energias ocultas, positivas e virtuosas, entre as suas dobras.
Levante a mão quem já reclamou ao menos uma vez. Mas, depois, o que fez? Hoje, passa-se tempo demais procurando justificativas e culpas que são sempre dos outros, da globalização, de processos inevitáveis, de tecnologias desonestas, de competências desarmadas pela lógica dos lobbies.
Bergoglio embaralha as cartas e coloca cada um diante da sua própria responsabilidade. Chama a uma revolução, à derrubada de modelos consolidados, diz “chega!” às desculpas, aos pretextos, aos atenuantes.
Se há algo que não vai bem com a comunicação, se chegamos ao ápice da medida de uma informação que trai as pessoas, em vez de melhorá-las com uma ação “límpida e honesta”, deve-se buscar o erro dentro de nós mesmos, que perdemos o sentido do nosso agir, que abdicamos da nossa responsabilidade e nos contentamos com o “já sabido”.
Uma bela bofetada, em suma, um tapa que faz bem ao jornalismo e a todo o processo da comunicação. Ele adverte contra as armadilhas e não só as da web, ditadas pela velocidade excessiva e pela pouca capacidade de verificação. O ponto central está em uma frase: “Perder tempo para entender”. E, depois, andar, caminhar, ver.
O papa usa o principal conselho do bom jornalismo, gastar as solas dos sapatos e não se contentar com aquilo que se vê na tela de um computador. Hoje, isso é difícil, porque falta dinheiro, porque o poder, a propaganda, os gabinetes de relações públicas e a “besta” que tende a governar a rede injetam medo nas relações sociais ou até privam da própria liberdade as pessoas mais jovens e frágeis, levando-as a um limite que pode ter consequências trágicas, e contestam toda forma de controle e verificação.
O jornalismo que o papa deseja é exatamente o contrário, porque não deve usar palavras vazias, falar ao infinito para não dizer nada, escreve Bergoglio, retomando uma frase do “Mercador de Veneza” de Shakespeare. O jornalismo deve contar e desmascarar, não aceitar o esquecimento como moeda de troca, reequilibrar as emoções e fazer isso com menos presunção e mais humildade, com mais estudo e mais esforço, iluminando os contextos, onde até os detalhes importam, dando razão dos nexos, esclarecendo quem faz o que e por quê.
Conhecer e contar os fatos, os valores, a moralidade é crucial em contextos de emergência, onde se tende a fugir às regras e onde a questão das fontes corre o risco de passar para o segundo plano, como ocorre com a onda de fake news sobre a pandemia.
Mas contar também permite dissipar a névoa da informação sobre as vacinas apenas para poucos, ou sobre a rota balcânica, ou sobre a guerra na Etiópia, onde os jornalistas não são bem-vindos, mas para onde alguns vão com coragem.
Na mensagem, Bergoglio os agradece, porque há também um jornalismo que protege, que dá voz, ajuda as pessoas a se reconhecerem como irmãos, retém desvios trágicos no tratamento dos mais fracos, sejam eles doentes ou imigrantes, um jornalismo tecido de sacrifício, de pesquisa, de responsabilidade.
Enrie Pyle, um dos maiores repórteres de guerra de todos os tempos, costumava dizer: “Não me pagam para eu ser objetivo, mas para contar o que eu vejo”. Ele foi morto por um atirador em 1945 durante a Batalha de Okinawa, no Pacífico. Os soldados e suas famílias choraram a sua morte, mas não os Estados-Maiores. Hoje, Jorge Mario Bergoglio também choraria.
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