19 Janeiro 2021
No início, era apenas uma piada em família, mas a declaração de candidatura de uma teóloga francesa para se tornar arcebispa de Lyon fomentou o debate sobre o lugar das mulheres no governo da Igreja.
A reportagem é de Christophe Henning, publicada por La Croix International, 18-01-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Anne Soupa lembra como se fosse ontem. Era o dia 21 de maio de 2020, um dia prometido para ser feliz e tranquilo. O primeiro confinamento por causa do coronavírus na França havia sido suspenso apenas 10 dias antes, e o clima primaveril daquela quinta-feira da Ascensão fez os picos alpinos brilharem.
No chalé da família, todos estavam ficando inquietos.
Anne, que é teóloga católica, e seu marido chegaram no dia anterior. Eles estavam cuidando da casa do filho e de sua família, que haviam ficado no refúgio nas montanhas durante as semanas de confinamento.
Mas uma ideia curiosa surgiu durante uma conversa naquele dia, que viraria tudo de cabeça para baixo.
Enquanto a família almoçava junta, eles tiveram uma animada discussão sobre a Igreja, como de costume.
E Anne voltou a se lamentar de que os bispos só estavam interessados em voltar a celebrar a missa publicamente, que ainda estavam proibidas até o dia 2 de junho.
“Eu preferiria vê-los vestindo um jaleco branco e visitando os doentes nos hospitais!”, exclamou ela.
Todos na família estavam acostumados com ela “reclamando” da Igreja. Mas, mesmo antes de se tornar ativista, Soupa era uma católica fervorosa e praticante com grande paixão pelos estudos bíblicos.
“Por que você não assume o lugar deles?”, seu filho explodiu. Ele não estava brincando.
“Sim, por que não?”, pensou Anne.
A ideia foi avançando aos poucos. Era preciso terminar a refeição e aproveitar o bom tempo. Seu marido provavelmente deu de ombros quando ouviu essa observação curiosa.
“Mas a ideia nunca me deixou. Eu tive que ir atrás dela. Eu teria ficado brava comigo mesma se a perdesse”, continuou Anne.
Além disso, o chamado tinha vindo de outra pessoa, desse filho sem tabus que não disse mais do que: “Apresente-se!”.
“Isso se tornou uma questão entre eu e mim. Eu tinha a liberdade de aceitar ou não. Era um sentimento muito forte, que só surge duas ou três vezes na vida”, destacou.
Soupa já havia sido uma das cofundadoras em 2008 do “Comité de la Jupe” [Comitê da Saia]. Era uma reação àquela que muitos consideraram como uma observação sexista feita pelo cardeal André Vingt-Trois, então arcebispo de Paris.
O que os amigos diriam?, Anne se perguntava. Ela telefonou para as pessoas mais próximas dela.
“Com alguma hesitação na minha voz, comecei mencionando o cargo em Lyon que estava vago...”
De fato, a arquidiocese precisava de um novo bispo. A futura candidata não podia ter escolhido um cargo mais importante na Igreja. Mas, atualmente, é preciso primeiro ser padre antes de se qualificar para ser bispo. E, na Igreja Católica, isso significa que é preciso ser homem.
No entanto, Soupa estava preparando uma verdadeira “profissão de fé” para o núncio apostólico, o “embaixador” do papa na França que prepara as nomeações episcopais.
Aos 73 anos, ela estava na idade canônica, conhecia o funcionamento da Igreja, sabia como administrar uma equipe e assim por diante.
“A candidatura estava se tornando cada vez mais verossímil”, comentou ela, dizendo-se ainda surpresa.
No dia 25 de maio, apenas quatro dias depois do almoço em família, bastou um clique, e o seu e-mail foi enviado ao núncio e à agência de notícias AFP.
Ela não ouviu um pio da nunciatura. Mas houve uma grande agitação na mídia.
Uma mulher com uma mitra na cabeça e um báculo na mão é uma grande história para os jornalistas!
Mais do que isso, a candidatura de uma mulher para um dos cargos mais prestigiosos da Igreja francesa da França (arcebispo de Lyon e primaz dos gauleses) despertou um sincero interesse.
“Desligados os microfones, vários jornalistas confidenciaram que não entendiam o rigor da Igreja, que se arrependiam de ter batizado seu filho etc.”, lembrou Soupa.
Mas nem todas as reações foram tão calorosas. Como uma figura emblemática do pequeno lugar concedido às mulheres na Igreja, Soupa também foi publicamente desprezada e insultada nas mídias sociais.
“Eu conheço a legitimidade dos católicos”, disse ela.
Além da novidade de tudo isso, ela queria que a sua candidatura fosse levada a sério, e gerou um debate acalorado dentro da Igreja.
Para aqueles que aplaudiram o gesto midiático, Soupa ofereceu um verdadeiro conjunto de reformas que dariam aos leigos e leigas seu lugar de direito.
Ela se via como arcebispa de Lyon, mesmo sem se tornar padre, mas tendo acesso – por que não? – à dignidade de cardeal e, portanto, consequentemente, à eleição do papa.
Mas era uma causa perdida: um novo arcebispo foi nomeado em outubro.
“Mas se o Papa Francisco quiser me receber e me nomear para outra diocese, por que não? Eu continuo candidata”, disse Soupa com toda a sinceridade.
Seus detratores argumentaram que ninguém se candidata a bispo; pelo contrário, é “chamado”.
No entanto, Anne Soupa destaca que, na Igreja primitiva, o bispo podia ser eleito pela comunidade.
Ela se desespera principalmente diante dos “pequenos passos” que dificilmente dão às mulheres o lugar que elas merecem.
Depois da última eleição papal, ela escreveu sobre as suas esperanças em relação ao novo papa argentino em um livro de 2014 intitulado “François, la divine surprise” [Francisco, a divina surpresa].
“Sete anos depois, nada mudou”, lamentou ela.
O pároco de Soupa também não mudou. Mas parece que ele aprecia a seriedade e coragem da sua abordagem. “Ainda temos o desejo de dar um passo um em direção ao outro”, disse ela sobre suas discussões com o clérigo.
Em seguida, a teóloga detalhou seu programa episcopal em um boletim intitulado “Pour amour de Dieu” [Pelo amor de Deus].
Para além da sua repentina ascensão ao status de celebridade, Soupa continua tendo um profundo desejo de servir à Igreja que ama sem limites.
“Na verdade, eu acredito que teria sido uma bispa muito boa”, acrescentou ela com um sorriso.
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O dia em que Anne Soupa decidiu: “Quero me tornar bispa católica” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU