08 Janeiro 2015
Diversos analistas apontam que o papa está em dificuldades. Pode ser. Mas as dificuldades são feitas para serem superadas, e todos sabem que este papa é astuto. A sua desaprovação violenta e um pouco teatral da Cúria seria um apelo aos católicos e à opinião pública para apoiá-lo.
A opinião é da biblista e teóloga feminista francesa Anne Soupa, publicada no sítio Baptises.fr, 02-01-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Savonarola tinha dito que a Cúria Romana era uma "prostituta orgulhosa e mentirosa". Ele está morto. Francisco está mais fraco devido à denúncia das "15 doenças da alma", que ele jogou na cara dos cardeais e prelados da Cúria? Por que não preferiu uma ação discreta, caso a caso? Ele estava com dificuldades antes? Ele está com mais dificuldades agora?
Antes de qualquer outro elemento de resposta, é preciso lembrar que a sua reclamação é fundamentada. Bento XVI já tinha fustigado aqueles maus servidores do Evangelho que querem apenas o seu próprio bem; depois empalideceu diante do escândalo do Vatileaks.
Por fim, os cardeais do conclave tinha inscrito a limpeza da Cúria como uma prioridade para o seu mapa. Francisco, no dia 22 de dezembro, nada mais fez do que o seu trabalho.
Isso é o que as correntes tradicionalistas tentam fazer com que se esqueça. Por exemplo, Nicolas Diat imediatamente se apressou a denunciar "acusações no limite da difamação" e de gritar riscos de danos colaterais. Outros discursos, despertando a lendária culpabilidade católica, exploraram uma circunvolução cortês do papa, para dizer que aquelas doenças eram "de todos nós", para levar os católicos ao exame de consciência e desviar, assim, a rajada destinada à Cúria. Velha tática: diluir, diluir ainda e sempre; o princípio ativo será logo neutralizado. Mas fiquemos atentos, mantenhamos o olhar na direção certa: essas doenças não são as do católico "X", são precisamente as do poder: carreirismo, duplicidade de linguagem, mundanidade espiritual...
Por fim, Dom Bernard Podvin, porta-voz do episcopado, escolheu, de sua parte, outra atitude: a negação. "Nas paróquias, ninguém se faz esse tipo de questão. Francisco é muito apreciado pelos bispos e pelos fiéis... Não há nenhuma guerra"...
A questão posterior é saber se é uma boa tática bater forte, como fez Francisco. Ele não corre o risco da constituição de uma verdadeira oposição, já cimentada pelo opróbrio? Odon Vallet teme que a escolha do papa lhe seja fatal. O silêncio teria sido preferível, ele teria evitado tomar a peito uma pesada máquina que já destruiu mais do que um papa.
Ao fazer isso, Odon Vallet opta por responder afirmativamente a uma pergunta muitas vezes debatida: a Igreja obedece às regras e às estratégias do mundo? Sim, porque é evidente que o silêncio e o poder discreto de nomeação e de revogação são um remédio que deu as suas provas, mesmo na Igreja.
No entanto, aqui, gostaria de algo mais. A Igreja não pode se contentar com aplicar regras prudenciais clássicas. Ela deve ir além. A sequela Christi é uma disposição que não se discute quando se é bispo ou cardeal. Ninguém é obrigado a permanecer em um certo cargo se não está alinhado com o trabalho. E evitemos de invocar aqui a indulgência, que seria apenas fraqueza. Ela já não foi suficientemente denunciada por ocasião dos escândalos recentes de pedofilia? Francisco talvez pode se prestar a cobrir práticas seja penalmente condenáveis, seja contrárias à lógica de um compromisso diante de Deus? No rastro do Evangelho, Francisco, o justo, denuncia aqui a duplicidade de linguagem dos fariseus: dizem e não fazem... E, incidentalmente, lembra que não se pode levar a bom êxito um Sínodo sobre a família destinado a lembrar aos fiéis as exigências do seu engajamento quando a Cúria opta por zombar dele.
Diversos vaticanistas, como Marco Politi, apontam que o papa está em dificuldades. Pode ser. Mas as dificuldades são feitas para serem superadas, e todos sabem que este papa é astuto. A sua desaprovação violenta e um pouco teatral seria um apelo aos católicos e à opinião pública para apoiá-lo. Certamente, 90% o apoiam. Mas, concretamente, podem ajudá-lo?
A pergunta é trágica, não tem uma resposta positiva: faltam aos católicos os canais institucionais para se fazerem ouvir. Cada bispo deve exercer a comunhão na sua diocese e, querendo ou não, deve ecoar as expectativas dos fiéis. Fazem-no? Alguns sim, outros não. E as idas dos bispos a Roma por ocasião das suas visitas ad limina se confrontam com uma tal mesquinhez e com uma tal condescendência por parte dos empregados da Cúria que, muitas vezes, eles morrem de sufocamento.
Quanto às Conferências Episcopais nacionais, as suas atitudes divergem. A Conferência alemã soube, majoritariamente, tomar posição atrás do papa em favor de uma adaptação da disciplina eclesiástica em relação ao matrimônio, assim como a Conferência dos Bispos da França brilha pelo seu silêncio.
Sim, ela havia "omitido" de colocar no seu site o questionário de 2013 sobre a preparação do Sínodo. Agora, ela não abre a boca, despertando até mesmo a ironia do cardeal Kasper. Mas ela está consciente de que a sobrevivência da Igreja passa pelo seu apoio ativo a um papa do qual se diz que é a sua última chance? Aparentemente não...
Restam as iniciativas próprias do povo católico, desprovido na sua própria Igreja do equivalente a uma assembleia de tipo parlamentar que lhe faça eco. Sim, o povo católico, o francês em particular, está dramaticamente sozinho neste momento. Como... o papa, já que 90% da Cúria o desaprovaria.
Estranha conjunção essa, de um papa e de um povo, na mesma linha, mas sem meios para fazer corpo... No fim, se compreenderá que a máquina eclesial deve ser desobstruída? Hoje, só resta ao povo o abaixo-assinado, as ruas ou uma gigantesca e generosa concentração, talvez em Roma.
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Francisco errou ao declarar guerra à Cúria? Artigo de Anne Soupa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU