08 Janeiro 2015
Este papa, que fala de fazer com que se cesse a "exploração do homem sobre o homem", não agrada a setores consistentes da Igreja: parece ser marxista demais. Este papa, que, perto das 19h, em Santa Marta, vai ao restaurante self-service com a sua bandeja (de fato, nessa hora, os empregados não servem mais às mesas), não agrada a bispos e cardeais que exigem a evidência da "sacralidade" do papado. Este papa, que inverte o olhar da Igreja sobre os gays, inquieta uma parte da hierarquia.
A reportagem é de Marco Politi, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 06-01-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Comentou nos EUA o cardeal Francis George, ex-arcebispo de Chicago: "Eu gostaria de perguntar ao pontífice se ele se dá conta do que aconteceu com a frase 'quem sou eu para julgar...?'".
Este inverno europeu é uma estação dura para Francisco e o seu projeto reformador. Um dos líderes do tradicionalismo italiano, Roberto De Mattei, ataca no jornal Il Foglio: "O principal drama do nosso tempo (é) um misterioso processo de autodemolição da Igreja, que está chegando às últimas consequências".
De Mattei acusa aqueles eclesiásticos – os pró-Bergoglio, evidentemente – que teriam a intenção de construir uma Igreja de tipo novo, "sujeita a uma perpétua evolução sem verdades e sem dogmas".
O segundo round do Sínodo sobre a família de outubro de 2015 parece distante, mas é o acontecimento em vista do qual estão se mobilizando todos aqueles que rejeitam as inovações propostas pelo cardeal Kasper. Na Itália, existe um bloco cardinalício absolutamente contrário à concessão da comunhão aos divorciados em segunda união. Cardeais de peso: Camillo Ruini, ex-presidente da Conferência Episcopal Italiana (CEI), Carlo Caffara, arcebispo de Bolonha, Angelo Scola, arcebispo de Milão.
Em particular, Scola lançou em uma entrevista uma singular advertência: "Acho justamente que o papa não vai tomá-la (a decisão de permitir a comunhão aos divorciados)". É um bloco que se une com uma parte da hierarquia estadunidense, que permaneceu ancorada na impostação dos princípios inegociáveis de Bento XVI.
De fato, a dois anos da eleição de Bergoglio, a sua base eleitoral no conclave se dividiu. Aconteceu o mesmo nos tempos de João XXIII: os eleitores do Papa Roncalli queriam um pontífice mais pastoral, mas não esperavam (e muitos, depois, foram contrários) que ele convocasse um Concílio aberto para a sociedade moderna e não armado com condenações.
Assim está acontecendo com Francisco. Uma parte dos seus eleitores pedia uma racionalização da Cúria, limpeza nos negócios financeiros do Vaticano, uma maior consulta entre o pontífice e os bispos do mundo. Mas não estava pronta minimamente para a revolução multidimensional do Papa Bergoglio: uma Cúria não mais centralizadora, as mulheres em cargos de decisão, uma nova abordagem em matéria sexual, o diálogo sem barreiras com os não crentes, o fim da Igreja imperial, a própria reforma do papado.
Dramático, a esse respeito, é o silêncio do associacionismo católico italiano, ainda mais grave porque Francisco exorta os leigos a serem ativos. Tome-se a lista de movimentos e de associações que aderiram ao Family Day, promovido pela CEI em 2007 para sabotar a lei sobre as uniões de fato do governo Prodi: agora que esses católicos poderiam falar livremente sobre família, divórcio, coabitação, aborto, sexualidade e papel da mulher, se calam e se escondem sem tomar posição nem pró nem contra o reformismo de Bergoglio.
O Papa Francisco está consciente do momento difícil. Antes do Natal, conversando com uma pessoa de sua confiança, ele exclamou: "A única coisa que eu peço ao Senhor é que essa mudança, que eu levo adiante pela Igreja com o meu grande sacrifício, tenha continuidade. E que não seja uma luz que se apaga de uma hora para a outra".
Em privado, Francisco muitas vezes reitera: "Eles, no conclave, sabiam quem elegiam. Eu não fiz nada para ser eleito". E, no fim, o papa sempre conclui: "A mim, eles não vão mudar".
Alguns entre os seus defensores consideram que, em vista do Sínodo de outubro, seja necessário encontrar com antecedência uma solução de compromisso sobre os divorciados em segunda união. Francisco se move, enquanto isso, em várias linhas. Na recente entrevista à jornalista Elisabetta Piqué, do La Nación, ele foi muito prudente. Evitou apoiar a comunhão aos divorciados em segunda união e redimensionou drasticamente a questão gay ao problema de como se comportar com os filhos homossexuais dentro das famílias. Algo diferente do debate sobre os casais gays, que agitou o Sínodo passado.
Enquanto isso, continua trabalhando a comissão sobre a simplificação dos procedimentos dos processos de nulidade matrimonial, por ele instituída ainda antes da sessão sinodal. Na Cúria, liberam-se este ano duas posições de direção no dicastério das Causas dos Santos e da Educação: aqui, ele poderia colocar homens da sua confiança.
Por fim, com as nomeações cardinalícias anunciadas no domingo, as púrpuras por ele escolhidas começam a formar um quarto do conclave. A Europa perde a maioria no corpo eleitoral. Só um curial (o ex-ministro das Relações Exteriores, Mamberti) recebe a púrpura. Nenhuma vai para os norte-americanos. Os italianos escolhidos são duas personalidades distantes do poder, fortemente pastorais, de "periferia": Dom Menichelli, de Ancona, e Dom Montenegro, de Agrigento, que acompanhou o papa em Lampedusa.
Para o restante, irrompe no Colégio Cardinalício o Terceiro Mundo: das Ilhas Tonga ao Vietnã, de Cabo Verde à Birmânia, do Uruguai à Nova Zelândia, da Etiópia ao Panamá.
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A contrarreforma de Francisco sob ataque - Instituto Humanitas Unisinos - IHU