06 Janeiro 2021
Johannes Eckert é prior da abadia de São Bonifácio em Munique, Alemanha. Em seu último livro - recém chegado às livrarias em uma edição italiana para a editora Queriniana - o monge se confronta com seis personagens femininas apresentadas por Marcos em seu evangelho. Do confronto despontam algumas questões críticas para a igreja de hoje.
A entrevista foi publicada por blog Teologi@Internet, no. 478, Editora Queriniana, 07-12-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Padre Johannes, em seu último livro, você não omitiu nenhum argumento espinhoso em relação à igreja. Podemos defini-lo como um revolucionário?
Eu diria que é o próprio evangelho que não omite essas temáticas. Foi isso que me levou a prestar atenção naqueles temas que hoje mais nos preocupam e a fazer perguntas.
Vamos entrar em detalhes: você é a favor não só do diaconato, mas também da ordenação presbiteral e do cardinalato para as mulheres. Por quê?
Não estou defendendo essa causa, estou levantando questionamentos. O ponto de partida é fornecido pela sogra de Pedro; trata-se do primeiro milagre de cura do Evangelho de Marcos, em que Jesus toca aquela pessoa e depois se fala: "E ela começou a servi-los" (Mc 1,31). Chamou-me a atenção que neste evangelho Jesus é servido apenas por mulheres e por anjos: nenhuma menção a homens. Eles devem aprender de novo de Jesus o que significa servir, quando o mestre afirma: “Se alguém quiser ser o primeiro, será o último, e servo de todos” (Mc 9,35). Na nossa igreja já contamos com muitas mulheres que, sem consagração, desempenham funções sacerdotais e diaconais e anunciam o Evangelho. Devemos ser infinitamente gratos por isso. Aqui para mim surge uma pergunta: qual será o próximo passo no serviço da igreja? É realmente reservado para os homens, ou devemos assumir uma perspectiva diferente? Quanto ao cardinalato das mulheres: no Evangelho de Marcos só encontramos uma mulher, de origem siro-fenícia, por quem Jesus se deixa corrigir. Se Jesus se deixa aconselhar por uma mulher, então por que não pode haver figuras femininas nos grupos consultivos mais próximos ao papa, vigário de Cristo - especialmente porque até o século XX o cardinalato nem sequer era reservado ao clero?
“Para nós, homens da Igreja, poderia ser estimulante não desacreditar as instâncias da espiritualidade feminina e da chamada teologia feminista como divagações emancipatórias, mas sim descobri-las como enriquecimento” (p. 85). O que você quer dizer com isso?
Como confessor e pregador de exercícios, pude experimentar que muitas vezes, nas comunidades religiosas femininas, é cultivada uma forma um pouco diferente de espiritualidade. Alguns homens de Igreja são muito rápidos em descartá-la como uma questão trivial ligada aos temas da emancipação. Pelo contrário, acredito que podemos aprender muito com as mulheres.
Qual das mulheres no Evangelho de Marcos poderia servir de modelo para o clero hoje, por ser particularmente emancipada?
Por exemplo, fiquei impressionado pela mulher hemorroíssa que, contra todas as proibições, tem a coragem de se aproximar de Jesus e tocá-lo em segredo, porque acredita: “Se eu tocar nele, me curarei”. Esta é uma fé que pode curar, mesmo que precise ir além dos limites e proibições. Para mim é um comportamento que demonstra muita confiança em si mesmo.
Em sua opinião, as figuras que ocupam cargos de responsabilidade na Igreja Católica deveriam escutar mais não só as mulheres, mas também os jovens, seguindo o exemplo de Jesus: que impulsos você espera da juventude católica?
Eu espero muito deles. Os jovens costumam encontrar soluções diferentes de nós, adultos. Já São Bento escrevia na nossa Regra que o abade e toda a comunidade deveriam levar os jovens particularmente a sério, porque Deus pode revelar através deles o que é melhor.
Você apoia a abolição do celibato obrigatório para os sacerdotes católicos. Por que razão?
Não devemos colocar em discussão o celibato obrigatório apenas por causa da escassez de padres. Fiquei muito emocionado com as histórias de algumas mulheres, vinculadas a padres católicos, que reconheceram que seus companheiros realmente tinham vocação para essa "profissão". Apesar disso, ficaram com eles. Não seria, portanto, necessária uma mudança?
Você também questiona a indissolubilidade do matrimônio. Por quê?
Não coloco em dúvida a indissolubilidade do matrimônio, mas me pergunto até que ponto um novo começo não seria possível depois de um matrimônio cujo vínculo, de fato, foi rompido.
Você é a favor da admissão à comunhão dos divorciados novamente casados e dos protestantes. Por que razão?
Se realmente acreditamos que Cristo está presente no sacramento da Eucaristia, então se torna difícil negar a alguém essa proximidade, se a pessoa sentir a necessidade - a mulher hemorroíssa não hesitou em tocar em Jesus e ele elogiou abertamente a sua fé.
No livro aparece a pergunta: "Deus não poderia se revelar também em outras religiões?" (p. 80). Como você responderia?
O então card. Ratzinger expressou desta forma: "Existem tantos caminhos para Deus quantas são as pessoas". É por isso que acredito na grandeza de Deus, que se manifesta em muitas das buscas de sentido do homem.
Você acredita que um rito litúrgico específico deveria ser desenvolvido para os casais homossexuais. Por quê?
Lamento que para muitas pessoas não exista um sinal sacramental. Por que não ir mais longe: que sinais de salvação podemos desenvolver para que as pessoas não sejam deixadas sozinhas em sua busca de sentido?
“Tenha cuidado para não se tornar protestante!” lhe disse um amigo enquanto escrevia o livro. Muitas das perguntas que você fez já foram recebidas pelos irmãos protestantes. Por que você não se converte - ou, dito de outra forma: por que você desejaria que a Igreja Católica, nesses pontos, se aproximasse das igrejas protestantes, e não vice-versa?
Estou feliz por ser católico e ser um monge, e não desejo que a Igreja Católica se alinhe com as normativas protestantes, mas almejo que voltemos sempre e mais ao evangelho, tornando-nos ainda mais evangélicos nesse sentido.
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A força das mulheres no evangelho de Marcos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU