18 Dezembro 2020
Na língua local, o nome de Boko haram, o grupo jihadista que assumiu o sequestro de pelo menos 330 estudantes do ensino médio no noroeste da Nigéria significa "a educação ocidental é um pecado". No entanto, isso não é suficiente para explicar por que a organização (se é realmente responsável por isso) tenha escolhido um grupo estudantil no estado de Katsina, muito longe de sua zona de influência, que se encontra principalmente no nordeste da Nigéria. Quem reivindicou o gesto foi Abubakar Shekau, o líder do Boko Haram que em 2015 jurou fidelidade ao grupo Estado Islâmico.
Falando sobre as centenas de homens armados que dirigindo motocicletas atacaram a casa estudantil durante a noite, semeando pânico e levando com reféns os estudantes, Shekau os definiu como “irmãos” e expoentes da esfera extremista islâmica. Mas a situação no norte da Nigéria é bastante confusa e é possível que a realidade seja mais complexa. Os jihadistas do Boko haram não detêm o monopólio da violência. Além de outros grupos terroristas, apontou um relatório recente do Grupo de Crise Internacional de Bruxelas, na Nigéria existe um banditismo generalizado, muitas vezes praticado em contato com os jihadistas, incluindo um comércio de reféns que torna muito difícil identificar os verdadeiros autores de ações como o sequestro dos estudantes em Katsina.
Mapa da África, com destaque para a Nigéria. (Foto: Needpix)
A reportagem é de Pierre Haski, publicada por Internazionale, 16-12-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Fracasso do Estado. O país mais populoso da África, a Nigéria, mais uma vez mergulhou no drama que já havia vivido em 2014 com o sequestro dos 276 alunos de Chibok realizado pelo Boko Haram. Essa história tinha circulado o mundo e as redes sociais, com a hashtag "bringbackourgirls", tragam as nossas meninas para casa. Paradoxalmente, a ressonância mundial do sequestro de Chibok poderia ter inspirado os sequestradores de hoje: eles atingem o espírito, aterrorizam as famílias e, ao realizar sua ação em outra região, colocam o governo nigeriano diante do próprio fracasso. O Boko haram surgiu há cerca de vinte anos no nordeste do país, na região que faz fronteira com o Lago Chade, na fronteira com o Chade e Camarões. Desde então, a organização se radicalizou e se infiltrou repetidamente para os países vizinhos, como aconteceu há poucos dias no Níger, onde a incursão resultou em 28 mortos, todos civis.
Lago Chade, na fronteira com o Chade e Camarões. (Foto: Wikipédia)
Além de se impor pelo terror, o Boko haram também se alimenta dos fracassos do poder. É nesse aspecto que reside toda a dificuldade da luta contra um movimento desse tipo. O presidente da Nigéria, Muhammadu Buhari, é um ex-ditador militar da década de 1980 que se elegeu democraticamente em 2015 prometendo acabar com a insegurança permanente e a corrupção galopante no país. Mas não basta ser um ex-general para resolver todos os problemas. Buhari nem soube como fazer uma limpeza e disciplinar as forças armadas. Todos os especialistas na região concordam que não se pode falar sobre a violência do Boko haram sem mencionar a violência das forças armadas nigerianas. Tivemos um exemplo disso recentemente com as manifestações reprimidas violentamente, organizadas para protestar contra uma unidade anticorrupção acusada de praticar extorsão e agir com impunidade.
AGORA EM VÍDEO!
— erga pfizer (@ErgaPfizer) December 17, 2020
Boko Haram divulga vídeo de estudantes sequestrados no norte da Nigéria. Os rebeldes jihadistas mostram alguns dos mais de 300 alunos que foram sequestrados na semana passada de uma escola secundária do governo na cidade de Kankara, no noroeste do país. pic.twitter.com/CfsbVMJpHR
A Nigéria vive há tempo das receitas do petróleo e a corrupção tem sido uma ferramenta de redistribuição como outra qualquer. Mas a ausência de um estado digno deste nome torna milhões de nigerianos indefesos diante de terroristas inescrupulosos. Os 330 alunos do ensino médio sequestrados em Katsina são o símbolo dessa impotência generalizada.
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Os 330 estudantes sequestrados na Nigéria são o símbolo de um estado falido - Instituto Humanitas Unisinos - IHU