11 Dezembro 2020
"De 10 a 18 de dezembro, os judeus celebram a festa de Chanucá, cujo nome significa 'inauguração'. A festa foi instituída para recordar um acontecimento histórico: o sucesso da revolta dos macabeus na guerra de libertação contra o governante selêucida", escreve Riccardo Di Segni, rabino-chefe da comunidade de Roma, em artigo publicado por Domani, 10-12-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Imaginemos uma cidade do Oriente Médio habitada por judeus, em que há uma ruazinha estreita, mas muito movimentada. Na ruazinha, assoma-se a loja de um judeu. Nesta temporada, ao pôr do sol, o judeu sai da loja e pendura uma lamparina de óleo acesa na parede externa, porque é assim que se celebra a festa de Chanucá. O judeu volta à loja e passa um camelo carregado de palha que transborda de ambos os lados das costas. A palha esfrega a parede, toca a lâmpada, pega fogo, começa um incêndio. A pergunta, então, é: quem paga os danos? O cameleiro diz ao lojista: pague você, porque colocou um perigo (uma lâmpada acesa sem vigilância) na via pública. O lojista se defende e diz: mas eu fiz isso por um dever religioso específico, e todos sabem que nestes dias é Chanucá, e é assim que se celebra; era você quem devia ter cuidado.
“Se vocês fossem o juiz”, como se intitula uma conhecida coluna em um semanário de enigmas, quem culpariam e a quem dariam razão? Vocês encontrarão a solução no fim desta nota, e, enquanto pensam a respeito, tentemos explicar o que é o Chanucá (pronuncia-se com um “ch” aspirado, como nacht em alemão e o “j” em espanhol).
Trata-se de uma festa que cai em dezembro, no dia 25 do mês de Kislèw, instituída para recordar um acontecimento histórico: o sucesso da revolta dos macabeus na guerra de libertação contra o dominador selêucida.
Após a morte de Alexandre Magno e a partição do seu Império entre os seus generais, a terra de Israel ficou sob o domínio dos selêucidas, que impuseram progressivamente o punho de ferro, com assédios e rapinas, e que intervieram pesadamente para proibir os ritos da religião judaica, até profanar o Templo de Jerusalém, inserindo estátuas nele.
No auge da perseguição, em 168 AEC, eclodiu uma revolta liderada por uma família de sacerdotes, que, com altos e baixos, depois de muitos anos, conseguiu se livrar do poder grego. Mas um primeiro resultado após três anos de luta foi a conquista de Jerusalém e a restauração do Templo. Aqui, o relato, de histórico, se torna religioso.
Querendo reacender a menorá, a lâmpada de sete braços, era necessário óleo puro, e foi encontrado apenas um pequeno recipiente dele, que bastaria para um único dia. Aconteceu um milagre, e aquele óleo durou por oito dias, o tempo necessário para ir ao local especial onde o óleo era produzido segundo as regras e que ficava a três dias de distância, produzi-lo e trazê-lo de volta.
Em recordação desses acontecimentos, foi instituída a festa de Chanucá (cujo nome significa “inauguração” e foi traduzido para o grego com um nome que soa semelhante, Enkenie), que se celebra com alegria moderada e sobretudo com o acendimento de uma lâmpada todos os dias, por oito dias.
Antigamente, discutia-se quantas lamparinas deveriam ser acesas; depois prevaleceu a regra de acender uma lamparina no primeiro dia, duas no segundo, e assim por diante, até as oito últimas; ao lado delas, há outra pequena lamparina que atua como “servidora”. A lamparina deveria ser acesa todas as noites do lado de fora da porta de casa ou da loja, a fim de mostrá-la; hoje a regra é mais elástica, mas colocá-la ao lado da janela é melhor.
Nos últimos anos, nas principais praças das cidades do mundo, foram organizados acendimentos públicos, com participações coletivas e grande curiosidade; neste ano, haverá acendimentos, mas em um tom bem menor devido às restrições impostas pela Covid. Mas o que importa, em todo o caso, é o rito doméstico.
Analisando os elementos da história fundante, logo surgem problemas. Dois temas principais se confundem: uma guerra de independência e a história de um milagre; portanto, de um lado, a política, e, de outro, a religião. Quanto ao milagre, os próprios rabinos que acreditam no milagre levantaram uma bela série de perguntas: por exemplo, se havia óleo para um dia, o milagre durou sete dias, então por que recordá-lo durante oito dias? E ainda, dado que, em caso de necessidade, para acender a menorá pública, pode-se usar também óleo não puro, que necessidade havia de pedir um milagre do Alto?
Por trás de tudo isso, esconde-se uma polêmica nunca resolvida entre diferentes almas do judaísmo, sempre em conflito na sua história, cada uma visando a privilegiar um aspecto identitário diferente, ora o nacional, de libertação, de força, ora o da religião e do espírito.
Os reis descendentes dos macabeus se tornaram, por sua vez, perseguidores, e os rabinos dedicaram à Chanucá, entre as 2.700 páginas do Talmude, apenas quatro páginas. A questão se complica ainda mais se considerarmos que o Chanucá é a última festa em ordem de tempo instituída no judaísmo, mas, na realidade, poderia ser a festa mais antiga da humanidade.
É nesses dias do ano que as jornadas de sol se encurtam [no hemisfério Norte] para voltar a se alongar, e cada cultura marcou esse acontecimento a seu modo, das Saturnálias até o Dies Natalis Solis Invicti, que é uma das raízes obviamente reelaboradas, do Natal cristão.
No Mediterrâneo, além disso, esses são os dias em que termina a colheita das olivas, e o óleo é produzido nos lagares. No judaísmo, houve um lapso de milênios para voltar a festejar esses dias, transformando o tema da luz solar no da luz da menorá, e o evento agrícola no uso sagrado do óleo de oliva.
Não por acaso, a festa começa no dia 25 do mês, que, para os gregos, era um dia festivo e havia sido escolhido por eles para transformar o Templo de Jerusalém em um templo deles; a restauração (e o milagre) ocorreu exatamente três anos depois. Mas, desse modo, a data judaica recordava uma data pagã.
A história do milagre contada pelos rabinos, por mais ingênua que possa parecer, esconde mensagens importantes. Não se trata de considerar aquele único milagre, mas de interpretar tudo na forma de milagre. Cada evento da natureza e, acima de tudo, da nossa existência é um milagre; não é óbvio que possamos e devamos nascer, crescer, nos curar.
Entre a visão grega do mundo mensurável, sujeito a regras precisas, sem providência, e a do pensamento judaico que vê o divino sempre presente na história, embora dificilmente perceptível, havia e há um abismo. A festa de Chanucá celebra apenas em parte um evento militar; é a afirmação de uma forma diferente de interpretar a realidade.
E se alguém objetar que os gregos, em última análise, tinham razão com a sua racionalidade pacífica e iluminada, a história de Chanucá demonstra exatamente o contrário; a cultura grega se difundia, sim, com a sedução que exercia, mas também com a repressão, a perseguição, a exploração.
A história dos sete dias em que o óleo permanece (mas o milagre já havia ocorrido no primeiro dia, a galheta era derramada e permanecia cheia) é a da energia infinita que pode ramificar a partir daquilo que é “puro”, mesmo que em uma quantidade mínima, e serve para sustentar o mundo à espera de ser substituído por novas energias. Tecnicamente, não havia necessidade de óleo puro, mas demonstrar força e continuidade é um valor importante.
Bastaria pouco para transformar o Chanucá na recordação de uma revolta de “talibãs”, mas todos os sinais que a tradição transmitiu vão exatamente na direção oposta. A do espírito em oposição à força bruta.
Dito isso, voltemos à disputa entre o cameleiro e o lojista. Quem tem razão? Os especialistas da lei discutiram sobre isso, e a conclusão foi que o cameleiro tem razão. Mas como? O lojista estava cumprindo uma obrigação religiosa e agora tem que pagar os danos?
A resposta técnica é que, mesmo assim, ele deveria ter vigiado a lâmpada; o cumprimento de um preceito, embora conhecido, não isenta da obrigação de vigiar. Mas, além disso, a resposta rabínica à questão legal afirma um princípio fundamental, que é a própria mensagem do Chanucá: quem segue uma religião e uma fé deve iluminar o mundo, mas não tem a permissão de queimá-lo.
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A religião deve iluminar o mundo, não queimá-lo. Artigo de Riccardo Di Segni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU