04 Dezembro 2020
“O caminho que estamos indo é o do suicídio”, afirmou António Guterres, secretário-geral da ONU, em uma entrevista de 30 de novembro, e que a sobrevivência humana será “impossível” sem os Estados Unidos aderirem ao Acordo de Paris e alcançar o “saldo zero” em emissões de carbono até 2050, como o presidente-eleito Joe Biden tem prometido.
A reportagem é de Mark Hertsgaard, publicada por National Catholic Reporter, 02-12-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O secretário-geral disse que “é claro” que ele está em contato com o presidente-eleito Joe Biden e planejando em reunir os EUA em uma “coalizão global para zerar as emissões líquidas de carbono até 2050”, organizada pela ONU. Os EUA são o país que mais acumula recursos para enfrentar o aquecimento global e é a maior potência econômica e militar, destacou Guterres, e que “não há forma de resolvermos o problema climático sem uma forte liderança estadunidense”.
Em uma conquista diplomática extraordinária, embora amplamente desconhecida, a maioria dos principais emissores do mundo já aderiu à coalizão “emissões líquidas zero até 2050” da ONU, incluindo a União Europeia, Japão, Reino Unido e China (que é a maior fonte do mundo das emissões anuais e se comprometeu a alcançar a neutralidade de carbono “antes de 2060”). A Índia, por sua vez, o terceiro maior emissor anual do mundo, é o único país do G20 a caminho de limitar o aumento da temperatura a 2° C até 2100, apesar de precisar tirar muitos dos seus habitantes da pobreza, uma conquista que Guterres chamou de “notável”. Junto com a Rússia, também um petroestado, os EUA são a única grande resistência, depois que o presidente Donald Trump anunciou que estava retirando os EUA do Acordo de Paris em junho de 2017.
As novas promessas podem trazer os objetivos do Acordo de Paris “ao alcance”, desde que as promessas sejam cumpridas, concluiu uma análise do grupo de pesquisa independente Climate Action Tracker. Se assim for, o aumento da temperatura poderia ser limitado a 2,1 °C, disse o grupo – mais alto do que a meta do acordo de 1,5° a 2° C, mas uma melhor que o futuro de 3° a 5° C, que o modelo atual proporcionaria.
“As metas estabelecidas em Paris sempre foram feitas para serem aumentadas com o tempo”, disse Guterres. “[Agora,] precisamos alinhar esses compromissos com um futuro de 1,5° C, e então implementarmos”.
Reiterando a advertência dos cientistas de que a humanidade enfrenta “uma emergência climática”, o secretário-geral disse que alcançar a neutralidade do carbono até 2050 é fundamental para evitar impactos “irreversíveis” que seriam “absolutamente devastadores para a economia mundial e para a vida humana”. Ele disse que os países ricos devem honrar sua obrigação sob o Acordo de Paris de fornecer 100 bilhões de dólares por ano para ajudar os países em desenvolvimento a limitar sua própria poluição climática e a se adaptar às ondas de calor, tempestades e aumento do nível do mar já em andamento.
Os trilhões de dólares que agora estão sendo investidos para reviver economias atingidas pela pandemia também devem ser gastos de uma forma “verde”, argumentou Guterres, ou as gerações mais jovens de hoje herdarão “um planeta destruído”. E ele previu que a indústria de petróleo e gás, em sua forma atual, morrerá antes do final deste século, à medida que as economias mudam para fontes de energia renováveis.
A entrevista do secretário-geral, conduzida pela CBS News, The Times of India e El Pais em nome do consórcio jornalístico Covering Climate Now, é parte de um esforço de dez dias da ONU para revigorar o Acordo de Paris antes da conferência do próximo ano. Essa conferência, conhecida como COP 26, deveria ocorrer nesta semana, mas foi adiada devido à pandemia. Em 12 de dezembro de 2020, Guterres marcará o quinto aniversário da assinatura do Acordo de Paris, convocando uma cúpula climática global com Boris Johnson, que como primeiro-ministro do Reino Unido é o anfitrião oficial da COP 26, que está programada para ocorrer em Glasgow, Escócia, em novembro próximo.
Um total de 110 países aderiram à coalizão “emissões líquidas zero até 2050”, disse o secretário-geral, um desenvolvimento que ele atribuiu ao crescente reconhecimento dos eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes e destrutivos que a catástrofe climática está desencadeando em todo o mundo e à “tremenda pressão” que os governos têm enfrentado desde a sociedade civil, incluindo milhões de jovens protestando em praticamente todos os países, bem como cada vez mais do setor privado.
“Os governos, até agora, pensavam até certo ponto que poderiam fazer o que quisessem”, disse Guterres. “Mas agora... vemos a juventude se mobilizando de formas fantásticas em todo o mundo”.
E com a energia solar e outras fontes de energia renováveis agora mais baratas do que equivalentes baseados em carbono, os investidores estão percebendo que “quanto mais cedo eles se mudarem para carteiras ligadas à nova economia verde e digital, melhor será para seus próprios ativos e seus próprios clientes”.
Para uma economia global que ainda depende de petróleo, gás e carvão para a maior parte de sua energia e grande parte de sua produção de alimentos, mover-se para “zero líquido” em 2050, no entanto, representa uma mudança tectônica – ainda mais porque os cientistas calculam que as emissões devem cair aproximadamente pela metade nos próximos 10 anos para atingir a meta de 2050. Alcançar esses objetivos exigirão mudanças fundamentais nas políticas públicas e privadas, incluindo a não construção de novas usinas a carvão e a eliminação das existentes, disse Guterres. Os governos também devem reformar as práticas fiscais e de subsídios.
“Não deveriam continuar existindo subsídios para combustíveis fósseis”, disse ele. “Não faz sentido que o dinheiro dos contribuintes seja gasto destruindo o planeta. Ao mesmo tempo, devemos transferir a tributação da renda para o carbono, dos contribuintes para os poluidores. Não estou pedindo aos governos que aumentem os impostos. Estou pedindo aos governos que reduzam os impostos sobre as folhas de pagamento ou sobre as empresas que se comprometem a investir em energia verde e a colocar esse nível de tributação na poluição por carbono”.
Governos também devem aplicar uma “transição justa” para as pessoas e comunidades afetadas pela fase de retirada dos combustíveis fósseis, com trabalhadores recebendo seguro-desemprego e sendo treinados para empregos de economia verde. “Quando eu estava no governo [como primeiro-ministro de Portugal], nós fechamos todas as minas de carvão”, contou. “Nós fizemos tudo que nós podíamos para ter certeza que aqueles que trabalhavam nessas minas teriam seus futuros garantidos”.
O “ciclo do petróleo, como uma chave central do motor da economia mundial acabou”, afirmou Guterres. Ao final do século XXI, o petróleo deve ser utilizado “como matéria-prima para diferentes produtos..., mas o papel dos combustíveis fósseis como fonte de energia será mínimo”. Enquanto as companhias estatais de combustíveis fósseis continuem ambicionando produzir mais petróleo, gás e carvão, Guterres disse que ao longo da história vários setores econômicos emergiram e caíram, e que o setor digital tem deslocado o setor de combustível fóssil como o centro da economia global. “Eu estou totalmente convencido que a maioria do petróleo e gás que está no solo hoje, continuará no solo”, concluiu.
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“Sem os Estados Unidos no Acordo de Paris, a humanidade enfrenta o suicídio climático”, afirma o secretário-geral da ONU - Instituto Humanitas Unisinos - IHU