03 Novembro 2020
O Vaticano esclareceu as recentes declarações do Papa sobre uniões civis homossexuais, insistindo que elas não mudam o ensino da Igreja.
A reportagem é de Cameron Doody, publicada por Novena News, 01-11-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O biógrafo papal Austen Ivereigh publicou em seu twitter, no último domingo, uma carta que foi enviada para os bispos “por um núncio latino-americano” em 30 de outubro, a pedido da Secretaria de Estado do Vaticano.
Vatican’s Secretariat of State writes to bishops of the world (via nuncios) to brief them on Pope’s civil unions remarks, to show that they refer to “particular arrangements of the state” in respect of same-sex couples, and do not touch on “church doctrine”.
— Austen Ivereigh (@austeni) November 1, 2020
A carta referia-se ao debate levantado pelos comentários contidos no novo documentário Francesco.
Neste filme, Francisco aparece dizendo: “homossexuais têm direito a ser parte de uma família... são filhos de Deus e têm o direito à família... ninguém deveria ser descartado ou ser feito miserável por causa disso [orientação sexual]... nós precisamos de uma lei de união civil... essa é a maneira em que [os casais gays] estarão legalmente protegidos”.
Porém, a carta do Vaticano – na qual se afirma ter sido enviada com a autorização do Papa – exclui qualquer mudança na doutrina da Igreja com base nessas declarações aparentes de Francisco.
A missiva enviada aos bispos por requisição do Secretário de Estado do Vaticano indiretamente acusa o diretor do filme, Evgeny Afineevsky, de editar seletivamente as palavras do Papa de diferentes entrevistas e respondendo diferentes questões, uma situação na qual se reconhece ter causado “confusão”.
Voltando às palavras do Papa para o contexto correto, e também interpretando as declarações do papa Francisco à luz da exortação apostólica Amoris Laetitia, a carta do Vaticano conclui que as frases do Papa no documentário referem-se somente aos “arranjos particulares do Estado e certamente não à doutrina da Igreja, a qual já foi reafirmada muitas vezes ao longo dos anos”.
Para entender algumas expressões do Papa no documentário Francesco
Algumas afirmações, contidas no documentário Francesco, do diretor Evgeny Afineevsky, suscitaram, nos últimos dias, diversas reações e interpretações. Se oferecem, portanto, alguns elementos úteis, com o desejo de favorecer, por Sua disposição, uma adequada compreensão das palavras do Santo Padre.
Há mais de um ano, durante uma entrevista, o papa Francisco respondeu a duas perguntas distintas em dois momentos diferentes que, no documentário mencionado, foram editadas e publicadas como uma só resposta, sem a devida contextualização, a qual gerou confusão. O Santo Padre fez em primeiro lugar uma referência pastoral sobre a necessidade de que, no seio da família, o filho ou a filha com orientação homossexual nunca sejam discriminados. A eles cita as palavras: “as pessoas homossexuais têm direito a estar em família; são filhos de Deus, têm direito a uma família. Ninguém pode ser descartado da família, nem fazer a vida deles impossível por isso”.
O seguinte parágrafo da Exortação Apostólica Pós-sinodal sobre o amor na família Amoris Laetitia (2016) pode iluminar tais expressões: “Com os Padres sinodais, examinei a situação das famílias que vivem a experiência de ter no seu seio pessoas com tendência homossexual, experiência não fácil nem para os pais nem para os filhos. Por isso desejo, antes de mais nada, reafirmar que cada pessoa, independentemente da própria orientação sexual, deve ser respeitada na sua dignidade e acolhida com respeito, procurando evitar ‘qualquer sinal de discriminação injusta’ e particularmente toda a forma de agressão e violência. Às famílias, por sua vez, deve-se assegurar um respeitoso acompanhamento, para que quantos manifestam a tendência homossexual possam dispor dos auxílios necessários para compreender e realizar plenamente a vontade de Deus na sua vida” (AL 250).
Uma pergunta seguinte da entrevista era, por outro lado, inerente a uma lei local de há dez anos na Argentina sobre os “casamentos igualitários de casais do mesmo sexo” e a oposição do então arcebispo de Buenos Aires a respeito. A este propósito, o papa Francisco afirmou que “é uma incongruência falar de casamento homossexual”, acrescentando que, nesse mesmo contexto, teria falado do direito destas pessoas a ter certa cobertura legal: “o que temos que fazer é uma lei de convivência civil; eles têm direito a estar protegidos legalmente. Eu defendi isso”.
O Santo Padre havia se expressado assim durante uma entrevista em 2014: “O casamento é entre um homem e uma mulher. Os Estados laicos querem justificar as uniões civis para regular diversas situações de convivência, movidos pela exigência de regular aspectos econômicos entre as pessoas, como por exemplo, assegurar a assistência de saúde. Trata-se de pactos de convivência de diferentes naturezas, das quais eu não saberia elencar as distintas formas. É necessário ver os diversos casos e avaliá-los em sua variedade”.
Portanto, é evidente que o papa Francisco referiu-se a determinadas disposições estatais, não certamente à doutrina da Igreja, a qual já foi reafirmada muitas vezes ao longo dos anos.
Carta da Secretaria de Estado do Vaticano enviada aos bispos sobre as declarações do Papa Francisco sobre união civil homossexual. Fonte: Reprodução do Twitter de Austen Ivereigh @austeni
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Vaticano esclarece declaração do Papa sobre união civil homossexual, insistindo que ele não mudou a doutrina da Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU