30 Outubro 2020
Papa Francisco na última encíclica fala justamente disso.
A reportagem é de Maria Antonietta Calabrò, publicada por Huffington Post, 29-10-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Hoje para o Islã é como se fosse Natal. A festa de nascimento do Profeta Maomé é celebrada. É Al-Mawlid Al-Nabawi Al-Sharif. Centenas de milhões de muçulmanos em todo o mundo celebram seu nascimento. Se foi apenas uma coincidência, ou a escolha simbólica de um plano de vingança criminosa, precisará ser esclarecido. Mas é evidente que o atentado em Nice veio no auge de um confronto muito duro em torno da sacralidade da figura do profeta e da sátira contra ele das caricaturas do semanário "Charlie Hebdo", que levou à decapitação há poucos dias por parte de um extremista islâmico de um professor francês, Samuel Paty (após o massacre de 2015).
Se não se faz referência a este evento "religioso" (a festa do nascimento do Profeta), certamente é mais complicado entender o significado dos novos ataques terroristas na França e na Arábia Saudita (sempre contra um alvo francês).
Tampouco é possível entender o porquê de o ataque mais grave ter ocorrido na Catedral Católica de Nice (cidade que também sofreu um ataque brutal na Promenade em 2016, com 85 mortos). Uma catedral dedicada a Notre Dame, Nossa Senhora, a mãe de Jesus Cristo, gêmea daquela de Paris devastada por um grande incêndio em abril de 2019 (tanto que pela primeira vez desde 1803 no ano passado não foi possível celebrar ali o Natal cristão).
O ataque hoje é ainda mais grave porque foi atingido um local de culto dedicado à Nossa Senhora, que também é venerada no Alcorão na Sura de Maria.
Precisamente esse contexto "religioso" deixou o Vaticano e o Papa Francisco consternados e atônitos, que no início de outubro publicou a sua terceira encíclica "Fratelli Tutti", dedicada à fraternidade universal e ao papel que todas as religiões devem desempenhar para esse fim, começando principalmente pelo Islã.
Uma encíclica que se coloca em continuação natural com a assinatura do Documento sobre a fraternidade humana que ocorreu em 4 de fevereiro de 2019, fixado por Francisco e o Grande Imam da Mesquita Egípcia de Al-Azhar no âmbito da viagem apostólica do Papa aos Emirados (apenas três meses antes do incêndio na catedral de Paris).
É por isso que a reação da Santa Sé hoje não foi usual. Como se fosse uma bofetada ao que afirma a encíclica.
Pouco depois do ataque, o Diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, Matteo Bruni, afirmou: “É um momento de dor, em um momento de confusão. Terrorismo e violência nunca podem ser aceitos. O ataque de hoje semeou a morte em um lugar de amor e consolação, como a casa do Senhor. O Papa está informado da situação e está próximo da comunidade católica em luto”. Em seguida, Bruni acrescentou que Francisco “reza pelas vítimas e seus entes queridos, para que a violência cesse, para que as pessoas se olhem novamente como irmãos e não como inimigos, para que o amado povo francês possa reagir unido ao mal com o bem." Irmãos e irmãs, todos, como defende justamente a Encíclica.
Após algumas horas, chegou uma forte condenação ao "selvagem ataque" no telegrama enviado em nome do papa pelo secretário de Estado, cardeal Pietro Parolin, ao bispo de Nice, Mons. André Marceau. O Papa “pede ao Senhor que os conforte e recomenda as vítimas à sua misericórdia”. “Condenando no modo mais enérgico esses violentos atos de terror – prossegue o texto – assegura a sua proximidade à comunidade católica da França e a todo o povo francês a quem apela para que fique unido”. “Ao confiar a França à proteção de Nossa Senhora, dou de coração a bênção apostólica a todos os afetados por esse drama”.
A consternação do Vaticano se agravou quando se soube que o suposto agressor em Nice era um dos muitos migrantes que desembarcaram em setembro último em Lampedusa, a ilha-símbolo do acolhimento papal para eles, onde Francisco fez sua primeira viagem recém eleito e que sempre retorna em seus pensamentos e nos seus gestos.
Enquanto os católicos conservadores que se referem à famosa e contestada palestra sobre o Islã violento, realizada em Regensburg por Bento XVI em 2012, aproveitaram a ocasião para apontar que a linha de Francisco não leva a lugar nenhum, aliás, que pode causar sérios danos.
“Devemos lembrar – argumentou o cardeal de Bolonha Matteo Zuppi – que somos todos irmãos e que o único caminho a percorrer é o do diálogo, para isolar os terroristas e para que nenhuma pessoa de fé seja vítima de violência”, pouco antes de receber a visita de solidariedade do presidente da UCOII (União das Comunidades Islâmicas Italianas) Yassine Lafram.
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Nice, consternação no Vaticano com a bofetada à fraternidade humana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU