26 Setembro 2020
A pandemia vem acarretando mudanças drásticas nas formas de trabalho. Muitos trabalhadores tiveram que criar, reorganizar e modificar os seus serviços para sobreviverem a esse momento ímpar da sociedade mundial. Alguns, por necessidade, acharam, como solução, trabalhos terceirizados por aplicativos, enquanto outros dobraram suas jornadas para manterem uma renda básica em casa. Quando a pandemia chegar ao fim, a nova ordem do trabalho será uma incógnita na mente dessas pessoas e as mudanças que ocorram ao longo desse período podem mudar drasticamente a vida salarial dos trabalhadores.
A reportagem é de André Martins, estagiário do Curso de Jornalismo da Unisinos.
Mas é fato que a pandemia trouxe à tona verdades irreversíveis, como o controle do capital na mão de poucas pessoas – os chamados super-ricos –, a desigualdade que o capitalismo causa para a imensa maioria da população, e o crescimento da economia digital, que pode ser um caminho para produção de renda dos trabalhadores.
Refletindo sobre essas questões, o Dr. Lucas Hertzog participou, nesta quinta-feira, 24-09-2020, do evento organizado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, intitulado “O futuro do trabalho pós pandemia”, e avaliou os possíveis cenários que podem ocorrer no mundo do trabalho quando a pandemia acabar.
Hertzog vê um cenário perigoso para o pós-pandemia, o qual ele denomina como anti-humanismo. Este novo momento será marcado pelo desespero por renda e pelo domínio do capital na mão de poucas pessoas. Essa situação fará com que os trabalhadores busquem alternativas imediatas, como a forte indústria madeireira na floresta amazônica, em terras indígenas, que está se intensificando e levará os trabalhadores a se precarizarem em busca de oportunidades financeiras, desencadeando uma economia local naquela região por causa da demanda por combustível e alimentação. Mulheres que trabalhavam como domésticas antes da pandemia também ficarão sem emprego e terão que se arriscar em trabalhos perigosos, como a prostituição. “O anti-humanismo, nesse contexto, vai se construir nessas identidades frágeis, descomprometidas e no imediatismo de arrumar uma renda”, afirma.
Porém, Hertzog entende que há chances de o futuro pós-pandemia ter caminhos diferentes, mas isso depende da política e de quem domina as grandes fortunas. “Eu acredito que nós podemos ter um futuro do trabalho pós-pandemia onde as pessoas são colocadas em primeiro lugar”, diz o pesquisador, que considera a retirada da glorificação do lucro e das riquezas como uma possibilidade para colocar o ser humano no centro desse processo.
As mudanças trabalhistas, para Hertzog, passam diretamente pela política. A ideologia dominante das grandes fortunas, que se utiliza dos trabalhadores como um trabalho análogo à escravidão, só foi possível por causa de “uma fala convincente dos empreendedores políticos”. Durante a pandemia, enquanto os cidadãos sofriam sem emprego ou por causa da terceirização do trabalho, os super-ricos ficaram mais ricos, aumentando a sua renda vertiginosamente. Ou seja, para pensar em um processo trabalhista justo, é necessário distribuir melhor as riquezas. “A primeira coisa a se fazer para parar o anti-humanismo é frear o crescimento dessa riqueza desenfreada”, menciona. Ele também cita a renda universal como uma alternativa para os novos processos trabalhista, mas com ressalvas. “O objetivo central passa invariavelmente por uma ideia de uma renda universal, mas eu não acredito que somente isso vai conseguir interromper os mecanismos do capital financeiro”, pontua.
O que não é divulgado é que toda essa acumulação de dinheiro nas mãos de poucas pessoas inviabiliza qualquer aperfeiçoamento da democracia. Durante essa pandemia, conseguimos notar, pelas pressões políticas e pelo desespero de parte dos trabalhadores para voltar a seus empregos, que somos reféns dessa sociedade salarial e dessas pessoas que comandam a economia brasileira. “O que não se divulga é que essa acumulação inviabiliza qualquer democracia que pode ocorrer no Brasil. A riqueza e a influência política desses milionários geram um ciclo vicioso de poder”, assegura.
Um ponto chave, segundo Hertzog, em um futuro pós-pandêmico, é a luta por tempo no trabalho. A redução da jornada traria uma revolução no cenário brasileiro. Na Alemanha, por exemplo, os sindicatos já começam a trabalhar essa hipótese para diminuir suas jornadas trabalhistas. “Um maior tempo para esses trabalhadores traria momentos de diversão, onde eles poderiam se ocupar com outras atividades relaxantes”, afirma.
Mas para isso, é necessário conter a onda dos aplicativos de serviços, que estão em alta na pandemia e que tendem a continuar utilizando os trabalhadores através de serviços terceirizados, sem pagar pelo uso de gasolina, dados de celular, veículos, férias e tempo. “Fica evidente que é necessária uma melhoria nas condições de trabalho no sentido de que as plataformas passem, sim, a serem responsáveis pelo trabalho dessas pessoas, pagando as férias, por exemplo. Eu acredito numa virada de percepção das pessoas, ou seja, elas começarão a lutar para que isso ocorra”, afirma. Hertzog também acredita ser necessária uma comoção por parte dos acionistas dos aplicativos, para então oferecer uma melhor estrutura de trabalho para esses trabalhadores.
O futuro do trabalho depende dos esforços da sociedade e das organizações coletivas, para que possamos frear o ímpeto do capitalismo. Quando isso ocorrer, conseguiremos também diminuir a jornada de trabalho e assegurar melhores condições para a humanidade. “O trabalho é produto do humano e não podemos transformar o humano em produto”, encerra.
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O trabalho é produto do humano, e não o humano é produto do trabalho - Instituto Humanitas Unisinos - IHU