18 Setembro 2020
"As experiências brasileiras de economia solidária e de cooperativas de produção do MST, que asseguram os três “Ts” de Francisco – Terra, Teto e Trabalho para todos e todas – certamente serão mais valiosas para a busca de uma Economia de Francisco e Clara do que a proposta de capitalismo católico que subjaz na entrevista do diretor científico do congresso", escreve Pedro A. Ribeiro de Oliveira, sociólogo, membro da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política.
Surpreendeu-me a entrevista de Luigino Bruni, publicada na edição de 15/09/20 do IHU. Diretor científico do congresso que, a pedido de Francisco, deve pensar uma economia capaz de “garantir a justiça social, a correta redistribuição dos recursos e a compatibilidade com o meio ambiente”, ele assume como ponto pacífico que essa economia é o capitalismo, devidamente aprimorado pelo cristianismo. Simplificando, ele diz que o capitalismo produz e concentra riqueza, mas o capitalista cristão a redistribui. Ao deparar-me com um pensamento tão simplista, devo dizer que estou muito preocupado com os resultados desse congresso com tema tão auspicioso como é “Economia de Francisco (e Clara)”.
A entrevista revela um pensamento eurocêntrico, que vê dois modelos de capitalistas: o protestante, que passa a vida acumulando até que ao final da vida faz grandes doações, e o capitalista católico, que redistribui sua riqueza ao mesmo tempo que ela é produzida. O exemplo deste último é idílico: “a paróquia leva à cooperativa, o partido político dá origem à empresa, ao banco rural (que às vezes é fundado inclusive pelo pároco). E é acima de tudo o capitalismo familiar (e, de fato, as empresas italianas são 80-90 por cento familiares).” Ele deveria visitar o Brasil, maior país católico do mundo, e conhecer os bancos e empresas que aqui operam e ver o que fazem com seus lucros...
É preciso levar a sério o desafio do Papa Francisco, que embora evite falar a palavra “capitalismo” e suas derivadas, deixa bem claro que ao criticar essa economia que mata não se refere à Máfia, mas ao capitalismo em sua fase globalizada. Ele pede aos e às jovens que participarão do congresso que busquem alternativas que realmente superem o modo de produção e consumo capitalista. E isso por várias razões. Aponto duas: a primeira é porque nele a Terra entra apenas como uma reserva de matérias-primas a serem exploradas e transformadas em mercadorias. A segunda é porque o mercado é o espaço institucional da vitória do mais forte e competitivo sobre o mais fraco, e se não for submetido a um poder mais forte será sempre concentrador de riqueza e desigualdade social.
Pelo que sei, no Brasil o congresso a realizar-se em Assis está sendo preparado de maneira bem mais crítica ao capitalismo e a suas megaempresas transnacionais. Os grupos já constituídos trabalham seriamente para recuperar o sentido próprio de economia como ciência e arte de cuidar da Terra – Nossa Casa Comum. Por isso mesmo aqui preferimos falar da Economia de Francisco e Clara, valorizando a dimensão feminina indispensável ao cuidado.
As experiências brasileiras de economia solidária e de cooperativas de produção do MST, que asseguram os três “Ts” de Francisco – Terra, Teto e Trabalho para todos e todas – certamente serão mais valiosas para a busca de uma Economia de Francisco e Clara do que a proposta de capitalismo católico que subjaz na entrevista do diretor científico do congresso.
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Economia de Francisco e Clara para quê? Artigo de Pedro A. Ribeiro de Oliveira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU