20 Agosto 2020
Tendo vivido bastante para ver o apequenamento da CNBB, espero viver ainda o suficiente para ver também o seu ressurgimento, escreve Pedro A. Ribeiro de Oliveira, sociólogo, membro da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política, em artigo publicado pelo portal do Movimento Nacional Fé e Política, 19-08-2020.
Sei que desde o Batismo sou membro da Igreja. Só depois de crismado, porém, ao fazer o compromisso de militância na Juventude Estudantil Católica (Ação Católica) assumi conscientemente minha condição de leigo, isto é, membro do laos – povo – que tem a missão de evangelizar a sociedade. Já há mais de 60 anos procuro ser fiel a essa missão não só individualmente, mas como parte plena da Igreja Católica Romana, em comunhão com tantas pessoas que animam essa Igreja desde as Comunidades Eclesiais de Base até as Conferências Episcopais e a Diocese de Roma. Comovido pelo sofrimento de uma menina de dez anos vítima de cruéis estupros – que precisou recorrer ao Judiciário para interromper a gravidez resultante daquela violência e foi atendida num hospital de Recife – e solidário com os e as profissionais da saúde que a atenderam, me sinto na obrigação de expressar o profundo desconforto causado pelas manifestações de Bispos do Brasil.
Duas falas publicadas no site da CNBB no dia 18/08 bastam como exemplos. O site reporta a fala de seu Presidente, D. Walmor A. Oliveira, referindo-se a “dois crimes hediondos”, sendo um a violência sexual e o outro a violência do aborto. Destaque maior é dado à manifestação de D. Ricardo Hoepers, presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Vida e a Família, que fala do aborto como “um ato horrendo, de um ato abominável, nós demos a pena capital a um bebê.”
A minha indignação tem duas causas.
A primeira é com o simplismo intelectual dessas falas, que, seguindo a linguagem vulgar, não distingue embrião, feto e bebê, e ainda qualifica como pena capital um procedimento cirúrgico destinado a salvar a vida de uma menina. É possível que, no calor das emoções, esses bispos tenham exagerado nas figuras de linguagem, mas isso não justifica essa abordagem, que ao ser reproduzida pelas redes digitais causa confusão em pessoas de pouca escolaridade. Ninguém que eu conheço considera o aborto um método de contracepção equivalente a qualquer outro, e nenhuma mulher recorre a esse procedimento com a mesma serenidade com que vai ao dentista.
Aborto é sempre uma decisão muito grave e deve ser tratada com respeito. Estima-se que, no Brasil, a cada ano cinco milhões de mulheres recorrem ao aborto. As que podem pagar o procedimento numa clínica, o fazem com segurança; mas as mulheres pobres arriscam a sua vida e muitas, inclusive jovens e adolescentes, morrem. Por isso, o debate deve ser feito com seriedade, levando em conta os conhecimentos científicos, a Ética e – para os cristãos – os preceitos bíblicos de defesa da Vida.
A outra causa de minha indignação é pelo destaque eclesiástico dado a essas manifestações enquanto a Carta ao Povo de Deus, endossada por mais de 150 bispos foi oficialmente ignorada pela CNBB. Até parece que Francisco já previa isso ao referir-se às “ideologias que mutilam o coração do Evangelho: A defesa do inocente nascituro, por exemplo, deve ser clara, firme e apaixonada, porque neste caso está em jogo a dignidade da vida humana, sempre sagrada, e exige-o o amor por toda a pessoa, independentemente do seu desenvolvimento. Mas igualmente sagrada é a vida dos pobres que já nasceram e se debatem na miséria, no abandono, na exclusão, no tráfico de pessoas, na eutanásia encoberta de doentes e idosos privados de cuidados, nas novas formas de escravatura, e em todas as formas de descarte”. (Gaudete Exsultate 101).
Diante dessa realidade atual de minha Igreja, consola-me o que disse a mesma CNBB, nos sofridos anos da ditadura militar aberta, no Comunicado Pastoral ao Povo de Deus, de 25 de outubro de 1976. Cito apenas a Introdução, onde se lê “Nossa intenção é iluminar com a luz da Palavra de Deus os acontecimentos atuais para que os cristãos tomem, diante deles, uma atitude de fé e coragem, uma animação parecida com aquela que dá o livro do Apocalipse. Ao cristão é proibido ter medo. É proibido ficar triste”. E segue-se uma preciosa apresentação da realidade da época, com perseguição aos pobres e à Igreja, sempre relacionada ao Novo Testamento, que é a única fonte citada – ao todo, 14 vezes.
Tendo vivido bastante para ver o apequenamento da CNBB, espero viver ainda o suficiente para ver também o seu ressurgimento, com esses novos bispos que, em sintonia com a proposta de Igreja em saída e com a valiosa colaboração das Pastorais Sociais, denunciam os sistemas e os governantes que destroem a Vida, ao mesmo tempo que anunciam a certeza de um novo céu e uma nova terra, movida pela mesma Esperança que deu vida à vida do santo Pedro do Araguaia.
Juiz de Fora, 18 de agosto de 2020.
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Indignação de um leigo católico. Artigo de Pedro A. Ribeiro de Oliveira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU