28 Agosto 2020
Philip Martin Fearnside é um dos cientistas contemplados com o Prêmio Nobel da Paz concedido ao Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), com sede em Manaus, no Amazonas, ele vive na região amazônica desde a década de 70. Podemos dizer que o norte-americano é uma testemunha viva dos grandes impactos socioambientais que ocorrem na região, como as aberturas de rodovias, entre elas, a Transamazônica (BR-230) e a BR-174, que cortou as terras dos indígenas Kinja (Waimiri Atroari) ao meio e quase dizimou a etnia. Também estudou os impactos das construções das hidrelétricas de Balbina, no Amazonas, Tucuruí e Belo Monte, ambas no Pará, Santo Antônio e Jirau, em Rondônia.
Doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, autor de centenas de artigos científicos sobre os desmatamentos, queimadas e mudanças climáticas, Fearnside acompanha a cada ano a chamada “temporada das queimadas” na Amazônia. “Há sinais de que o ano Prodes de 2021, que está iniciando este mês de agosto, pode ser ainda pior”, alerta o pesquisador, que é também colunista da agência Amazônia Real.
O Prodes é o Projeto de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que deste 1988 detecta com muita precisão a taxa de desmatamento anual na região amazônica. No período de 2019 a agosto de 2020 a floresta perdeu 9,2 mil quilômetros quadrados, uma área equivalente a seis vezes o tamanho do município de São Paulo.
Com o aumento dos desmatamentos, as queimadas chegaram ao ápice no mês de julho. Estados como Pará, Amazonas e Mato Grosso, que abrigam a maior parte de florestas nativas do bioma Amazônia, têm respectivamente 30%, 26% e 3% mais focos de calor este ano do que os registrados no mesmo período de janeiro a agosto de 2019. Os dados são do Inpe.
Philip Fearnside (Foto: Amazônia Real/Alberto Cesar)
Além do desmonte da política ambiental no governo de Jair Bolsonaro (sem partido), para Philip Fearnside é o discurso do próprio presidente que “encoraja o desmate”. O cientista diz isso porque o governo mantém as tropas federais na região para impedir os desmatamentos. Já proibiu a queimada da floresta pela agropecuária, mas nada parece mudar. As Forças Armadas estão na área sob o comando do vice Presidente general Hamilton Mourão. À frente do Conselho Nacional da Amazônia Legal, o militar tem sido cobrado pelos empresários do agronegócio por causa do aumento dos desmatamentos, pois países que importam os produtos do setor ameaçam boicotar o Brasil por causa da política anti ambientalista de Bolsonaro e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
Para Fearnside, com a pandemia do novo coronavírus o momento ficou mais crítico na Amazônia e o “governo precisa reconstruir tudo que foi desmontado na área ambiental e depois fortalecer esta área mais ainda”. Sobre Salles, o cientista é taxativo: “precisa [Bolsonaro] trocar imediatamente o ministro do meio ambiente por uma pessoa com compromisso com a área ambiental”, diz.
A entrevista é de Kátia Brasil, publicada por Amazônia Real, 26-08-2020.
Quando começou a nova temporada de queimadas na Amazônia?
Todo ano a temporada de queimadas começa no sul da Amazônia e se desloca para o norte. Este ano, em junho, tinha 253 focos de fogo em Mato Grosso e zero no Amazonas, e em julho tinha 146 focos em Mato Grosso e 5 no Amazonas. Agora já está explodindo no Amazonas, começando no sul do estado.
Os 503 “fogos grandes” na Amazônia brasileira de maio até 21 de agosto estão indicados neste mapa:
Como se vê, o Estado do Amazonas está em destaque, com grandes fogos todo ao longo da Transamazônica na divisa com Pará até Humaitá, e outros focos em Boca do Acre e no sul de Lábrea. Dos “grandes fogos” na Amazônia brasileira, 97% eram depois da moratório, que começou em 15 de julho, ou seja, são ilegais. O mês de agosto representa 85% dos fogos. O que choca mais é que 12% (66 mil hectares) disto são incêndios florestais.
Os madeireiros deixaram de atear fogo mesmo em 2019?
Os fogos geralmente são ateados por pecuaristas e agricultores, não por madeireiros. Queimar as áreas recém-derrubadas é a maneira mais barata para preparar as áreas para plantio, e o fogo também é usado para combate ao mato (invasores lenhosos) nas pastagens. Estes fogos podem entrar na floresta e provocar incêndios florestais.
Eles driblaram as ações do governo Bolsonaro?
As ações do governo para parar o uso do fogo enfrentam sérios problemas. Quando se trata de muitos milhares de pontos de fogo, é inviável que inspetores chegam a todos para multar. Mesmo chegando a um ponto de fogo ativo, uma vez iniciado o fogo não é possível simplesmente pará-lo. O que realmente precisava era de coibir o desmatamento, que vem antes da queimada. Isto não aconteceu. Além do desmonte do IBAMA, o discurso do governo passava uma mensagem clara que encorajava o desmate.
Equipes do Prevfogo trafegando em área de desmatamento e queimadas em Apuí, AM (Foto: Amazônia Real/Bruno Kelly)
Qual é a situação atual na Amazônia? Vai ser pior do que 2020?
Embora o ano calendário 2020 ainda esteja em curso, o ano “Prodes” de 2020, para os números oficiais do desmatamento, já terminou no final de julho. Os dados do programa Prodes, do INPE, vão de agosto de um ano a julho do próximo. Há sinais de que o ano Prodes de 2021, que está iniciando este mês de agosto, pode ser ainda pior, pois o desmonte da área ambiental continua e o discurso do governo já levou as pessoas nas frentes de desmatamento a crerem que quaisquer violações ambientais serão depois perdoadas, e esta crença, até agora válida de fato, já está bem estabelecida.
Com a pandemia e a negação de Bolsonaro com relação ao desmatamento, a Amazônia virou uma combustão?
A negação da quantidade e das consequências do desmatamento levam ao quadro triste ambiental que estamos vendo. As negações dos impactos de grandes obras, como da rodovia BR-319, condenam vastas áreas ao desmatamento futuro. A negação da seriedade da pandemia de coronavírus leva a falta de medidas adequadas para controlar o seu espalhamento, o que já está tendo um impacto sério sobre povos indígenas. Além destes povos perderam o direito de viver e de manter suas culturas, eles têm um papel fundamental em manter a floresta amazônica.
Desmatamento na Terra Indígena Uru Eu-Wau-Wau, em Rondônia (Foto: WWF Brasil/Marizilda Cruppe)
Como o senhor avalia essa situação neste momento crítica fragilidade na fiscalização ambiental?
É um momento crítico. O governo precisa reconstruir tudo que foi desmontado na área ambiental e depois fortalecer esta área mais ainda. Precisa trocar imediatamente o ministro do meio ambiente [Ricardo Salles] por uma pessoa com compromisso com a área ambiental. O novo ministro precisa de liberdade para atuar e o Presidente precisará demonstrar constantemente o seu apoio às medidas tomadas pelo novo ministro e aos seus pedidos para recursos humanos e financeiros. Além de reprimir o desmatamento e as queimadas, também precisa parar as muitas ações das diversas partes do governo que levam a mais destruição na Amazônia.
O governo está com a operação das Forças Armadas na região. Os militares irão resolver algo mesmo?
Não adianta apenas colocar o Exército para cuidar do problema ambiental. De fato, passando isto para ser “coordenado” pelo Exército, desmoraliza ainda mais o que resta do IBAMA. Também é ineficiente, pois segundo as pessoas do IBAMA, as ações de fiscalização não priorizam os lugares mais críticos, como era feito pela fiscalização conduzida pelo órgão ambiental.
O ministro Ricardo Salles (de roupa verde) com garimpeiros em Jacareacanga, no Pará (Foto: reprodução redes sociais)
O vice-presidente general Hamilton Mourão tem prometido conter os desmatamentos na Amazônia devido às críticas do mercado internacional, que promete boicotar as empresas do Brasil. Qual seria a solução para o país melhorar essa imagem extremamente arranhada por causa da não-política-ambiental de Bolsonaro?
É bom que o governo esteja percebendo que há um problema. Quando o ministro Paulo Guedes foi pressionado por líderes mundiais em Davos, ele respondeu que o desmatamento no Brasil é causado pela “pobreza”. Não colou. O mundo sabe que o grosso da área desmatada na Amazônia vira pastagens e não roças de subsistência. As muitas ações do governo que estão induzindo o desmatamento precisam parar. Um exemplo é o “projeto de lei da grilagem” (ex MP-910) que está avançando no congresso, levando os grileiros acreditar que seus delitos serão anistiados e que podem conseguir títulos de terra com uma mera “auto-declaração”. A construção de estradas que dão acesso a vastas áreas de floresta, como o caso da BR-319, é outro exemplo. Outro é o plano para uma estrada até Suriname no projeto Barão do Rio Branco, passando quase exclusivamente por terras quilombolas, terras indígenas e unidades de conservação.
Imagem do sobrevoo flagra queimadas em Rondônia (Foto: Amazônia Real/Bruno Kelly)
Uma mudança da orientação do governo tem que vir de cima. Quando o ministro Salles sugeriu aproveitar a “oportunidade” do coronavírus para “deixar a boiada passar”, ou seja, para desmontar os regulamentos ambientais, o presidente e o vice-presidente não chamaram a atenção de que isto seria inaceitável. Ao contrário, o discurso de Salles refletia o clima da reunião ministerial, que já foi assistido no Youtube por mais de um milhão de pessoas. Isto tem que mudar.
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Amazônia em Chamas 20: “Precisa trocar imediatamente o ministro do meio ambiente”, diz cientista do IPCC sobre Ricardo Salles - Instituto Humanitas Unisinos - IHU