06 Agosto 2020
Mais de uma década atrás, eu cunhei a expressão “frieza mariana” para caracterizar a atitude do Papa Bento XVI em relação a Maria. Embora o pontífice alemão tenha desenvolvido um apego forte a Maria mais tarde, e não quando ele era um jovem teólogo – quando ele temia que a devoção mariana fosse uma distração da centralidade de Cristo –, ele permaneceu distintamente frio em relação a especulações sobre milagres, aparições e revelações, sempre insistindo que eles não são o cerne da questão.
O comentário é de John L. Allen Jr., publicado por Crux, 04-08-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Um dos argumentos teológicos favoritos de Bento XVI é que os “simples fiéis” costumam ser um guia melhor para a fé do que as grandes teorias dos teólogos acadêmicos, e ele aprecia que, se essa é a medida, então Maria desfruta de um lugar de destaque inquestionável.
Com o Papa Francisco, “frieza” dificilmente é a palavra certa, pois ele tem uma paixão classicamente latino-americana por Nossa Senhora e pelas devoções populares a ela, que expressam as almas de tantas culturas em seu continente natal. Ele sabe que, ao longo da história latino-americana, a esperança na compaixão materna de Maria sustentou pessoas individuais e povos inteiros em seus momentos mais sombrios.
Como se sabe, Francisco faz a caminhada por Roma até a Basílica de Santa Maria Maior, a maior igreja do mundo dedicada a Maria, para dedicar todas as suas viagens ao exterior a ela, e a primeira vez que vimos o pontífice aparecer em público foi quando ele visitou a Basílica de Nossa Senhora Aparecida no Brasil, em sua visita de 2013 para a Jornada Mundial da Juventude.
No dia 11 de março deste ano, Francisco confiou o mundo inteiro à proteção da Virgem Maria em meio à pandemia do coronavírus, compondo uma oração especial sob o seu tradicional título de “saúde dos enfermos”.
No entanto, Francisco também suspeita de algumas das reivindicações mais espetaculares, feitas às vezes por fervorosos devotos marianos. Famosamente, em novembro de 2013, o pontífice declarou que Maria “não é uma chefe dos correios, para enviar mensagens todos os dias”, ao responder a uma pergunta sobre Medjugorje.
Talvez, para Francisco, a sua devoção mariana também esteja enraizada na experiência dos “fiéis simples”, e o seu ceticismo não se origina tanto de convicções teológicas, como Bento, mas sim de uma preocupação mais pastoral de não ver esses fiéis simples serem enganados por pessoas que ele acredita que estão manipulando a fé mariana para seus próprios fins.
Então, em vez de “frieza”, talvez o melhor adjetivo para o estilo de devoção de Francisco seja “classicamente mariano”, ou seja, uma fé mariana profunda e duradoura, que tende às clássicas expressões dessa devoção – Nossa Senhora Luján na Argentina, Nossa Senhora do Rosário na Guatemala, Nossa Senhora de Guadalupe no México, Nossa Senhora de Coromoto na Venezuela, e assim por diante, em vez de fenômenos mais novos que ele pode achar que não passaram pelo teste do tempo.
Mesmo em meio a devoções marianas mais novas, Francisco parece preferir as expressões originais dessas experiências ao invés de derivações posteriores, e confiar mais em seus frutos pastorais e pessoais do que nas supostas extravagâncias sobrenaturais.
Tudo isso nos leva a uma mensagem que o Papa Francisco enviou no domingo aos jovens reunidos em Medjugorje, o célebre e também controverso local de aparições marianas ainda oficialmente sob análise do Vaticano.
O evento é chamado “Mladifest”, a partir da palavra croata para “juventude”, e é o segundo maior encontro católico regular de jovens depois da Jornada Mundial da Juventude. Ele é realizado todos os anos entre os dias 31 de julho e 6 de agosto, e geralmente reúne cerca de 50.000 jovens e cerca de 500 padres de todo o mundo, embora a participação neste ano tenha sido obviamente afetada pelas restrições de viagem devido ao coronavírus.
“O grande modelo da Igreja de coração jovem, pronta para seguir a Cristo com frescor e docilidade, continua sendo sempre a Virgem Maria”, disse o papa.
“A força do seu ‘sim’ e daquele ‘faça-se em mim’ que ela disse ao anjo nos impressiona sempre. O seu ‘sim’ significa envolver-se e arriscar, sem outra garantia que a certeza de ser portadora de uma promessa”, disse Francisco.
“O seu ‘eis a serva do Senhor’ é o exemplo mais belo, que nos narra o que acontece quando a pessoa, na sua liberdade, se abandona nas mãos de Deus”, afirmou o papa.
“Que esse exemplo os fascine e os guie!”, disse o papa aos jovens.
Em nenhuma parte da breve mensagem de 750 palavras Francisco se referiu a qualquer um dos supostos fenômenos sobrenaturais associados a Medjugorje, nem citou nenhuma das mensagens que os devotos acreditam que Maria tenha transmitido.
Em uma coletiva de imprensa em 2017, o Papa Francisco se referiu às aparições originais em Medjugorje, que ocorreram quando os supostos videntes eram crianças, observando que eles foram estudados por uma comissão chefiada pelo cardeal italiano Camillo Ruini, vigário de Roma de 1991 a 2008, e esse órgão era de opinião amplamente positiva, mas recomendou um estudo mais aprofundado.
Quanto às supostas aparições que ainda ocorrem hoje, disse ele, o relatório “tem suas dúvidas”. Ele acrescentou que, pessoalmente, é “mais negativo”, e que essas “supostas aparições não têm tanto valor”.
Francisco enfatizou que não descarta o impacto positivo de Medjugorje em muitos daqueles que o experimentam.
“Há pessoas que vão lá e se convertem, pessoas que encontram Deus, que mudam de vida”, disse ele. “Para isso, não há uma varinha mágica, e não se pode negar esse fato espiritual, pastoral.”
Talvez esse seja o coração do “marianismo clássico”: uma devoção apaixonada a Nossa Senhora, com uma preferência por expressões consagradas pelo tempo, ceticismo em relação aos toques taumatúrgicos e uma preocupação maior com as vidas transformadas do que com as revelações espetaculares.
Mais tarde neste mês, na Festa da Assunção, no dia 15 de agosto, quando Francisco deverá fazer um discurso especial no Ângelus ao meio-dia, poderemos muito bem ter outro vislumbre do “marianismo clássico” do papa em ação.
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Mensagem a Medjugorje revela “marianismo clássico” do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU