06 Agosto 2020
"O fermento, como o sal, só é notado quando se faz ausente. Um e outro têm a propriedade de trabalhar ocultamente no interior dos alimentos", escreve Alfredo J. Gonçalves, padre carlista, assessor das Pastorais Sociais e vice-presidente do SPM – São Paulo.
Inútil buscar nas páginas dos relatos evangélicos uma definição precisa e, digamos, conceitual ou acadêmica do Reino de Deus. Não a encontraremos. Apesar do elaborado esforço de João na alta teologia do Quarto Evangelho, particularmente de seu prólogo, Jesus não se exprime nem ensina com as categorias abstratas ou filosóficas do pensamento grego. Seu solo é antes a cultura semítica e sua linguagem é construída através de imagens, de comparações, de casos. Dirige-se aos ouvidos dos seguidores, sem dúvida, mas também aos olhos, às mãos e à ocupação diária da população local.
Em outros termos, o Mestre pensa e fala por meio de parábolas! Reflete e se manifesta a partir da substância concreta e palpável do cotidiano, de modo todo especial através de figuras conhecidas, ligadas, por exemplo, ao universo da agricultura, como podemos ver na parábola do semeador ou do vinhateiro; ao universo do pastoreio, como na parábola do rebanho, da ovelha perdida e do Bom Pastor; ao trabalho do mar e da pescaria, como na parábola da rede cheia de peixes bons e maus; e ainda ao universo mais íntimo da casa, da família e da culinária, como nas parábolas do pão e do fermento, da lâmpada acesa ou da moeda perdida e depois achada.
Limitemo-nos ao tesouro, à pérola e ao fermento. Trata-se daquilo que há de mais precioso nas entranhas de cada ser humano. Tesouro tem a ver com mistério oculto, tanto mais valoroso quanto mais secreto. Quando desvendado, e até por isso mesmo, deverá permanecer sempre em segredo, devido à sua natureza imaterial, única e irrepetível. O segredo representa o véu invisível que mantém o tesouro ao abrigo da curiosidade alheia, das especulações e sobretudo da cobiça dos mercadores. Um bem que relativiza todas as riquezas materiais, bem como a tentação do poder e a sede de fama, honra ou sucesso.
A pérola brilha não por sua própria luminosidade, mas na exata medida em que reflete a luz do universo e de seu Criador. Pedra rara e preciosa porque, ao mesmo tempo, recebe e distribui os raios desse centro misterioso de saber e paz, serenidade e harmonia. Sua riqueza não se encontra no resultado da compra e venda, e sim no próprio brilho que irradia e ilumina o caminho da fonte, do tesouro e da vida. Nada ou ninguém será capaz de substituir tal esplendor. Pois este último tem como origem o fogo do mesmo espírito que emana da face radiosa do Senhor de todos os bens.
O fermento, como o sal, só é notado quando se faz ausente. Um e outro têm a propriedade de trabalhar ocultamente no interior dos alimentos. Conferem força e sabor ao “pão nosso de cada dia”. Enquanto o sal tempera o gosto de todos os nutrientes, o fermento faz crescer a massa, numa espécie de milagre diário da multiplicação. A partir de dento, e sem qualquer tipo de espetáculo, age nas fibras mais secretas dos elementos que compõem a fabricação do pão. A exemplo da chuva fina, não se faz sentir nem provoca barulho. Mas é ela, a chuva fina, que alimenta e prepara a terra. A tempestade devasta, estraga e leva de arrastão os ingredientes que servem às plantas. Só a chuva fina será capaz de penetrar, irrigar, e nutrir o solo. De igual forma opera o fermento: no silêncio obscuro da massa, torna-a robusta e grávida para a colheita.
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Tesouro, pérola e fermento - Instituto Humanitas Unisinos - IHU