10 Mai 2019
Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 4º Domingo da Páscoa, 12 de maio (João 10, 27-30). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O capítulo 10 do Evangelho segundo João contém uma longa discussão entre Jesus e alguns fariseus que ele declara em uma situação de pecado, porque creem e dizem ver, enquanto na realidade não veem e não operam um discernimento acerca da identidade de Jesus e a qualidade da sua ação (cf. Jo 9, 40-41).
Com uma parábola, Jesus tenta lhes revelar que ele não é um ladrão, mas sim o pastor que entra e sai pela porta do ovil, não incognitamente, o pastor que caminha na frente das ovelhas que o seguem porque reconhecem a sua voz. A parábola, porém, não é compreendida e, então, Jesus faz declarações explícitas sobre si mesmo e sobre a própria missão: é ele a porta do aprisco; é ele o pastor bom que, a fim de proteger as ovelhas, está disposto a dar a sua vida, porque tem a capacidade de dar a vida pelas ovelhas e de recebê-las novamente do Pai (cf. Jo 10, 17). Essas palavras criam divisão entre aqueles que o escutam: alguns o julgam como um endemoninhado, outros reconhecem o seu agir repleto de salvação (cf. Jo 10, 19-21).
Naqueles dias, “em Jerusalém estava sendo celebrada a festa da Dedicação. Era inverno. Jesus passeava pelo Templo, andando no pórtico de Salomão. Então as autoridades dos judeus o rodearam e disseram: ‘Até quando nos irás deixar em dúvida? Se tu és o Messias, dize-nos abertamente’” (Jo 10, 22-24). Por isso, Jesus é forçado a retomar a palavra para denunciar que a situação de não fé nele se deve ao fato de que esses ouvintes não são suas ovelhas (cf. Jo 10, 26), não estão dispostos a acolher as suas palavras.
Nesse ponto, porém, devemos fazer uma observação de grande importância. Nas Sagradas Escrituras, pastores e ovelhas estão muito presentes, porque faziam parte da sociedade pastoral-agrícola em que a Bíblia surgiu. Ser pastor significava desenvolver um ofício que tinha grande relevância, e todos sentiam a figura do pastor como exemplar. Nós, hoje, estamos longe dessa situação, não conhecemos nem vemos, senão raramente, pastores que guiam o rebanho; e, sobretudo, as ovelhas não parecem capazes de nos representar.
Por esses motivos, as palavras de Jesus a esse respeito não são mais performativas como eram nos seus tempos na Palestina. Consequentemente, não me detenho tanto nas imagens do pastor e das ovelhas, mas gostaria de aprofundar os verbos utilizados, que, nas palavras de Jesus, querem nos comunicar uma mensagem sobre ele: sobre Jesus, ou seja, sobre um homem que viveu realmente entre nós, que era humano como nós, que deixou um traço indelével do seu comportamento no coração daqueles que “entraram e saíram com ele”.
Acima de tudo, Jesus diz que aqueles que o seguem são seus discípulos, “escutam a sua voz”. Essa é a atitude de quem crê: é uma pessoa que crê porque escutou palavras confiáveis. É o primeiro passo que o ser humano deve dar para entrar em uma relação: escutar, que é muito mais do que o simples ouvir. Escutar significa, acima de tudo, reconhecer aquele que fala a partir da sua voz, do seu timbre particular. Certamente, são necessários empenho e esforço, mas apenas fazendo discernimento entre quem fala é possível escutar aquela voz que nos chega na verdade e com amor. Toda a fé judaico-cristã depende da escuta – “Shema ‘Jisra’el! Escuta, Israel!” (Dt 6, 5; Mc 12, 29 e par.) – e tanto no Antigo quanto no Novo Testamento “a fé nasce da escuta” (fides ex auditu: Rm 10, 17). Para ter fé em Jesus, portanto, é necessário escutá-lo, com uma arte que permita uma comunicação profunda, que, dia após dia, cria a comunhão.
A segunda ação que Jesus apresenta como própria das suas ovelhas está resumida no verbo seguir: “Elas me seguem”. Materialmente, isso significa ir atrás dele onde quer que ele vá (cf. Ap 14, 4), mas segui-lo também conformando a nossa vida à sua, o nosso caminhar ao modo com o qual ele nos pede para caminhar (cf. 1Jo 2, 6). O pastor quase sempre está à frente do rebanho para lhe abrir o caminho para pastagens abundantes, mas às vezes também está no meio, quando as ovelhas descansam, e também sabe estar atrás, quando as ovelhas devem ser protegidas para que não se percam. Jesus assume esse comportamento para com a sua comunidade, para conosco, e nos pede apenas para escutá-lo e segui-lo sem precedê-lo e sem demora, com o risco de perder o caminho e a pertença à comunidade.
Nessa partilha da vida, nesse envolvimento entre pastor e ovelha, entre Jesus e nós, eis a possibilidade do conhecimento: “Eu conheço as minhas ovelhas”. Certamente, Jesus nos conhece antes de nós o conhecermos, também nos perscruta lá onde nós não sabemos nos perscrutar; mas, se olharmos para ele fielmente, se escutarmos e “ruminarmos” as suas palavras, então também nós o conheceremos. E, a partir desse conhecimento dinâmico, cada vez mais penetrante, eis nascer o amor, que se alimenta sobretudo de conhecimento. Cor ad cor, presença de um ao lado do outro, portanto, podemos dizer humildemente: “Eu e Jesus vivemos juntos”. Jesus é “o pastor bom” (Jo 10, 11.14), certamente, mas também o amigo e o amante fiel, poderíamos dizer: sentindo-nos por ele amados, conhecidos, chamados pelo nome, penetrados pelo seu olhar amoroso, então podemos decidir amá-lo de nossa parte.
O que, então, esperar de Jesus Cristo? O dom da vida para sempre e aquela convicção profunda de que estamos na sua mão e que, dela, ninguém jamais poderá nos arrancar. A mão de Jesus é mão que nos toca para nos curar; mão que nos levanta se cairmos; mão que nos atrai para si quando, como Pedro, afundamos (cf. Mt 14, 31); mão que nos oferece o pão da vida; mão que se apresenta a nós com os sinais de ter sofrido para nos dar a vida (cf. Lc 24, 39; Jo 20, 20.27); mão que nos abençoa (cf. Lc 24, 50), estendida para nós para nos acariciar e nos consolar. Eis aquela mão do Senhor que foi pintada várias vezes estendida ao ser humano, porque cada um de nós, para caminhar, precisa colocar a própria mão na de um outro. Só assim não nos sentimos sozinhos e, mesmo que não estejamos isentos de quedas ou desventuras, confiamos que somos sempre sustentados pelo Senhor, sempre em relação com ele.
Estas palavras do Kýrios ressuscitado – “Ninguém arrebatará as minhas ovelhas da minha mão, porque elas são o maior dom que o Pai me deu, o dom maior de todas as coisas” – são e continuam sendo, mesmo na noite da fé, mesmo nas dificuldades de caminhar à noite, aquilo que nos basta para nos sentirmos em relação com o Senhor. Mesmo se quiséssemos romper essa relação e mesmo se alguém ou algo tentasse rompê-la, nunca poderíamos ser arrebatados da mão de Jesus Cristo. O apóstolo Paulo, significativamente, gritou: “Quem nos separará do amor de Cristo? Talvez a tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a espada?” (Rm 8, 35). Não, nada e ninguém, “mas, em todas essas coisas somos mais do que vencedores por meio daquele que nos amou” (Rm 8, 37). E a mão de Jesus Cristo ressuscitado é a mão de Deus, porque ele e o Pai são um.
Mas devemos dizer: uma fé assim, embora pobre e frágil, desencadeia a aversão e a violência daqueles que não podem crer em Jesus. É por isso que, ao ouvir essas suas palavras, aqueles fariseus que acreditavam que viam bem pegam pedras para apedrejá-lo. (cf. Jo 10, 31). Onde há uma ação, um comportamento, uma palavra de amor, os homens religiosos veem uma blasfêmia, um atentado ao seu Deus, que eles gostariam que fosse um Deus sem o ser humano, contra o ser humano! De fato, eles amam mais a religião do que a humanidade, mais as ideias e a sua doutrina do que o humano, isto é, os irmãos ou as irmãs ao nosso lado na sua condição de pecado, de fragilidade: condição, justamente, própria dos humanos, que a mão de Deus deve salvar e levantar.
Jesus disse: “Eu sou o pastor bom”, “Eu sou um com o Pai”, mas, através do estilo com o qual viveu, ele também disse, não explicitamente, mas realmente, nos fatos: “Eu sou o homem, a humanidade (‘Ecce homo!’), porque também estou em total relação com os homens e as mulheres que estão no mundo. Sou o homem como Deus o quis, um com a humanidade, assim como eu sou um com o Pai”. Certamente, as palavras “Eu e o Pai somos um” são o ápice da revelação feita por Jesus sobre a sua relação com Deus, sobre a sua intimidade, sobre a sua comunhão com o Pai. Serão precisamente essas palavras que inspirarão a afirmação da divindade de Jesus no Concílio de Calcedônia. Palavras que eram escandalosas para os judeus, mas que são fundamento da fé para nós, discípulos desse Deus que se fez homem em Jesus de Nazaré, o nosso pastor.
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A mão de Cristo, o bom pastor - Instituto Humanitas Unisinos - IHU