23 Julho 2020
Alguns o interpretam como uma provocação, outros como um gesto de distensão após a acirrada polêmica das últimas semanas. O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, também incluiu o Papa Francisco na lista de convidados para a cerimônia de reabertura como mesquita do complexo de Hagia Sophia em Istambul. O convite ao papa foi confirmado por Ibrahim Kalin, porta-voz do presidente, à emissora de televisão CNN Turk.
A reportagem é de Salvatore Cerrnuzio, publicada por Vatican Insider, 22-07-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
No dia 24 de julho será realizado o evento que marca a reconversão oficial em mesquita daquela que originalmente era uma basílica bizantina símbolo do cristianismo no Oriente, depois transformada em mesquita no século XV com a vitória otomana, e por fim convertida em museu, em 1934, por decisão do primeiro Presidente turco Mustafa Kemal Ataturk.
A cerimônia coincidirá com uma grande oração de sexta-feira, com a presença de várias personalidades turcas e estrangeiras. Até agora, nenhuma informação veio do Vaticano sobre a resposta do Papa ao convite de Erdogan, mas não é difícil imaginar que Francisco não estará presente à cerimônia.
No domingo passado, 12 de julho, o papa interveio sobre a questão da reconversão de Santa Sofia, acompanhada em seu anúncio por inflamadas polêmicas, em especial pelos chefes das Igrejas ortodoxas que, geralmente divididas, acabaram concordando em estigmatizar o gesto do "sultão" como um ato que iria comprometer seriamente as relações entre o islã e o cristianismo. E talvez seja em virtude do vínculo com alguns patriarcas, primeiro aquele de Constantinopla, Bartolomeu I, a quem está ligado por uma fraterna amizade, que Francisco quis abordar o tema com poucas palavras de improviso pronunciadas com a testa franzida na janela do Palácio Apostólica no final do Angelus. "Penso em Istambul, em Santa Sofia e estou muito triste." Quase uma confissão pessoal que, no entanto, sintetizou claramente a sua posição.
Muitos aplaudiram a intervenção do Pontífice, incluindo representantes do mundo muçulmano. Os mesmos que agora, às vésperas da cerimônia oficial, voltam a criticar a escolha do Presidente Erdogan. A voz de maior autoridade é a de Mohamad Abdel Salam, secretário geral do Alto Comitê para a Fraternidade Humana, conselheiro especial do grande imã de al Azhar, que assinou uma carta escrita em apoio à solicitação do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) para que Hagia Sophia mantenha sua vocação de ser "um lugar de abertura, encontro e inspiração para pessoas de todas as nações e religiões".
"Apoiamos o seu apelo para que as divisões sejam evitadas e seja promovido o respeito e a compreensão recíprocos entre todas as religiões", consta na carta publicada pelo Sir, que exorta "todos a evitarem qualquer passo que possa minar o diálogo inter-religioso e comunicação intercultural e que possa criar tensões e ódios entre os seguidores de diferentes religiões, confirmando a necessidade da humanidade de priorizar os valores da convivência".
Na mesma linha, mas com tons mais veementes, três teólogos muçulmanos - autodefinidos como "kemalistas", ou seja, em linha com a visão de Kemal Ataturk, padre da moderna República da Turquia –, em um artigo no jornal turco "Birgun", afirmam que usar Hagia Sophia como um "instrumento político" é um "erro irreparável" que "destrói a mensagem de reconciliação e justiça do Islã, cujo significado é ‘paz’".
A presidente grega, Katerina Sakellaropoulou, também falou de "erro", e na segunda-feira teve uma longa conversa por telefone com o papa para convidá-lo a visitar a Grécia em 2021, exatamente Lesbos e Atenas (uma viagem que parecia já prevista para 2020), por ocasião dos 200 anos da revolução pela independência do Império Otomano. Na conversa, Sakellaropoulou insistiu que o Pontífice incentivasse os esforços internacionais para restaurar o status anterior de Santa Sofia, enfatizando as motivações políticas por trás da escolha de Erdogan que "distancia a Turquia dos valores de um estado secular e dos princípios de tolerância e pluralismo".
Enquanto isso, tudo está pronto para a cerimônia em 24 de julho: Hagia Sophia já mudou de rosto através de alguns estratagemas destinados a esconder as imagens cristãs durante a oração da sexta-feira. Por exemplo, a cortina que cobrirá os maravilhosos ícones de Maria Theotokos e do Arcanjo Gabriel, já que o culto islâmico não prevê a presença de imagens de seres vivos na área de oração. Inicialmente, pensou-se em recorrer a luzes a laser para obscurecer, mas a ideia logo foi descartada por medo de danificar as obras.
Segundo a mídia turca, a modalidade da cortina foi escolhida por especialistas para tornar rapidamente os mosaicos visíveis aos visitantes quando as cerimônias de culto tiverem terminado. Como disse Erdogan em um discurso à nação, a antiga basílica permanecerá aberta como museu para turistas estrangeiros e locais, excluindo visitas nos dias de preceito islâmico.
Contudo, os demais ícones que não são visíveis durante o culto deveriam permanecer descobertos, porque não estão na direção do 'qiblà, a Meca, para o qual os muçulmanos se voltam para orar. Finalmente, algumas fotos de trabalhadores atarefados com a colocação de tapetes verde-escuros circulam no Twitter desde ontem. Entre os comentários, teve também quem definiu essa escolha de "um crime".
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Erdogan convida o Papa para a reabertura da mesquita Hagia Sophia. Muçulmanos contra a escolha do presidente turco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU