21 Julho 2020
"No Brasil, poderíamos aproximar as práticas institucionais do ordoliberalismo ao marco regulatório das agências com setores econômicos privatizados, tal como formulado no auge da social-democracia dos anos 1990", afirma Bruno Cava Rodrigues, pesquisador associado à rede Universidade Nômade (uninomade.net) e professor de Filosofia, em artigo publicado em seu Facebook, 18-07-2020.
Segundo ele, "caberia também estudar o seu entretecimento com as ideias e propostas de um economista como Roberto Campos. Abertamente simpático aos neoliberais alemães do segundo pós-guerra, Campos foi presidente do BNDE no governo JK, quando contribuiu na formulação do Plano de Metas, e foi o segundo ministro do Planejamento do Brasil, no primeiro estágio da ditadura, tendo substituído Celso Furtado por ocasião do golpe militar, em 1964".
Foucault, analisa Bruno Cava, "levou a sério os neoliberalismos e não hesitou em atribuir a eles o estatuto de uma plena governamentalidade. Isto jamais aconteceu com o socialismo real, que teve de emular outras racionalidades. Em "O nascimento da biopolítica", Foucault realiza uma radiografia de racionalidades liberais que consegue conjugar esquematização e precisão. A tal ponto ele conseguiu que, até hoje, provoca suspeita em quem espera que o intelectual se restrinja a apontar o dedo para amigos e inimigos".
Com frequência, lê-se que o neoliberalismo seria um credo, um ideário, uma doutrina. Como se houvesse um bloco de discursos e valores representativo do neoliberalismo. Estaríamos numa era de hegemonia neoliberal, isto é, esses discursos e valores constituiriam a ideologia global predominante.
Então, por consequência lógica, seria o caso de defender um outro bloco axiológico-discursivo, possivelmente mais emancipador, ou talvez mais científico e rigoroso, para guarnecer a luta contra-hegemônica.
Tal colocação do problema é alusivamente idealista, no mau sentido dado pela filosofia de Marx, para não dizer imediatamente relativista.
Parte da premissa que existiriam à disposição diferentes conjuntos de princípios e ideias para cada indivíduo escolher, entre ser neoliberal ou antineoliberal. Como o neoliberalismo é o mal a ser combatido, a escolha por esse conjunto de valores e ideias só poderia ter sido causada por uma vontade maliciosa ou ignorante, em um e outro caso viciada pela má fé ou pelo erro.
Pois a reta razão esclarecida, comprometida com a justiça social, necessariamente se colocaria na trincheira contra as artimanhas do Neoliberalismo.
O problema das críticas idealistas é que criticam o que os ideais *não fazem*, ao invés das práticas associadas a eles, ao que efetivamente é feito. Concentra-se antes nas falsas promessas e ilusões sedutoras, do que no modo concreto como funcionam.
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No curso "O nascimento da biopolítica" (1979), evitando a falta de crítica na crítica do neoliberalismo, Michel Foucault vai analisá-lo não como ideário ou ilusão, mas como governamentalidade (governo + mentalidade). Ou seja, como prática de governo e regime de verdade.
Foucault começa a análise do neoliberalismo pelo ordoliberalismo, que emergiu na Alemanha Ocidental do segundo pós-guerra. Escola de pensamento aglutinada ao redor da revista Ordo, fundada em 1948, seus intelectuais foram os principais formuladores da nova ordem econômica que ficou conhecida como Economia Social de Mercado.
Foucault não escolhe iniciar suas preleções sobre o neoliberalismo com a escola ordoliberal por acaso. É que o ordoliberalismo foi o primeiro neoliberalismo que historicamente funcionou, o primeiro a galgar eficácia e duração.
Faça-se um balanço geral positivo ou negativo dos ordoliberais alemães, como Walter Eucken ou Franz Böhm, o fato é que informaram a política econômica do governo de reconstrução encabeçado pelo chanceler Konrad Adenauer, entre 1949 e 1963.
Depois de quatorze anos de duração contínua, Adenauer foi sucedido por seu ministro da fazenda, ele próprio um ordoliberal declarado que, na década anterior, havia liderado o Milagre Econômico na Alemanha Ocidental.
O ordoliberalismo alemão é baseado numa premissa simples: o bom funcionamento econômico é a base para a estabilidade política. Num país devastado e ocupado por forças estrangeiras, organizar um espaço econômico com liberdade e confiabilidade tinha a função de refundar o estado alemão.
No liberalismo clássico, é preciso formar um espaço econômico abrindo brechas num terreno político super-saturado pelos poderes leviatânicos do Antigo Regime. O mercado precisa escandir algum espaço em meio às monarquias nacionais soberanas.
Já no ordoliberalismo, a missão se inverte, o espaço político se encontra num total vazio de poder e traumatizado pela experiência totalitária. Passa a ser necessário recomeçá-lo a partir da economia. Como, depois da guerra, não sobrara legitimidade alguma no poder soberano nacional, então a economia ganhou o papel de legitimação da política.
Recentemente, voltou à tona o debate mais antigo sobre se o nazismo é de esquerda ou de direita. Bastante vulgarizada nos debates de rede social polarizados entre Carta Capital e Instituto Mises, essa discussão remonta ao ordoliberalismo alemão, que a abordou de maneira bastante séria. Foucault esquematiza a querela na quinta aula do citado curso no Collège de France.
Dentro do objetivo maior da reconciliação europeia, o norte dos economistas ordoliberais consistia em levantar mecanismos defensivos tanto contra o socialismo quanto o fascismo. A nova economia deveria contar com um quadro institucional e jurídico desenhado para evitar a formação de extremos. O diagnóstico de Eucken era que nazifascismo e socialismo real tinham uma raiz comum: o agigantamento da vontade do Estado.
Foucault não coincide nesse diagnóstico, como vou expor. Porém, em vez de descartá-lo como ideologicamente motivado, o professor apresenta os compassos e descompassos do raciocínio histórico e conceitual subjacente.
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Para a escola ordoliberal alemã, são basicamente quatro pontos que fazem nazismo e socialismo convergirem em seu funcionamento estatista.
1) O desenvolvimentismo
Na década de 1840, Friedrich List fundou o movimento intelectual nacional-desenvolvimentista. Crítico de Adam Smith, o economista classificava o liberalismo como uma camuflagem do imperialismo britânico. A Inglaterra promovia por toda parte o livrecambismo simplesmente porque era hegemônica no comércio mundial. Quanto menos barreiras e entraves ao livre comércio, mais ela poderia consolidar sua posição privilegiada nos termos da troca.
O liberalismo clássico não passaria assim de um falso universalismo, que camuflava o interesse nacional da primeira potência. No fundo, portanto, a crítica liberal à razão de estado era hipócrita, pois instrumental à consolidação do domínio do mercado internacional que permitia a um estado particular se apresentar como representante do progresso de todos.
Com essa leitura, List vai defender o interesse nacional de países mais atrasados em sua inserção na economia mundial, como a Alemanha. Esses países emergentes tinham interesse em opor-se ao livre comércio, para ter alguma chance de afirmar seu próprio poder nacional. Daí a sua defesa de medidas protecionistas: barreiras alfandegárias, políticas de subsídio industrial, reservas de mercado, e aliança com o capital produtivo pátrio.
2) O socialismo de estado de Bismarck
A unificação alemã se deu apenas em meados do século XIX, pelas mãos do Chanceler de Ferro e centrada na nobreza militarista e imperialista da Prússia. Num primeiro momento, Bismarck aliou-se com os liberais anticlericais para contrastar o excessivo poder que ele atribuía à Igreja. A tentativa, no entanto, foi politicamente malfadada.
No quadro dos tumultos da Longa Depressão eclodida em 1873, o Partido da Social-Democracia Alemã (SPD) começa a ganhar terreno e, em 1875, lança um programa socialista explícito, o Programa de Gotha.
Bismarck muda a estratégia, decide assumir uma linha antiliberal e termina por se aliar com os nacionalistas conservadores. Em 1878, o SPD é colocado na clandestinidade.
Na década de 1880, para ganhar o apoio das classes trabalhadoras, Bismarck anuncia sua política de welfare. Ele a intitula Socialismo de Estado (Staatssozialismus) e inclui um pacote de benefícios sociais e trabalhistas (seguros de saúde, invalidez, aposentadoria etc).
Com isso, Bismarck associa o seu plano de proletarização industrial ao de germanização, isto é, a conversão de um país multiétnico fragmentado numa nação culturalmente unificada pela mitologia pan-germanista.
O leitor repare como o socialismo estava em questão entre os nacionalistas de direita e o SPD, que professava uma linha mais próxima do marxismo.
A estratégia bismarckiana teve êxito somente parcial, pois os socialistas de esquerda continuaram crescendo, reconquistando o direito a participar da política, em 1890.
3) A escola econômica histórica
Quando da virada antiliberal de 1880, os economistas mais associados ao interesse nacional alemão ganharam espaço para participar da formulação da política econômica. Isso alijou os ortodoxos neoclássicos de suas ligações com o poder político, e em contrapartida trouxe as ideias de List ao centro do palco.
A tradução acadêmica desse embate se deu numa disputa nos meios públicos entre a Escola Histórica e a Escola Austríaca (neoclássica) que ressoa até hoje.
Enquanto os historicistas liderados por Schmoller denunciaram os neoclássicos por estarem vivendo num mundo abstrato reduzido ao cálculo matemático, em nome de uma economia axiomático-dedutiva; os neoclássicos liderados por Carl Menger tacharam os historicistas de metafísicos hegelianos anticientíficos que não poderiam sequer ser chamados de economistas.
O pano de fundo dessa polêmica verbalmente violenta foi também uma divisão epistemológica a respeito da ênfase metodológica para a Economia: a) numa ciência descritiva, parametrizada e positiva; ou b) numa ciência aplicada, normativa e mais voltada à formulação das políticas econômicas?
4) A crítica ao capitalismo tardio
Na geração seguinte, um dos últimos intelectuais ligados à Escola Histórica foi Werner Sombart. Em sua obra magna, ele inventa a expressão "capitalismo tardio".
A sua interpretação da história do capitalismo se divide em quatro etapas, sendo que a última, que corresponde ao crepúsculo, havia começado com o final da Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
Essa leitura ecoa com a interpretação spenceriana e decadentista de Nietzsche com relação ao ocaso do ocidente: seríamos os últimos homens de uma cultura mortificante. O livro de Spencer é de 1918.
Segundo Sombart, a sociedade capitalista estaria esgotada de meios vitais e prestes a ser destronada. No começo do século XX, o capitalismo havia adentrado no limiar de sua própria superação.
O diagnóstico também ressoava com as leituras de conjuntura da 3ª Internacional, para quem o capitalismo monopolista que antecedeu a Grande Guerra tinha levado as potências imperialistas a um ponto sem retorno de conflagração. O trem da história passava diante da aceleração das guerras civis e das revoluções proletárias.
No caso de Sombart, a extenuação era sobretudo de ordem cultural, uma crise de valores. A lógica de arrasamento do capitalismo teria precipitado a debilitação sistemática e o envelhecimento existencial. O capitalismo tardio tinha culminado numa sociedade uniformizada e homogênea, quantificadora, mesquinha, na massificação.
Foucault aí identifica a passagem do fio condutor que, depois das duas guerras mundiais, tramaria a crítica ao capitalismo por dialéticos frankfurtianos como Marcuse, Adorno ou, mais recentemente, Fredric Jameson. A crítica da razão instrumental, do homem unidimensional, do aviltamento sistemático da cultura humanística. Tudo isso já está lá, embrionário, na obra ambivalente de Sombart.
O problema é que, num primeiro momento, Sombart aproximava a sua crítica sociocultural à do marxismo, sobretudo à dialética materialista de Engels. Com o passar do tempo, contudo, Sombart começa a derivar para uma crítica centrada na figura do capitalista judeu, que para ele representava o personagem calculador, poupador e apequenador do utilitarismo burguês. Até, em 1934, manifestar simpatias ao regime nazista, no qual o autor antiliberal punha o acento no "socialismo" em "nacional-socialismo".
Sombart chegou a teorizar o nascimento de um Socialismo Alemão, que resgataria a sociedade da degeneração de suas potências vitais, criadoras, míticas. Era necessário superar a alienação burguesa e reatar a comunicação direta do ser humano com a natureza vital, as energias da terra, as pulsações do povo.
Obviamente, o socialismo implicado no III Reich era entendido por Sombart como um socialismo de direita, se por esquerda entendermos as lutas operárias na Alemanha e o SPD de Rosa Luxemburgo. Assim como era de direita o Socialismo de Estado de Bismarck, um projeto de socialização industrialista e nacionalista.
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Em consequência, o ordoliberalismo resolveu afirmar um novo liberalismo, contrastando as tendências antiliberais que seus economistas identificavam nas políticas de socialização produtiva, planificação estatal ou de ligação direta e imediata entre o povo e seus líderes.
A proposta ordoliberal consistia em interpor um sistema extensivo e intrincado de mediações, entre a política e a economia.
Foucault se distancia do diagnóstico quanto ao caráter estatizante do nazismo. Em paralelo a outros filósofos como Deleuze e Guattari, Foucault desenvolve a tese que o fascismo é um fenômeno molecular, ou seja, a ascensão do nazismo se deu como uma proliferação horizontal de poderes sociais, ao lado das instâncias estatais.
Não seria um totalitarismo de estado, mas sim quando o Partido suplanta todas as demais instituições e se torna subjetivamente pervasivo, como que vazando por todos os poros da consciência da nação.
Nesse esquema, o fascismo é estruturado pela coligação de microfascismos e, em teoria, pode ser de qualquer coloração ideológica.
Para os ordoliberais, não. O nazismo é produto do império de um Sujeito estatal cuja vontade se sobrepõe a todos os grupos sociais e aos indivíduos. Em termos de ordem socioeconômica, os formuladores ordoliberais entendem que existe uma convergência sinistra não só entre a URSS estalinista e a Alemanha hitlerista, como também nos programas de planificação keynesiana, como o Plano Beveridge inglês ou o New Deal norte-americano.
Por isso, os primeiros neoliberais recusam para a reconstrução da Alemanha qualquer possibilidade de replantar as sementes estatistas do desastre, considerando tais experiências centralizadoras de desenho institucional como parte inseparável do problema que levou o país à ruína.
Ao mesmo tempo, os ordoliberais abraçam a crítica ao liberalismo clássico. Este formaria instituições impotentes para lidar com a tendência moderna de concentração de poder que totaliza a sociedade na política das massas. Criticam assim o liberalismo clássico ou paleoliberalismo, distanciando-se do adágio do laissez-faire dos fisiocratas, ou do princípio de autorregulação dos mercados que, a essa altura, já era lugar comum na interpretação da multifacetada obra de Adam Smith.
As prescrições de política econômica do neoliberalismo se concentram na moldura para as regras do jogo. Daí a importância de uma armadura institucional suficientemente rígida, dentro da qual a ordem política poderia funcionar. Disso deriva a importância de segurança jurídica e de um tribunal constitucional voltado à contínua vigilância dos Poderes Executivo e Legislativo, bem como a divisão de autonomias entre política fiscal equilibrada pelo governo, e política monetária anti-inflacionária, tarefa para um banco central independente.
Nessa mesma toada, a garantia e a defesa de uma moeda forte, o Deutschesmark, deveria credenciar a economia da confiança de sua população e dos investidores internacionais. Num país que sofreu com a hiperinflação, a reforma monetária foi um dos pilares para a estabilidade política do governo de reconstrução.
Não poderia ser reaberta nenhuma margem para populismos e voluntarismos, nenhum atalho "constituinte", mais nenhuma solução mágica em discursos abestados de salvadores de pátria.
Outro componente para a estabilidade foi redimensionar o socialismo de estado bismarckiano e o welfare state nazista na forma de uma política social compensatória. Como se entendia que a racionalidade capitalista levava a desequilíbrios sociais, era preciso assegurar um colchão de assistência. O objetivo é anular os efeitos anticoncorrenciais da desigualdade.
O desenho do programa ordoliberal, por conseguinte, se pauta por reconduzir os assistidos à condição de competitividade e, ao mesmo tempo, moderar o custo fiscal das políticas. Por exemplo, privilegiando regimes de capitalização previdenciária, seguros-desemprego condicionados ao retorno ao mercado (workfare), e medidas focalizadas aos mais pobres.
Na ordem econômica, diferente dos liberais clássicos, a ideia-força não é o mercado, mas a concorrência. Foucault aponta aí uma modificação do regime de verdade. A formação dos preços não se dá mais naturalmente através dos mecanismos finalísticos e imanentes das trocas. É preciso uma política ativa de construção de um espaço de liberdade econômica para que a concorrência maximizadora possa florescer.
Daí a dosagem das políticas econômicas de reconstrução da Alemanha. Não mais pautadas pela busca do laissez-faire da autorregulação dos mercados, mas por um regulacionismo que recusa, ao mesmo tempo, a intervenção voluntarista da política e a ausência de qualquer intervenção. Na verdade, era preciso erigir um maquinário jurídico-institucional capaz de assegurar, à parte da política partidária, o funcionamento do espaço concorrencial.
A intervenção dos políticos frustraria o ambiente competitivo para os negócios, pois dá azo a clientelismo, nepotismo e toda sorte de favorecimento a grupos de interesse. Há aí inclusive uma blindagem ao excesso de democracia, pois a ordem econômica constitucional não pode se dobrar à tirania das maiorias, que poderiam ser manipuladas pelos populismos de ocasião.
Por isso, seguir as cartilhas e reduzir o neoliberalismo à defesa da desregulamentação é simplesmente errado. Em verdade, é uma proposta fortemente regulacionista, um tipo paradoxal de intervencionismo liberal.
A regulamentação, contudo, não deve ser construída ao redor do Estado e de suas disputas político-ideológicas, o que seria flertar com a instabilidade. Em vez disso, é caso de uma regulamentação constitucional ou societal, capaz de prover arquitraves para o bom funcionamento econômico da concorrência.
O arsenal de ferramentas teóricas dos ordoliberais, como Eucken ou Bohm, é bastante elaborado e impressiona à primeira vista de quem está acostumado a ler sobre neoliberalismo em livrinhos militantes.
Herdeiros da filosofia da fenomenologia de Edmund Husserl, da mesma universidade de Freiburg em que se formaram, os teóricos do ordoliberalismo alemão aplicam à economia o método da 'redução eidética', que busca artificialmente erigir um sistema de interdependência entre as diversas formas econômicas.
O objetivo é calibrar as várias regulações imanentes para alinhar os objetivos da política econômica à multiplicidade de agentes produtivos. Sai de cena o naturalismo ilustrado dos mercados, entra em cena a fenomenologia dos espaços de regulação.
O êxito relativo do projeto ordoliberal como política econômica na Alemanha Ocidental, de 1948 até meados dos anos 1960, disseminou o pensamento econômico pelo mundo. Ele pode ser encontrado em pedaços por praticamente toda a parte.
No Brasil, poderíamos aproximar as práticas institucionais do ordoliberalismo ao marco regulatório das agências com setores econômicos privatizados, tal como formulado no auge da social-democracia dos anos 1990.
Caberia também estudar o seu entretecimento com as ideias e propostas de um economista como Roberto Campos. Abertamente simpático aos neoliberais alemães do segundo pós-guerra, Campos foi presidente do BNDE no governo JK, quando contribuiu na formulação do Plano de Metas, e foi o segundo ministro do Planejamento do Brasil, no primeiro estágio da ditadura, tendo substituído Celso Furtado por ocasião do golpe militar, em 1964.
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No curso de 79, Foucault pondera que há uma extrapolação da crítica ordoliberal ao Estado que termina, pela via transversa, operando com o mesmo conceito de Estado dos adversários keynesiano-planistas.
A antítese retórica ao estatismo termina por sobrevalorizá-lo, no momento em que as práticas de liberdade do neoliberalismo já desmontaram os principais mecanismos que davam vida ao poder político dirigente, antes do período das guerras.
Daí o enfoque das lições foucaultianas no funcionamento das tecnologias de governo, em vez de ficar pinçando discursos e galhos linguísticos para marcar 'easy points'.
O rechaço discursivo ao estatismo por parte dos ordoliberais, em parte, seria derivado da experiência totalitária. O trauma histórico teria conduzido a uma inversão do movimento pendular, provocando a angústia do estado ou estadofobia. Defender interesse nacional ou poder soberano na Alemanha, afinal, evoca até hoje tristes figuras.
Entretanto, apesar das pontuações, o filósofo levou a sério os neoliberalismos e não hesitou em atribuir a eles o estatuto de uma plena governamentalidade. Isto jamais aconteceu com o socialismo real, que teve de emular outras racionalidades.
Em "O nascimento da biopolítica", Foucault realiza uma radiografia de racionalidades liberais que consegue conjugar esquematização e precisão. A tal ponto ele conseguiu que, até hoje, provoca suspeita em quem espera que o intelectual se restrinja a apontar o dedo para amigos e inimigos.
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Era o nazismo socialista? O argumento ordoliberal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU