08 Julho 2020
“Estou perto com muito afeto à sua esposa Maria e à família ao lembrar o Maestro Ennio Morricone: entrego-o a Deus para que seja recebido na harmonia celeste, talvez atribuindo a ele a tarefa de levar algumas partituras a serem executadas pelos coros angelicais”. É um tweet afetuoso com o qual o cardeal Gianfranco Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, lembra o grande compositor que faleceu ontem, com que ele mantinha amizade nos últimos anos.
A entrevista com Gianfranco Ravasi é editada por Angela Calvini, publicada por Avvenire, 07-07-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eminência, como conheceu Ennio Morricone?
Meu primeiro conhecimento indireto sobre Morricone foi, é claro, a sua música. Há um fio sonoro que acompanhou a maior parte da minha vida, quantas músicas de cinema eu já ouvi, desde Por um punhado de dólares a Uccellacci e uccellini, Era uma vez no Oeste, a Missão. A primeira vez que o ouvi ao vivo foi em 2007, quando ele conduziu a Filarmônica da Scala em Milão, em um evento de caridade para a Associação Dom Giuseppe Zilli. Desde então, nos encontramos várias vezes.
Vocês também colaboraram em alguns projetos culturais?
O primeiro encontro significativo foi em 11 de novembro de 2010. Eu o havia convidado para a assembleia plenária do Dicastério, na qual se encontram cardeais, bispos e intelectuais de todo o mundo. No debate moderado por mim, Morricone estava em diálogo com Roland Joffé, o diretor do filme A Missão, sobre o tema da cultura da comunicação e das novas linguagens. Ele fez uma intervenção livre sobre dois caminhos que ele sempre tentou seguir e que pertencem à escuta e à visão. Ele tinha a capacidade única de criar músicas que permitiam intuir uma imagem. Vamos pensar no filme A Missão: sua trilha musical é inexoravelmente necessária para aquela figura missionária. Ou para Totò em Uccellacci e Uccellini, que se move daquela maneira, graças às notas de Morricone.
Seus encontros com o maestro também produziram obras musicais?
Em 2012, eu o indiquei para o prêmio que o Pontifício Conselho da Cultura concedia por ocasião de uma grande feira polonesa de arte sacra em Kielce. Em vez de dirigir uma de suas obras já publicada, Morricone me escreveu: “Gostaria de executar uma cantata composta pelo nosso grande Karol Wojtyla intitulada Entre céu e terra, meditação para o Papa João Paulo II em quatro partes. Seria uma grande homenagem a um grande papa já falecido”. Ele a dirigiu em um auditório imenso e lotado, com uma força impressionante.
O amor de Morricone pela música sacra é um aspecto menos conhecido ...
Ele estava muito apaixonado pelo Papa Francisco e compôs uma Missa Papae Francisci para o bicentenário da restauração da Companhia de Jesus e a executou na Igreja del Gesù, em Roma, em 2015. Seu sonho era dirigi-la a São Pedro durante uma celebração litúrgica com o Papa. Um sonho que não era praticável porque sua Missa era bastante longa. Não gostou muito. Seu desejo era também compor música sacra. De qualquer forma, sua missão era elevar o espírito também através da música dos filmes.
Morricone discutia com o senhor também sobre temas da fé?
Ele tinha uma forte religiosidade popular com alguns questionamentos. Ele declarava ser católico sem hesitação. Tinha uma fé muito profunda e convicta, mesmo com algumas perguntas ingênuas. Principalmente, ultimamente ele me consultava sobre a outra vida. O último encontro foi em 15 de abril do ano passado, quando lhe entreguei a Medalha de Ouro do Pontificado. Ele gostaria que lhe fosse entregue na igreja, em Sant'Agnese in Agone, durante a execução da Paixão segundo João de Bach. Ele estava muito emocionado. Naquela ocasião, ele me disse: "Vamos torcer para que não façam grandes comemorações pela minha morte". E, de fato, o funeral será realizado de forma privada.
Que homem era o Maestro Morricone?
Ele era um homem extremamente simples, inclusive ao falar era essencial, mas procurava o melhor, tinha um forte senso da beleza. Minha última lembrança é a felicidade e a emoção por ter recebido essa medalha de ouro. Ao lado dele, sua esposa Maria, uma pessoa muito delicada a quem Ennio Morricone era muito grato por ser seu ponto de referência. "A única pessoa que me julga de maneira correta e em quem confio mais do que na maioria dos críticos é minha esposa, porque ela representa o público", ele me dizia. Ela fazia Maria ouvir suas obras antes de todos e ela julgava também com severidade. Foi o único amor da vida dele e se podia ver como era delicada a ternura que os unia.
Eminência, hoje você deseja que ele escreva uma partitura para os anjos ...
O teólogo Karl Barth disse que, segundo ele no Paraíso, quando anjos e santos executam a liturgia celestial, tocam Bach. Depois eles vão para seus quartos e ouvem Mozart, e Deus aparece escondido para escutar. Idealmente, espero que, em seus quartos, os santos e os anjos, além de Mozart, hoje ouçam Morricone.
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Ravasi: Ennio Morricone – a missão cumprida por um talento - Instituto Humanitas Unisinos - IHU