11 Junho 2015
Foi preciso o Papa Francisco para convencer Ennio Morricone a escrever uma missa. Parece estranho, mas, aos 86 anos, com mais de 500 trilhas sonoras e uma centena de partituras clássicas compostas em 60 anos de carreira, o musicista Prêmio Oscar nunca tinha escrito uma missa, "que sempre é uma etapa fundamental no percurso de um compositor, uma passagem fundamental, como nos ensinam os grandes, de Mozart a Schubert, passando por Bruckner", conta Morricone.
A reportagem é de Pierachille Dolfini, publicada no jornal Avvenire, 10-06-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nessa quarta-feira às 18 horas, na igreja romana do Gesù, debutou em estreia absoluta a Missa Papae Francisci. Anno duecentesimo a Societate Restituta (Missa do Papa Francisco. Nos 200 anos da Restauração da Companhia de Jesus, em tradução livre). Página para coro duplo e orquestra, que verá o próprio Morricone no pódio para dirigir a Roma Sinfonietta e os coros da Accademia di Santa Cecilia e da Opera di Roma. "Alguns dias atrás, estive no Vaticano para levar a partitura ao papa."
Eis a entrevista.
Como foi o encontro com Francisco?
Olhamo-nos por um longo tempo, em silêncio. O papa me olhava, esperava que eu lhe contasse sobre a minha missa. Eu lhe mostrei a primeira página da partitura onde as notas desenham uma cruz: uma linha confiada a tubas e trompetes formam o braço vertical da cruz; nessa linha, em certo ponto, insere-se toda a orquestra, que desenha o outro braço. O Papa Francisco logo me conquistou, porque logo caracterizou o seu ministério dando uma virada na Igreja, tentando corrigir as distorções que também existem. Um caminho que ele pôde percorrer, porém, por causa do grande trabalho preparatório feito por Bento XVI.
Como nasceu o projeto dessa "Missa"?
A minha esposa, Maria, com quem estou casado desde 1956, sempre me pediu para escrever uma missa. Mas eu nunca fiz. Então, uma manhã, saindo de casa, eu encontrei o padre Daniele Libanori, reitor da igreja do Gesù, que está a dois passos da minha casa em Roma e que muitas vezes eu frequento. O jesuíta me pediu para escrever uma partitura para celebrar os 200 anos da reconstituição da Companhia de Jesus. Era 2012. Eu tomei um pouco de tempo para pensar. Enquanto isso, foi eleito o Papa Francisco, o primeiro pontífice jesuíta. Eu disse que sim e pensei em dedicá-la a ele. E também a minha esposa Maria. Assim nasceu a Missa Papae Francisci. Anno duecentesimo a Societate Restituta, que adquire um valor ainda maior para mim, que sempre fui uma pessoa religiosa, crescido em uma família católica e com essa característica de que sempre marcou a minha vida.
Como você trabalhou para musicar o Ordinarium da missa, texto com o qual os maiores se defrontaram?
Eu tentei pôr em campo toda a minha experiência musical, fazer vir à tona claramente o meu estilo. Não me fantasiei de Palestrina ou de Bach, mas quis que a minha assinatura estilística fosse bem reconhecível. Há um instrumental orgânico típico das minhas partituras, com trompetes e trombones, muitas percussões, violoncelos e contrabaixos, mas nenhum violino. Além disso, quis um coro duplo para me reconectar com o ensinamento do Concílio de Trento. Musicalmente, ela se apresenta como uma partitura modal, que usa a série das sete notas. Uma superação da monodia gregoriana para dar espaço para a polifonia de vozes, em um clima de serenidade e reconciliação. O Kyrie rompe o silêncio, introduz o ouvinte no clima litúrgico, mas também prepara a explosão alegre do Gloria. A sorte da música é que é uma arte que não deve ser explicada, apenas interpretada pelos ouvintes com base nas emoções que os sons despertam neles. Olhei para Monteverdi e Frescobaldi, mas também para Stravinsky. E, especialmente, para o meu mestre, Goffredo Petrassi, que escreveu páginas espirituais intensas como Noche Oscura e o Salmo 9.
Nessa "Missa", há também o Morricone que escreve para o cinema?
Há uma dupla citação, no início e no fim do trecho, confiada ao coro: ouvem-se ecos da trilha sonora do filme A missão. No filme de Roland Joffé, contava-se o massacre dos índios por parte dos espanhóis e portugueses, e a obra dos jesuítas em terra de missão. Um filme ambientado em 1750, pouco antes que, em 1773, fosse decidida a supressão da Companhia de Jesus. Estou feliz porque, com essa missa, fecha-se um círculo, porque eu celebro os 200 anos da reconstituição, que ocorreu em 1814, da Companhia.
O celebérrimo tema Gabriel’s Oboe, de A missão, muitas vezes ressoa nas nossas igrejas.
Mas toda a minha música sempre teve em si algo de sacral. Para explicar o porquê devo ir com a mente aos anos 1960, às minhas primeiras trilhas sonoras. Eu trabalhava com Luciano Salce, para quem eu assinei as músicas para Il federale. Depois de alguns anos de colaboração, Luciano me disse: "Percebi que você tem uma linguagem sacral e mística, que pouco se adapta a tramas cômicas como as minhas. A nossa colaboração termina aqui". Permanecemos como bons amigos, mas eu não escrevi mais trilhas sonoras para ele. A sua reflexão me fez pensar. Tanto é verdade que, na minha poética, eu sempre encontrei algo de sacral e de místico, até nas trilhas sonoras que eu escrevi para os westerns de Sergio Leone. Também escrevi páginas propriamente sacras. Em 1966, um Requiem; no início dos anos 1990, escrevi uma Via Crucis; em 1995, uma Ave Regina Caelorum; em 2008, Vuoto d'anima piena, para a Catedral de Sarsina.
Depois da Missa Papae Francisci, há alguma outra página sacra que você gostaria de musicar?
Não é propriamente sacra ou litúrgica, mas eu gostaria de escrever algo sobre a Divina Comédia de Dante e, particularmente, sobre o Paraíso. Mas não quero pôr em música os versos, já musicais e perfeitos, mas construir algo que percorresse novamente a concepção dantesca do Paraíso, uma ideia de subida para a contemplação do mistério. Pedi um livreto, prepararam-no para mim, mas era cheio demais dos versos de Dante. Assim, desisti do projeto.
Você poderia retomá-lo, já que se celebram os 750 anos do nascimento do poeta...
Não descarto isso. Por enquanto, porém, tenho sobre a mesa a trilha sonora para o próximo filme de Giuseppe Tornatore.
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''A minha missa para Francisco'', Entrevista com Ennio Morricone sobre a sua nova obra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU