16 Junho 2020
A defesa dos migrantes e refugiados tem se tornado uma bandeira de luta do Papa Francisco, uma atitude que ele quer fazer presente na Igreja, chamada a ser hospital de campanha para tanta gente que sofre as consequências de um mundo injusto. Ser uma Igreja que acolhe, integra, defende os direitos dos migrantes deve ser uma atitude sempre presente.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
Trabalho da Pastoral do Migrante, em Manaus. Foto: Arquivo Irmã Santina Perin
A Igreja do Brasil está celebrando de 14 a 21 de junho a Semana do Migrante, com o tema Migração e acolhida, que em 2020 está na 35ª edição, e que faz uma pregunta que deve ressoar nas comunidades cristãs e na própria sociedade brasileira: “Onde está teu irmão, tua irmã?”. A semana acontece num cenário mundial de crescentes fluxos migratórios, uma realidade que tem se visto agravada pela crise sanitária e social que se intensificou para a população migrante com a pandemia de Covid-19.
O desafio que a Igreja deve enfrentar é encontrar novas metodologias pastorais para acolher os migrantes, protege-los da xenofobia e de todas as formas de marginalização e atuar para que sejam garantidos e implementados seus direitos fundamentais, sobretudo na saúde, neste tempo de crise do coronavírus. Não podemos esquecer que as migrações são fruto de um sistema capitalista que reproduz relações desiguais, injustas e opressoras, em que os migrantes são vítimas, muitas vezes criminalizados. Muitas dessas migrações, como acontece na Amazônia, são consequência dos grandes projetos economicistas: mineradoras, garimpos, hidroelétricas, madeireiras, agronegócio, que expulsam os povos de seus territórios e promovem grande devastação, contaminação da terra, do ar e das águas.
Trabalho da Pastoral do Migrante, em Manaus. Foto: Arquivo Irmã Santina Perin
Junto com isso, a migração faz com que muitas mulheres se tornem vítimas do tráfico de pessoas, uma realidade que atualmente combate a irmã Santina Perin, que faz parte da Rede um Grito pela Vida. Depois de mais de 20 anos de missionária no Haiti, a religiosa do Imaculado Coração de Maria, chegou em Manaus no final do ano 2010. Desde sua chegada começou trabalhar com os migrantes haitianos. No início, segundo a religiosa, “era a tradutora, não tinham ninguém em Manaus que falasse creole e nenhum deles falava português”.
Como ela lembra, “ia para cima e para baixo, nos hospitais, falando com os médicos, consultando os haitianos pelo telefone, eu perguntava para o doente o que ele sentia e repassava para o médico, que passava os remédios e eu explicava para o haitiano”. Aos poucos, os haitianos foram se espalhando pelo Brasil, encontrando trabalho em empresas do sul do Brasil, principalmente Rio Grande do Sul e Santa Catarina. A irmã Santina diz que “vinham em Manaus para contratar haitianos, frigoríficos, construção civil, meu trabalho era traduzir para os haitianos que tipo de trabalho estavam oferecendo, intermediava entre eles e os representantes das empresas”.
Desde a pastoral dos migrantes “nunca deixamos partir um grupo sem saber direitinho para onde eles iam, para impedir o tráfico e impedir a exploração”, segundo a religiosa. Ela afirma que “não poderia ser muito longe da polícia federal, eles tinham que se apresentar a cada três meses, e ter aceso ao telefone, para poder falar com a família”. Ao mesmo tempo, em Manaus, “tinha gente que procurava empregadas domésticas em troca de comida e roupa”, o que não era aceito pela irmã Santina Perin. Diante dessas situações, “a gente dizia, comida e roupa eles tinham no Haiti, eles vieram para tentar uma vida mais digna. Tinha muita procura de empregadas domésticas, mas era de fato escravas para entrar naquela casa”.
O trabalho com os haitianos, que a religiosa conhece desde que chegou como missionária no país, no ano 1986, sempre a levou a religiosa a cuidar da vida dos haitianos. Ela relata diversas situações, uma atitude que nem sempre foi compreendida, inclusive pela vida religiosa, que segundo a irmã Santina, “achou que eu não devia ficar nesse trabalho, tanto assim que numa vez eu disse que se eu não puder trabalhar com eles, que eu sei o que é ser estrangeira quando eu estive lá, sem saber a língua, sem saber nada, e receber essa gente que vem sem conhecer a língua, sem dinheiro, sofridos, doentes, eu disse, se eu for impedida de fazer esse trabalho, eu vou ter que me retirar de Manaus, porque seria um escândalo”.
Mesmo reconhecendo que foi muito difícil no começo, a irmã Santina Perin nada duvida em afirmar que foi muito gratificante. Ela tem uma ligação muito forte com os haitianos que moram em Manaus, afirmando que “no Haiti eu aprendi a amar o povo haitiano, un povo sofrido, mas corajoso, um povo que tem esperança, que luta, não desanima”. A religiosa considera os haitianos como “um povo que não gosta de desrespeitar as leis, um povo que sabe que foi explorado desde sempre, mas também sabe que tem dignidade. Pode ser que pelo sofrimento, eles precisam se autoafirmar”.
Trabalho com migrantes haitianos, em Manaus. Foto: Arquivo Irmã Santina Perin
Neste tempo de pandemia que estamos vivendo, que até 15 de junho já contagiou 23.138 pessoas em Manaus, provocando 1620 mortes, segundo os dados oficiais da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas, os migrantes haitianos têm sofridos as consequências também. A irmã Santina diz que “me faz sofrer muito ver que eles têm uma casa pequena, uma casa apertada, constantemente ligo para eles para perguntar como é que eles estão”. A boa notícia é que, segundo a religiosa, “só tem um caso que eu sei, mas não grave, ele está em casa. Eles estão se cuidando muito, mas com medo, eles estão sabendo que essa doença é fatal se não se tem cuidado”.
A arquidiocese de Manaus, por meio da Caritas e da Pastoral do Migrante está ajudando essas pessoas. A religiosa afirma que “uma boa parte está recebendo uma cesta básica, graças a Deus aqui a solidariedade está sendo grande”. Diante do sofrimento, aumentado pela pandemia do coronavírus, a religiosa do Imaculado Coração de Maria, diz que “eu sempre digo que todos os pobres merecem nosso amor, nosso cuidado, nossa solidariedade, mas quando penso no migrante, eu acho que ainda mais, porque ele está fora da casa dele, fora da família, ele está totalmente inseguro”.
Muitos migrantes haitianos sobrevivem em Manaus vendendo nas ruas. A religiosa sabe que “tem uns que estão arriscando, eles estão vendendo picolé, eles vão com máscara, com todos os cuidados, mas estão arriscando”. Diante da situação, eles estão esperando e rezando, pedindo a Deus que esta doença os deixe vivos e possam trabalhar”, motivo pelo qual eles saíram do Haiti. Segundo a irmã Santina, “eles estavam se apertando o cinto, porque além de comer e se manter, eles tinham que mandar dinheiro para a família que está lá no Haiti. Eles têm filhos no Haiti, que não querem que percam a escola”.
A maioria dos migrantes tem filhos no Haiti, que, segundo a religiosa, “ficam com a avó, que não consegue como sustentar os netos, pelo que eles têm que mandar dinheiro para os filhos”. Diante dessa realidade, a irmã Santina Perin, conclui suas palavras dizendo que “eles vivem entre sofrimento, esperança e alegria, luta, coragem, reza, uma vida permeada de angústias e esperanças, essa é a vida dos nossos migrantes”.
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“Todos os pobres merecem nosso amor, mas o migrante ainda mais, ele está totalmente inseguro”, afirma Ir. Santina Perin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU