08 Mai 2020
Matar o pai. É o que propõe Joseph Stiglitz, ao longo de sua carreira, sendo um dos mais conhecidos críticos a Adam Smith – precursor dos economistas modernos – e sua teoria da “mão invisível”, que autorregularia os mercados e a distribuição da riqueza nas sociedades. Para Stiglitz, essa mão é invisível porque não existe. Por isso, o ex-economista-chefe do Banco Mundial e Prêmio Nobel de Economia defende a necessidade da intervenção do Estado na economia, com o objetivo de promover um desenvolvimento mais “justo”.
O título de seu último livro deixa isso claro: Capitalismo progresista, la respuesta a la era del malestar (Taurus, 2020). Stiglitz afirma que sim, outro capitalismo é possível, e que de fato a pandemia global de coronavírus oferece uma oportunidade de ouro para o reformar.
No entanto, é pessimista. Em entrevista ao jornal Expansión, o também professor da Universidade Columbia, afirma que a resposta econômica do presidente Donald Trump “desperdiçou” a oportunidade de lançar uma economia “mais solidária e mais verde”, que traria benefícios econômicos para todos os estadunidenses, e não apenas para alguns poucos.
A entrevista é de Fernanda Hernández Orozco, publicada por Expansión, 06-05-2020. A tradução é do Cepat.
Quais são os elementos do atual sistema capitalista que nos tornam vulneráveis diante de uma crise econômica como esta?
São várias as fragilidades que podem ficar expostas pela pandemia. A primeira é a natureza de curto prazo dos mercados, que já vimos em 2008. Nos mercados financeiros podemos ver, em sua maioria, que focando apenas na eficiência, sem pensar nas consequências, não podemos esperar um impacto positivo. E é apenas um exemplo. As cadeias de fornecimento também se mostraram altamente vulneráveis a um tipo de choque como o que sofremos.
A segunda fragilidade que foi exposta agora, mas que estava aí há muito tempo, é a enorme desigualdade econômica que existe. Porque a COVID-19 é um vírus que afeta principalmente as pessoas que têm uma saúde pobre. Uma das razões pelas quais os Estados Unidos estão sofrendo tanto é porque temos muitas pessoas cujas condições de saúde não são boas, porque temos muita desigualdade. Em geral, temos maior desigualdade e pior acesso à saúde. Países como a Alemanha, que têm menos desigualdade e maior acesso ao cuidado da saúde, obviamente, lidaram melhor.
Quais consequências sociais podemos esperar desta pandemia? Sabemos que já há uma enorme desigualdade. Podemos esperar um aumento da pobreza?
Estou assustado com a maneira como o governo abordou a crise. Receio que nos Estados Unidos haverá uma maior desigualdade. Trinta milhões de pessoas perderam seus trabalhos. Há uma enorme desproporção entre as pessoas de baixo e as pessoas na parte superior, entre os assalariados que podem trabalhar de casa, usando o Zoom, e os empregados nas linhas de produção e trabalhadores de baixos ingressos que desproporcionalmente estão perdendo seus trabalhos. E o que estamos fazendo para pagá-los?
O que os governos de diferentes países podem fazer para reagir diante de uma crise assim?
Esta crise está dividida em duas partes. É uma crise sanitária e uma crise econômica, que se iniciou pela crise sanitária, mas que pode se tornar uma crise sistêmica. No lado da saúde, está muito claro que os países com um melhor sistema de saúde público, um bom sistema científico, que podem desenvolver testes mais rápido, e que contam com mais hospitais, têm uma melhor capacidade de resposta à crise.
E isso é o triste dos Estados Unidos. Os Estados Unidos são um país rico, mas em vez de investir para nos preparar para isto, investiu em nos preparar para uma guerra, a guerra equivocada. Nós nos preparamos para uma guerra nuclear, quando o que está nos devastando é um vírus. E o presidente argumenta que é necessário diminuir o investimento em ciência. O presidente busca reduzir os fundos dos Centros de Controle de Doenças (CDC), que é parte da resposta governamental às doenças infecciosas. Este é um caso extremo de não estarmos preparados.
Outros países aprenderam mais cedo que os Estados Unidos o risco que significavam doenças como o SARS, o MERS e o Ebola. Sabíamos que aí havia uma possibilidade, sabíamos que não havia desculpas para a administração Trump em não estar preparados. Isto só é um exemplo do que acontece quando você ignora o que a ciência está dizendo para conceder cortes fiscais aos bilionários e às corporações.
Outros países que não são tão ricos como os Estados Unidos, obviamente, não podem investir a mesma quantidade em ciência. Mas, sim, podem fazer análises baseadas nas pesquisas científicas que estão disponíveis publicamente e se preparar para tais tipos de riscos. Parte disto é ter o melhor sistema de saúde que seja possível pagar.
Você mencionou que as políticas adotadas pelo governo de Donald Trump são as de um país de terceiro mundo. Que medidas poderiam ser esperadas de um país tão rico como os Estados Unidos?
Há um pouco de insulto nessa declaração. A resposta dos Estados Unidos foi tão ruim que dá vergonha. A força dos Estados Unidos foi mostrada por alguns de seus governadores, como o governador do estado de Washington e o governador do estado da Califórnia, que fizeram um trabalho muito bom e, eventualmente, Nova York também agiu muito bem.
Acredito que o que estamos vendo pelo mundo são diferentes tipos de liderança. A África do Sul tem uma boa liderança. Eles foram capazes de responder de maneira muito efetiva, em parte porque acreditam na ciência, porque não estão assustados em confiar que a ciência os guie para responder à crise. E, obviamente, países como Coreia do Sul, que não são tão ricos como os Estados Unidos, mas que são mais ricos que muitos dos países em desenvolvimento, tiveram uma das respostas mais impressionantes de um governo democrático. Parece que conseguiram controlar a doença, ainda que não possamos considerar nada como assegurado, porque sabemos muito pouco deste vírus.
Talvez o mais perturbador da resposta dos Estados Unidos, no lado econômico, é que não permitiu que as pessoas conservassem seus trabalhos. Nas últimas semanas, 30 milhões de pessoas caíram no desemprego, muitas mais que na Europa.
O que o governo dos Estados Unidos poderia fazer para recuperar estes empregos?
O que ocorrerá quando a epidemia estiver sob controle, e não sabemos quando acontecerá, certamente dará lugar a muita incerteza. Os balanços de moradia serão muito duros, os balanços das empresas serão duros. As pessoas passarão por fortes preocupações financeiras. Haverá a necessidade de um forte apoio governamental. E serão necessários, por causa de um aumento da desigualdade, de sistemas de proteção da saúde e de seguridade social mais robustos.
Minha decepção é que o governo está dando muito dinheiro que poderia ser usado para modelar a economia do futuro, uma economia verde. Esta é uma crise que não podemos desperdiçar. Poderíamos utilizar o dinheiro para ajudar a economia estadunidense a se tornar mais verde, mais amável, e não estamos fazendo isso. Estamos piorando todos os problemas.
Quais propostas deveriam ser feitas pelo candidato democrata, provavelmente Joe Biden, para enfrentar Donald Trump nas eleições de novembro?
Acredito que, em muitos sentidos, estas serão eleições sobre a democracia, a decência, a ciência e a confiança.
Em um primeiro nível, Biden é uma pessoa muito decente. Trump não é. Trump governou com a divisão, a polarização, e isso resultou em incompetência. Não há uma razão pela qual os Estados Unidos precisassem sofrer uma doença desta magnitude ou uma recessão econômica desta magnitude. Há políticas que poderiam ter sido empregadas. Eu acredito que o importante é garantir uma recuperação, mas esta deve ser sustentável em termos ambientais e sustentável, em termos econômicos e de desigualdade.
O último presidente republicano nos legou à crise da bolha do sistema financeiro. Este presidente republicano nos deixará a crise da COVID-19. Tomara que os estadunidenses se lembrem que há outro caminho. Em 2008, vimos um enorme apoio para que o país fosse em outra direção, sendo assim, confio que em 2020 esse movimento continue, inclusive mais, quando vemos a complexidade dos últimos meses.
Você disse que os Estados Unidos precisam de uma economia mais verde, mas o governo anunciou um apoio maior à indústria petroleira. Por que isto é um erro?
Os dados são muito fortes, a ciência é muito clara. Estamos matando o planeta. Não sobreviveremos se continuarmos queimando combustíveis fósseis. Não há nenhuma dúvida sobre isso. É uma questão da sobrevivência de nosso planeta. É claro, as pessoas que fazem dinheiro com os combustíveis fósseis, como as petroleiras, não ficarão felizes. Mas, de fato, estamos produzindo mais empregos em energias renováveis que os que se perdem pelo carvão.
A inovação que temos que fazer para desenvolver uma economia renovável e verde irá acelerar o crescimento. É só um problema para uma indústria que não quer mudar, a que gosta muito do dinheiro em troca do sacrífico do planeta inteiro. Isso não é aceitável, e obviamente tem que mudar. As pessoas precisam de ajuda para se mexer, para encontrar novas posições, não pensamos que será fácil, mas temos escolha, caso queiramos um planeta para sobreviver.
Que conselho daria aos milhares de jovens que com esta crise perderam a esperança em um futuro econômico melhor?
Eu acredito que precisam lutar para mudar a política, porque se eles tiverem êxito e lutarem bem, podemos ter uma nova sociedade e um novo contrato social, uma nova democracia e uma nova economia. Em meu livro, dedico um capítulo a isso.
Eles podem, de fato, criar uma economia com novos e elevados padrões de qualidade de vida para todos e compartilhar a prosperidade. Mas isto não acontecerá sem uma mudança política radical. Algo emocionante é que não se trata apenas de esquerda ou direita, trata-se de reconhecer que os mercados são necessários para o progresso, mas também é necessário um importante papel do Estado, em forma de regulações.
O que os jovens devem ver é que há países no mundo que estão funcionando e que são modelados por sociedades que podem trabalhar em conjunto, todos unidos. Mas para ter uma melhor sociedade, devemos mudar a política.
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“Serão necessários sistemas de proteção da saúde e de seguridade social mais robustos”. Entrevista com Joseph Stiglitz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU