25 Abril 2020
"Do vírus não nascerá o comunismo, como alegado nas extravagantes manifestações de Žižek. Mas, pela primeira vez na história (exceto a crise ecológica), a humanidade deve enfrentar um risco comum e, como tal, percebido, mesmo que explicitado nas mais variadas formas e condicionamentos sociais e políticos. A questão está totalmente aberta se disso tudo nascerão novos Trump, Bolsonaro ou Orbán ou novas formas de convivência e de justiça social", escreve Alessandro Dal Lago, sociólogo, em artigo publicado por Il Manifesto, 21-04-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Giorgio Agamben publicou várias reflexões sobre a "emergência-epidemia".
Aqui estão suas perguntas: como é possível aceitar "em nome de um risco que não era possível especificar" que os corpos de nossos entes queridos sejam queimados ou enterrados sem poder vê-los? E ser privados da liberdade de movimento? Que sociedade renuncia à liberdade em nome da sobrevivência? A sua resposta é que desistimos da busca pelo bem por medo da morte, e isso graças a uma ciência médica que separou a vida biológica e a vida afetiva. A Igreja, por sua vez, teria esquecido que os mártires escolhiam a morte para não renunciar à fé. E por que os juristas estão em silêncio?
Excluo que as perguntas de Agamben sejam dirigidas aos pacientes na UTI ou aos que estão morrendo - como a qualquer um que tenha medo de adoecer e morrer. Realmente não vejo por que o medo da morte deveria ser contraposto, por princípio, à busca do bem e do justo. Com um verdadeiro paradoxo filosófico, aquele "estar diante da morte" que Heidegger acreditava confinado à nossa existência individual, hoje é compartilhado repentinamente, graças à pandemia, com boa parte de nossos semelhantes.
Todo mundo sofre e morre sozinho, é claro, mas hoje isso potencialmente acontece junto com o resto da humanidade. A retórica, quase sempre edulcorada, sobre a bondade, a abnegação de enfermeiros e médicos, as músicas nas varandas e tudo mais, nasce do horror da solidão na doença e na morte e, ao mesmo tempo, da confusa sensação de um compartilhamento global do horror. Então, por que deveríamos pedir aos nossos semelhantes para não ter medo da morte em nome do bem, quando a primeira não exclui o segundo?
Eu fui operado há pouco mais de um ano de dois tumores, um dos quais nos pulmões. Eles me salvaram e talvez me curaram. Sou grato aos cirurgiões e seus conhecimentos. Mas o ponto é que, por mais intubado e sedado, experimentei um vínculo comum com a equipe médica e meus vizinhos de leito que eu não esperava. Tive a oportunidade de conversar com pessoas que nunca teria tido oportunidade de conhecer, incluindo um idoso que havia trabalhado como cuidador de animais numa mina de enxofre. Acompanhei os últimos dias de um paciente terminal e o terror de uma esposa que não via retornar o marido após dez horas na sala de cirurgia.
Experiências comuns, quando se está hospitalizado. E também estou convencido de que a gentileza da equipe médica foi o resultado de um bom profissionalismo, bem como do calor ocasional e irrepetível entre os pacientes. Mas senti os dois, e isso foi o suficiente para eu não me sentir como um mero corpo privado de afetos. Em nossa vida real, a existência biológica e os afetos não são tão separados a ponto de nos forçar a escolher em condições extremas entre uma e os outros.
Não podemos pedir aos nossos semelhantes que renunciem ao medo da morte em nome de uma liberdade teórica. É possível em um seminário de filosofia, não na tribulação cotidiana. E, de qualquer forma, cada um tem que decidir por si mesmo - se é o caso de escolher a fé em vez da vida, se morrer como mártires ou viver como seres comuns. Eu experimentei, de meu leito de hospital, que uma técnica médica anônima e despersonalizante não exclui a preocupação com os outros. Da mesma forma, nesta fase, não somos privados da liberdade, mas de alguma liberdade. Uma grande diferença. Antes de falar sobre o fascismo no caso deste governo - medíocre, não mais autoritário que outros - vamos esperar para ver como o atual isolamento evolui. Se não for mais justificado, todos farão suas próprias escolhas.
O risco de que Agamben fala não era previsível em fevereiro, quando publicou seu primeiro ensaio, mas hoje é. Sabemos que somos vítimas potenciais de uma molécula que salta de uma espécie a outra e muda à vontade, no tempo e no espaço - mas também sabemos que seus efeitos podem ser amplificados exponencialmente pelos cálculos miseráveis de administradores, políticos e demagogos. Além disso, um vírus tão aparentemente democrático não ataca a todos da mesma maneira.
Aqui surge um campo de embate, político mais que ético, sobre o conflito entre economia e vida, sobre a segurança nos locais de trabalho, sobre a proteção dos marginalizados e fracos, sobre os direitos humanos universais.
O inesperado nos obriga a redefinir escolhas no campo, critérios morais de ação, prioridades que até ontem tínhamos como certas. Do vírus não nascerá o comunismo, como alegado nas extravagantes manifestações de Žižek. Mas, pela primeira vez na história (exceto a crise ecológica), a humanidade deve enfrentar um risco comum e, como tal, percebido, mesmo que explicitado nas mais variadas formas e condicionamentos sociais e políticos. A questão está totalmente aberta se disso tudo nascerão novos Trump, Bolsonaro ou Orbán ou novas formas de convivência e de justiça social.
Um terreno sobre o qual paira um céu plúmbeo, dada a impotência gerada pela dificuldade das escolhas e da nossa fraqueza diante do risco. Mas não precisamos de mártires, mestres ou guias espirituais. Em vez disso, de uma reação humana e solidária ao lançamento dos dados do destino e à desolação que está causando no mundo.
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Do vírus não nascerá o comunismo, mas a humanidade vive um risco comum - Instituto Humanitas Unisinos - IHU