02 Abril 2020
"Da mesma maneira que chegou ao jardim, Francisco se retira para seu isolamento social, sozinho e a pé", escreve Carlos Rafael Pinto, mestre em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE-BH) e graduado em Filosofia e Teologia pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CES-JF). É professor de sociologia e filosofia.
Um Oceano nos distancia e, pelas caravelas da internet, desembarcamos no Adro da Basílica de São Pedro, no Vaticano, pouco antes do pôr do sol. Sob uma suave chuva, contemplamos a imagem de Jesus crucificado de um lado e, do outro, um ícone de Nossa Senhora. Cada lágrima dos céus toca e irriga o gigantesco e histórico jardim renascentista.
Eis um ancião de branco: ele surge inesperadamente, sozinho e a pé. Passo a passo, atravessa parte desse imenso jardim. Imagem comovente, incomensurável e inesquecível. Cada lágrima dos céus se aloja na tessitura de sua batina. Segundo por segundo, sua batina aumenta o peso. Sua batina, sua cruz?
Seu corpo frágil suportará tamanho peso? Seus passos parecem enfraquecidos. Seus passos despertam a terra para firmar seus pés. Isso é suficiente? Semelhante ao jovem peregrino Inácio de Loyola, não bastava estar sozinho e a pé, ele passa a manquejar. Segue a via crucis... Qual será sua próxima estação?
Eis que um braço o auxilia a subir os derradeiros degraus. Outra estação? Não resta mais sol. Sobre o imenso jardim, paira uma noite cinzenta, estampando a Agonia no Jardim de Andrea Mantegna. Sem hesitar, Francisco toma seu lugar. Voltam-se os olhos envelhecidos para o jardim vazio, sem ninguém.
Sua voz ofegante rompe o silêncio enternecedor: “em nome do Pai, do Filho...” e reza por nós: “Deus onipotente e misericordioso, olha a nossa dolorosa situação: conforta teus filhos e abre nossos corações à esperança, porque sentimos sua presença de Pai em nosso meio...”, continuou o momento de oração.
Depois da leitura proclamada, as primeiras palavras de Francisco – “ao entardecer...” (Mc 4,35) – pintam a composição de lugar: cenário doloroso e, às vezes, desolador para muitos flagelados pela Pandemia do Coronavírus (COVID-19), além daqueles que já padecem por causa da coroa da injustiça e da desigualdade social.
Foto: Vatican News
Impõe-se outro silêncio. Continua a via crucis... Ele galga mais alguns degraus. Encontra com Nossa Senhora Salus populi Romani, protetora do povo romano e, nesse momento, sua proteção se estende aos quatros cantos do mundo. Trocam-se os olhares. Coração a coração. Sem nenhuma palavra.
Sua força findará? Seus passos ainda mais manquejantes atravessam de um canto a outro. Outro momento inesperado. Diante do crucifixo milagroso de 1522, seus olhos se demoram. Deslizam pelo corpo do crucificado e de Francisco, as lágrimas dos céus. Outra estação? São comovidas as entranhas de Francisco.
Seu corpo frágil se inclina aos pés chagados do crucificado.
Chega ao cume de seu percurso. Em uma antessala, Francisco toma outro assento. Sobre uma mesa revestida por uma toalha, coloca-se um objeto dourado em forma de sol. Traz, no centro, um pedaço de pão. Não qualquer pão, mas o sinal da presença de Jesus ressuscitado, para os católicos. Canta-se: “Adoro Te Devote...”.
Francisco se volta para a Praça vazia e para o mundo povoado.
Da mesma maneira que chegou ao jardim, Francisco se retira para seu isolamento social, sozinho e a pé. O que trazer para o outro lado do Oceano? Cada um foi impactado por alguma cena. Para nós, a disposição e a ternura de Francisco para rezar pelos crentes e não crentes e, mais ainda, seu olhar compadecido para todos nós, em particular, para os pobres.
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Via Crucis de Francisco e do mundo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU