Carta Aberta: Auditoria da Dívida Já e suspensão do pagamento dos juros e encargos para destinar os recursos para socorrer a calamidade do coronavírus

Foto: Anselmo Cunha | PMPA

25 Março 2020

O déficit orçamentário e a dívida pública que o próximo governo (2019-2022) vai herdarA Auditoria Cidadã da Dívida, associação sem fins lucrativos que há 20 anos exige o cumprimento da Constituição Federal (Art. 26 do ADCT) e investiga os mecanismos responsáveis pela geração de dívida pública sem contrapartida em investimentos de interesse da sociedade ou do país, manifesta-se publicamente por meio desta carta aberta, tendo em vista a necessidade de recursos urgentes para investimentos efetivos em saúde, assistência social, educação e demais áreas sociais, a fim de socorrer a calamidade provocada pelo Coronavírus.

A dívida pública tem consumido cerca de R$ 1 trilhão do orçamento federal todo ano, como mostra o gráfico:

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Diante do quadro de pandemia de Coronavírus, o governo deveria decretar uma completa auditoria da dívida pública, acompanhada da suspensão imediata do pagamento dos juros e encargos, a fim de liberar recursos para investimentos relevantes em áreas essenciais à população, como saúde pública, assistência social, educação.

A Auditoria Cidadã da Dívida enviou a presente carta aberta às autoridades dos poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público.

A auditoria deveria preliminarmente identificar quem são os beneficiários da dívida pública brasileira. Essa identificação será importante para que se possa segregar os grandes beneficiários (bancos, investidores internacionais, especuladores etc.) dos pequenos (famílias e indivíduos, fundos de trabalhadores etc.), pois sequer conhecemos quem são os credores da dívida.

Atualmente, o governo dispõe de mais de R$ 1 trilhão no caixa único do Tesouro, além de vários outros recursos que se encontram reservados apenas para o pagamento de uma questionável dívida que nunca foi integralmente auditada, em benefício de um sistema financeiro que se nega a cumprir suas funções constitucionais de “promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade”, como consta do art. 192 da Constituição Federal. A responsabilidade do Banco Central (BC) nesse estado de calamidade social em que nos encontramos é imensa!

A auditoria deve dar atenção, preliminarmente, aos mecanismos financeiros que geram dívida pública ilegal e sem contrapartida em investimentos de interesse da sociedade ou do país, como temos identificado e denunciado, os quais devem ser interrompidos, por exemplo os seguintes que se encontram em operação atualmente:

1. Fim da Remuneração da sobra de caixa dos bancos, que tem ocorrido devido ao abuso das Operações Compromissadas. O gasto com tais operações, que correspondem à remuneração de um depósito voluntário feito por bancos junto ao BC, custou cerca de R$ 1 trilhão de reais em 10 anos (2009 a 2018, conforme balanços do BC)! Não há previsão legal para tal remuneração, tendo em vista que o Projeto de Lei 9.248/2017 enviado pelo BC ao Congresso (prevendo tal depósito voluntário remunerado) não foi aprovado. A “legalização” desse mecanismo está embutida também no projeto de autonomia do Banco Central (PLP 112/2019), que também não foi aprovado. O volume dessas operações já chegou a alcançar cerca de 20% do PIB, o que é uma aberração, sem paralelo no mundo. Tal remuneração aos bancos deve ser imediatamente identificada e interrompida para destinar os recursos para saúde, educação e assistência social.

2. Fim da Contabilização de juros como se fosse amortização ou “rolagem”: enquanto os gastos sociais estão sujeitos ao teto de gastos (Emenda Constitucional 95) e cada vez mais achatados, não há limite para os gastos com a chamada dívida pública, que ficaram fora da EC-95, sem teto ou limite algum. Porém, o art. 167, III, da Constituição Federal proíbe o pagamento de despesas correntes (dentro das quais se incluem os juros) com recursos advindos de nova dívida, a não ser que o Congresso autorize expressamente essa emissão. Esse artigo, conhecido como Regra de Ouro, tem sido observado somente em relação aos gastos sociais, que ficam sacrificados. Para evitar que os gastos correntes com juros fiquem escancarados e passem pelo crivo do Congresso, todos os anos, grande parte desses juros (que são despesas correntes) têm sido contabilizados como se fosse amortização (despesa de capital), burlando-se o art. 167,III da CF. A legalização desse mecanismo está sendo tentada na PEC 438/2018, que relaxa essa regra de ouro. Se for revisto o pagamento de juros de forma ilegal, esses recursos poderão destinar-se às áreas de saúde, educação, assistência social etc. mas terá que ser revisto o teto de gastos estabelecido pela EC-95 também.

3. Fim da farra do Swap: dezenas de bilhões de reais de prejuízos do Banco Central com contratos de swap (que são pagos com recursos orçamentários ou nova dívida) poderiam destinar-se ao atendimento das necessidades sociais. Os contratos de swap feitos no Brasil sequer podem ser considerados como operação cambial, pois são realizados em reais e liquidados em reais, sendo mera aposta às custas de dinheiro público, como constou até de Representação do TCU.

4. Redução dos juros a zero: até o banco central norte-americano (FED) já reduziu os juros a zero e injetou US$1,5 trilhão na economia dos EUA. Aqui estamos enfrentando recessão há anos, e é preciso adotar medidas drásticas em relação ao privilégio do capital financeiro.

5. Revogação urgente da EC-95: o teto de gastos é absurdo, especialmente porque foi estabelecido para que sobrem mais recursos ainda para o pagamento dos gastos financeiros com a privilegiada dívida pública, que ficou fora do teto, sem controle ou limite algum. A EC-95 impede o avanço das políticas sociais e o resultado é essa calamidade social! Antes mesmo da pandemia do Coronavírus já estávamos presenciando o aumento da miséria e da população de rua de forma alarmante! Agora é que a situação se agravará ainda mais, exigindo atuação efetiva do Estado, sob pena de em breve assistirmos a exterminação de grande parte do nosso povo!

Tais mecanismos transferem recursos públicos em montantes exorbitantes aos bancos, aumentam a dívida pública e provocam recessão econômica para a economia real, tal como ocorrido nessa grave crise que enfrentamos desde 2015, e que se agravará profundamente devido à pandemia do Coronavírus.

Precisamos interromper imediatamente a sangria de recursos consumidos com o Sistema da Dívida e destinar os recursos para a garantia da vida!

Diante do exposto, publicamos a presente carta aberta para que toda a sociedade possa pressionar as autoridades para:

1. Priorizar o que deve ser priorizado: a vida das pessoas!

2. Instalar imediatamente uma completa auditoria da dívida, com participação social e, concomitantemente, suspenda todos os pagamentos dos gastos financeiros com o Sistema da Dívida, para destinar os recursos prioritariamente para socorrer a pandemia do Coronavírus!

Apelamos à consciência das autoridades do país para essa proposta e nos colocamos à disposição para colaborar com a realização da auditoria da dívida, colocando à disposição todo o conhecimento acumulado ao longo dos últimos 20 anos de auditoria cidadã.

Brasília, 23 de março de 2020

Maria Lucia Fattorelli

Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida

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