Cristo se fez ser humano, e não homem: quem fez essa afirmação – potencialmente explosiva em relação ao debate sobre o sacerdócio feminino, tradicionalmente fechado diante da masculinidade de Jesus, considerada como um elemento impeditivo para a ordenação das mulheres – foi o bispo de Osnabrück, na Alemanha, Dom Franz-Joseph Bode, vice-presidente dos bispos alemães.
A reportagem é de Ludovica Eugenio, publicada por Adista.it, 14-02-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Essa observação do bispo leva à estaca zero a tradição da Igreja Católica Romana sobre a ministerialidade unicamente masculina. E contradiz amplamente a exortação pós-sinodal do Papa Francisco “Querida Amazônia”, divulgada alguns dias depois, no dia 12 de fevereiro.
As palavras de Bode apareceram na revista diocesana de Osnabrück, Kirchenbote, no dia 5 de fevereiro, e foram retomadas pelo site Katholisch.de no dia seguinte.
No contexto do Caminho Sinodal (Sinodaler Weg) que a Alemanha inaugurou recentemente, querendo torná-lo uma estrutura com capacidade decisória, os alemães provavelmente irão muito além do beco sem saída em que o papa – como todos os anteriores – engaiolou o papel da mulher na exortação apostólica pós-sinodal.
O fato é que a implicação da afirmação de Bode é que o sacerdócio se desvincula da identidade masculina de Jesus, abrindo o caminho em relação a qualquer impedimento ontológico e desmantelando os argumentos daqueles que se opõem ao ministério ordenado feminino.
Isso poderia ser um prelúdio para medidas decididamente radicais: a Alemanha não parece temer consequências pelos saltos que parece intencionada a dar.
Mas Bode está à frente em muitos assuntos: na entrevista que publicou no jornal da sua diocese, ele disse estar muito satisfeito com o primeiro encontro do Caminho Sinodal, ocorrido em Frankfurt no início de fevereiro, no qual, explicou, houve um amplo consenso no centro, mais do que uma polarização de posições sobre os temas.
Será ele que presidirá o fórum sobre o papel das mulheres na Igreja, ao lado da teóloga Dorothea Sattler, cuja posição sobre a possibilidade, em termos teológicos, de que Deus poderia se encarnar também em uma mulher não é uma novidade (Die Welt, setembro de 2019), pois o gênero de Jesus não tem qualquer papel na doutrina da salvação. Sattler, que dirige o Instituto de Ecumenismo e Dogmática da Universidade de Münster, portanto, é favorável à ordenação das mulheres.
“A interação entre homens e mulheres é um dos importantes sinais dos tempos”, disse Bode na entrevista. Muitas decisões tomadas por homens, como a de encobrir os abusos sexuais, teriam sido diferentes se tivessem envolvido as mulheres, acrescentou.
O fórum, anunciou ele ainda, tratará daquilo que já existe para as mulheres, mas também falará de “questões fundamentais”, como a ordenação das mulheres. O bispo de Osnabrück é favorável aos viri probati, ou seja, à ordenação presbiteral de homens casados – outro ponto altamente divisivo dentro da Igreja, também bloqueado por Francisco na “Querida Amazônia” –, e delineou a possibilidade de um sacerdócio em duas velocidades: um em tempo integral e outro em tempo parcial para os casados, dando origem a dois ministérios absolutamente compatíveis.
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“Cristo se encarnou em um ser humano, e não em um homem”, afirma vice-presidente dos bispos alemães - Instituto Humanitas Unisinos - IHU