13 Janeiro 2020
O Sínodo para a Amazônia é um processo, que tem dado passos ao longo de mais de dois anos, mas que se enfrenta a um momento decisivo. De fato, a etapa pós-sinodal vai determinar seu êxito ou fracasso, pois é nela que os novos caminhos têm que ser construídos. Nesse sentido, a Exortação Pós-Sinodal, que deve ser publicada nas próximas semanas, vai orientar como concretizar o refletido até agora.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
Dom José Albuquerque de Araújo, bispo auxiliar de Manaus, foi um dos padres sinodais no Sínodo para Amazônia, que celebrou sua assembleia de 6 a 27 de outubro. Ele, que sempre atuou na arquidiocese de Manaus, primeiro como padre diocesano e desde 2016 como bispo auxiliar, afirma que “o Sínodo veio confirmar a caminhada que a gente faz aqui, enquanto Igreja local, que é uma caminhada sinodal”. Ele fala do processo de preparação das assembleias arquidiocesanas, “que é um processo que não acontece em três dias, mas pelo menos um ano”, algo que depois continua de uma assembleia para outra, no “processo de acompanhamento, de estudo, as pistas, isso vai repercutindo nas assembleias de setor, nas assembleias das paróquias”.
Dom José destaca “esse caminhar fazendo parte de um processo, procurando dar continuidade, mas também avançando”. Segundo ele, “existe não só a preocupação do Papa, isso já tem, desde o início do seu pontificado, ele tem sempre colocado a Amazônia, as preocupações com as pessoas, com os povos indígenas, a importância da ecologia integral”. De fato, os regionais da Amazônia brasileira, afirma o bispo, “já tínhamos constatado que esses assuntos, essas pautas, não podia ficar de fora do nosso processo de evangelização”. Por isso, ele destaca “a encarnação da evangelização, da pastoral, no contexto das nossas comunidades”, que se concretiza na “preocupação com a defesa da floresta, com a questão dos direitos dos povos indígenas”, que é o que ele destaca mais do Sínodo, “ele vem não só nos alegrar, porque a gente percebe que estamos no caminho certo. Claro que a gente precisava avançar muito ao respeito dessa maneira de ser Igreja seja assumida por todos”.
O bispo auxiliar de Manaus ressalta “a importância que se deu a escuta das pessoas, das lideranças, das mulheres, também dos padres, dos diáconos, mas principalmente dos leigos, também quando se levou esses debates para a universidade, para outras instituições, tantas organizações da sociedade civil”. Por isso, ele afirma que “o Sínodo tem nos ajudado a sermos humildes e aprendermos com esse sinal de Deus, do Espírito Santo que vai à frente”. Isso mostra que “a iniciativa não começou só com a Igreja, só com o Papa. O Papa reconhece, o Papa deu abertura, incentivo, visibilidade, mas ele é sensível a uma história que já se tem de modo especial no nosso regional”.
Diante disso, “o sínodo vem dizer que a gente tem que continuar, que a gente tem que cada vez mais juntarmos forças e levar essas questões, seja para as nossas realidades internas, pastorais, comunidades de vida, seminários, mas a gente tem que perceber que o sínodo extrapolou essa dimensão eclesial, e o sínodo fez com que muita gente conversasse mais, escutasse mais os pesquisadores, os antropólogos, os indigenistas”, segundo o bispo. Ele destaca a importância da Laudato Si', que “foi aplaudida no mundo inteiro pelas pessoas mais preocupadas com essa questão da geração atual, mas também como a gente está vivendo, como é que a gente está cuidando da nossa Casa Comum”. Ao mesmo tempo insiste na “abertura com as questões mais ligadas à economia, à política, ao meio ambiente. Isso nós precisamos avançar mais nas nossas comunidades eclesiais, porque ainda se perde muito tempo com pequenas problemáticas, com situações mais da ordem pessoal, questões que poderiam ser debatidas e resolvidas de outra forma”.
“Por falta de uma clareza, por falta de uma perspectiva mais aberta, muitas vezes, as nossas comunidades, e aqui também eu falo dos nossos párocos, que estão muito mais preocupados em organizar uma novena de Nossa Senhora ou uma adoração ao Santíssimo, do que um momento de formação com as lideranças, um momento de diálogo com a classe política”, enfatiza Dom José. Ele vê a necessidade de sair do templo, “se na sua paróquia existe uma escola, uma faculdade, como é que se pode levar essas questões que o sínodo trouxe para a realidade dos estudantes, dos universitários”. Ele diz sentir falta “que os párocos, percebendo isso, sejam articuladores, sejam propagadores”, tendo como referência aquilo que o Papa insistia no sínodo, “prestar mais atenção e falar mais sobre os diagnósticos, sobre essa análise da realidade, sobre essas questões mais polêmicas, do que perder tempo com questões pontuais”.
Desde essa perspectiva, ele afirma que “o sínodo nos ajudou, até a gente recuperar toda a compreensão eclesiológica que a Igreja tem que fazer de se mesma, principalmente na sua atuação nos dia de hoje, diante de tantos desafios da realidade”. Isso demanda, que “nossa perspectiva tem que ser sempre de comunhão, de diálogo”, destacando que o Papa tem promovido que “todo cidadão, toda pessoa que mora nesse planeta se dê conta do que está acontecendo”. Um exemplo desse método sinodal, segundo o bispo auxiliar de Manaus, são os conselhos paroquiais, que ajuda a “compartilhar juntos a responsabilidade, decidir juntos e, de algum modo, todo mundo tem a sua participação”. Também destaca a importância dada à Laudato Si' no plano de evangelização da arquidiocese, precisando “conversar mais sobre esse assunto e levar essa perspectiva para outras realidades”.
Ele vê como uma proposta a apresentar para Dom Leonardo Ulrich Steiner, que no dia 31 de janeiro assume seu novo ministério como arcebispo, “ver como a gente pode fazer acontecer momentos de estudo, de seminários, de encontros, para poder dar não só visibilidade aqui, mas também, de algum modo escutar sugestões, que nos ajudem pensar coisas mais concretas para fazer acontecer as conclusões do sínodo aqui no nosso contexto local”.
O bispo destaca o jeito particular do Papa, “ele consegue ser firme e terno, afetuoso nas palavras, direto, objetivo, mas ao mesmo tempo, ele é muito prático, ele usa os termos numa linguagem muito mais compreensiva”, o que ajuda a descobrir que “ele não está contente com a situação atual”. O Papa “não está aqui, inserido nesse mundo amazônico, mas é muito atento, tem a Amazônia no coração”. A exortação vai ser “uma palavra do Magistério, a voz de Pedro, isso vai nos dar muitas mais condições para poder a gente trazer essas orientações”, vai ajudar a descobrir “que é que nos compete enquanto igreja local”, fazendo com que “os planos de evangelização possam beber nessa fonte”. Dom José diz rezar “para que seja um texto, ao mesmo tempo, ousado, que nos leve a avançar para as águas mais profundas, dar passos, mas também ter a sabedoria e a prudencia para perceber que o caminho não pode ser muito rápido, para que todo mundo possa estar junto”, para fazer “um equilíbrio entre aqueles que tem uma visão de vanguarda e aqueles outros que olham com certo saudosismo para toda a história e tradição”.
Segundo o padre sinodal, “todos nós que estivemos no sínodo, saímos muito felizes porque foi um trabalho de muitas mãos, e nós acreditamos que quem conduz é o Espírito Santo”. Ele vê a futura exortação como “um instrumento que vai favorecer mais a comunhão”. Além das propostas que possam aparecer, o importante é que “isso tudo vai ter que ser continuado”. Diante disso, pensando no próximo Papa, o bispo se pergunta se “ele teria uma coragem, uma abertura, uma sensibilidade que o Papa Francisco tem, pelo fato de ser latino-americano, pelo fato de ser jesuíta, pelo fato de ter todo um engajamento com essa questão dos pobres, da defesa das culturas”. O mais importante vai ser que “esse texto seja estudado, debatido”, algo que deve acontecer na Arquidiocese de Manaus, segundo seu bispo auxiliar, por parte do clero e das comunidades, “fazendo que aquilo que o Papa vai nos orientar, seja pouco a pouco integrado a nossa dinâmica pastoral”, inclusive fazer que possa chegar nas mãos da sociedade em geral, promovendo momentos de estudo fora do âmbito eclesial.
No campo da ecologia, economia, política, meio ambiente, tudo está interligado, afirma Dom José, destacando como ponto mais difícil entender o que a ecologia é, o que a economia é. Ele afirma que “a economia não pode ser escravidão do grande capital, para usufruir simplesmente das riquezas do planeta”, vendo a necessidade de entender o que significa a economia, “tirar todo o conteúdo pejorativo, quando se fala de economia já está falando de exploração, desigualdade”. Nesse sentido, destaca que vai ser muito interessante o encontro de março em Assis, sobre a “Economia de Francisco”, onde vai se poder falar de fato para que serve a economia, como conjugar termos como desenvolvimento, progresso, sustentabilidade, com a defesa da floresta, das pessoas, dos povos indígenas.
No campo da política, ele afirma a necessidade da Igreja experimentar compaixão diante das situações cada vez mais caóticas e até desesperadoras. Por isso, “fazer política faz parte do ser da Igreja”, o que demanda um aprendizado para “denunciar sem ser rotulado de estar fazendo uma opção partidária, ou como alguns nos acusam, quando a gente não se manifesta, quando a gente não opina, quando a gente não denuncia, a gente está se omitindo, a gente está sendo conivente”. Ele vê que “o que está sendo questionado no fundo é ver aquilo que a Igreja é, e qual é a nossa missão nos nossos tempos, nos dias de hoje”, insistindo em que “a Igreja não existe só para salvar as almas, a salvação que Cristo trouxe, ela é interligada, interconectada com todas essas dimensões da vida humana”, algo que aparece na Laudato Si', no documento conclusivo do sínodo e, provavelmente na Exortação Pós-Sinodal, que o bispo vê “como uma oportunidade para a gente rever e reassumir aquilo que a Igreja é, e aquilo que ela tem que fazer”.
Em referência à ministerialidade, Dom José afirma que “é importante compreender a Igreja como lugar onde todos são chamados a servir, não se pode ter uma hierarquia naquilo que diz respeito ao serviço, todo mundo serve segundo a sua vocação, segundo a necessidade do lugar, fugindo dessa tentação do poder”. Para ele, “são quase que inconjugáveis ministério com essa tentação do poder”, que se deve manifestar no serviço aos últimos. Se remontando aos documentos de Medellín e Puebla, também Santo Domingo e Aparecida, o bispo pensa que tudo isso foi visibilizado com o sínodo, destacando que “a missão da Igreja na Amazônia é, antes de tudo, incomodar”.
Nesse sentido, ele pensa que a Igreja da Amazônia está no caminho certo, pelo fato de ter gerado mal-estar, não só nas instâncias governamentais, mas principalmente na realidade interna da Igreja. A maioria dos bispos da Amazônia, do Brasil, a maioria dos agentes de pastoral, segundo Dom José, “está com o Papa, vibrou com o sínodo, isso a gente não pode, de forma alguma, esquecer, e não podemos dar palanque para aqueles pequenos grupos que querem fazer uma difamação e uma deturpação dessas questões, de modo especial usando as redes sociais”. Ele se pregunta “por que a gente se incomodar, quanto mais ficar preocupado com esses que estão aí falando em cisma, dizendo que o Papa Francisco não é o verdadeiro Papa, quando estiverem falando mal da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), e achando que a gente está se metendo onde não deve”. Se trata de “pessoas que não estão afim de diálogo, que não estão afim de escutar, de rever, de estudar mais, de entender o contexto”, segundo o bispo, que vê que “muita gente é repetidor de frases, de pensamentos de outros”.
O problema de fundo, segundo Dom José, “é uma questão de compreensão eclesiológica, aquela maneira de viver a Igreja muito ligada simplesmente aos aspectos sacramentalistas, que a gente tem que converter todo mundo para ser católico”. Nesse sentido, esses grupos, “veem como uma traição ao Evangelho ter ritos amazônicos na nossa liturgia, porque isso não faz parte da tradição judaica e cristã dos primeiros séculos”. Em vez de ficar atento a esses grupos, se faz necessário que “a gente possa continuar uma caminhada que o sínodo inaugurou, que não tem volta”, e que vai influenciar o futuro da Igreja, também na realidade da Igreja local.
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“A missão da Igreja na Amazônia é, antes de tudo, incomodar”, afirma Dom José Albuquerque, bispo auxiliar de Manaus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU