17 Dezembro 2019
"Como nem toda tradição é saudável, à tradição doente se reage com a reforma. Isso não vale apenas para a liturgia. De muitas maneiras, o caminho sinodal da Amazônia quis e teve que "desaprender" a tradição doente."
A opinião é de Andrea Grillo, teólogo italiano, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, em Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Justina, em Pádua, publicado por Come Se Non, 16-12-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Com um artigo publicado em seu blog, no qual ele abordava um tema central de seu último livro Un Cattolicismo diverso (do qual já apresentei aqui alguns aspectos), Pe. Ghislain Lafont esclareceu totalmente a nova lógica na qual se move o Concílio Vaticano II sobre episcopado e presbiterado. A lógica que reunificou no ministério eclesial ordenação e jurisdição - como emerge da LG 21 - indica a superação da lógica medieval e moderna, que em vez disso havia dividido, no ministro, as consequências sacramentais da ordenação das consequências do magistério e autorizadas, que resultavam da "potestas” recebidas diretamente do sucessor de Pedro.
Quando foi esclarecida essa clara formulação do ministério ordenado, que deriva diretamente do Concílio Vaticano II, e que constitui uma novidade nada pequena em comparação com o cenário da tradição medieval e moderna da Igreja Católica, então torna-se fácil avaliar também o Documento Final do Sínodo sobre a Amazônia, do qual agora também temos disponível a versão em várias línguas (= DF). À luz dessas aquisições, que são muito valiosas, podemos fazer uma série de considerações que dizem respeito a algumas das perspectivas que emergem do texto. Retomo aqui algumas reflexões que já publiquei em parte na última edição de Il Regno (20/2019, 635-636) e que relaciono com as observações apresentadas por P. Lafont.
O Sínodo Especial para a Amazônia, em seu Documento Final, assumiu com determinação a via da valorização das "legítimas diversidades" dentro da tradição litúrgica católica, com o objetivo de responder com eficácia aos desafios que a região pan-amazônica lança à estrutura eclesial e à linguagem da pastoral. Como o texto preparatório do Instrumentum laboris (= IL) havia dito "O processo de conversão ao qual a Igreja é chamada implica desaprender, aprender e reaprender" (IL 102, agora retomado pelo DF 81).
A Igreja deve saber desaprender, a fim de aprender algo diferente e reaprender a única tradição comum, mas a ser experimentada e expressada com outras palavras, com outros gestos, com outros cantos, com outras autoridades, com outras formas. Podemos encontrar o fundamento magisterial dessa estratégia na SC 23, que relaciona "tradição saudável" e "progresso legítimo". Como nem toda tradição é saudável, à tradição doente se reage com a reforma. Isso não vale apenas para a liturgia. De muitas maneiras, o caminho sinodal da Amazônia quis e teve que "desaprender" a tradição doente.
Essa intenção do Sínodo tomou forma no DF de duas maneiras: quanto à relação substancial com a Eucaristia, como fonte e ápice do crescimento da comunidade e em vista da qual é preciso inculturar o ministério eclesial (DF 95; 99; 102-103; 109-111); quanto à relação formal com todas as celebrações litúrgicas, a fim de valorizar a "cosmovisão" dos povos e das culturas da Amazônia, mediante uma oportuna inculturação do rito litúrgico (DF 116-119). A isso deve-se acrescentar a configuração de um "organismo episcopal" (DF 115), especificamente responsável pelo desenvolvimento desses dois aspectos, como resultado de uma nova sinodalidade eclesial a ser instituída permanentemente na região amazônica.
Os "varietates legitimae" da tradição católica dizem respeito principalmente à história e à geografia da Amazônia. Devido ao entrelaçamento desses dois fatores, que nunca podem ser completamente normalizados segundo medida europeia, é preciso abordar as "condições das possibilidades ministeriais" da celebração eucarística. O texto do Instrumentum laboris já havia indicado, com grande lucidez, o caminho a seguir:
"As comunidades têm dificuldade em celebrar frequentemente a Eucaristia devido à falta de sacerdotes. 'A Igreja vive da Eucaristia' e a Eucaristia constrói a Igreja. Por esse motivo, em vez de deixar as comunidades sem a Eucaristia, os critérios para selecionar e preparar os ministros autorizados a celebrá-la devem ser modificados" (IL 126c).
O DF assume essa perspectiva de maneira decisiva, falando em "direito da comunidade à celebração eucarística" (DF 109) como ponto de plenitude da experiência da comunhão, mas também como ponto de partida para o encontro, a reconciliação, a catequese e o crescimento da comunidade. Dado que muitas comunidades não podem receber a visita do presbítero a não ser depois de meses ou até anos - e assim permanecem por longo tempo sem a Eucaristia, a reconciliação dos pecados e a unção dos doentes - depois de ter reafirmado o caminho privilegiado do "celibato" como condição de vida do presbítero no exercício de seu ministério, sugere-se "ordenar sacerdotes a homens idôneos e reconhecidos pela comunidade, que tenham um diaconato permanente fecundo e recebam uma formação adequada para o presbiterato, podendo ter uma família legitimamente constituída e estável, para sustentar a vida da comunidade cristã mediante a pregação da Palavra e a celebração dos Sacramentos nas áreas mais remotas da região amazônica” (DF 111).
Por outro lado, além dessa abertura para os "homens casados" como ministros, deve-se lembrar que "para a Igreja Amazônica é urgente que sejam promovidos e conferidos ministérios a homens e mulheres de maneira equitativa" (DF 95). Nesse sentido, e com base no Ministeria quaedam Paulo VI, se movem as duas principais demandas:
"Nos novos contextos da evangelização e pastoral na Amazônia, onde a maioria das comunidades católicas é liderada por mulheres, pedimos que seja criado o ministério instituído da ‘mulher dirigente da comunidade’ e que este seja reconhecido a serviço das novas exigências da evangelização e do cuidado das comunidades, dando-lhe um reconhecimento, no serviço às novas exigências da evangelização e da atenção para as comunidades" (DF 102).
O segundo pedido (DF 103) adota a perspectiva do "diaconato permanente para as mulheres", do qual se solicita uma avaliação com a Comissão de estudos instituída em 2016 pelo Papa Francisco, que já declarou que tal comissão será posta novamente em ação, com uma ampliação significativa de seus membros.
É claro que a "história", da qual a Comissão trata, também inclui a Amazônia. Ou seja, para entender a história da "autoridade feminina na Igreja", a confrontação com o "rosto amazônico" não pode ser simplesmente um acidente. Por esse motivo, o reconhecimento da autoridade da mulher, além do ser no plano oficial e ministerial, requer formas culturais e institucionais de integração eclesial. A participação nos processos de tomada de decisão é uma exigência que não deve ser pensada apenas a partir do nosso conceito europeu de "direitos iguais", mas também e, sobretudo, a partir das tradições da cultura "matrilinear", na qual é efetivamente a mulher que gere a autoridade familiar e do grupo. A provocação antropológica e cultural exige uma valorização desses "varietates", cuja legitimidade plena exige um reconhecimento aberto e sincero.
A segunda dimensão dos "varietates", significativa para a inculturação da liturgia, investe o próprio rito, em sua dimensão verbal e não verbal. As palavras e as coisas da vida na Amazônia não devem permanecer à margem da celebração cristã, mas devem se tornar "mediações eficazes" da identidade cristã e católica dos povos indígenas, de suas alegrias e de suas preocupações. No espaço do "pluralismo litúrgico" inaugurado pelo Concílio Vaticano II (cf. SC 38), o DF considera urgente "dar uma resposta autenticamente católica ao pedido das comunidades amazônicas de adaptar a liturgia valorizando a cosmovisão, as tradições, os símbolos e os ritos originais, incluindo dimensões transcendentes, comunitárias e ecológicas." (DF 116).
Por outro lado, isso não seria uma novidade: 23 são os ritos diferentes que coexistem na comunidade católica, que pode ser chamada de "comunhão de diferentes ritos", como frutos do caminho histórico e geográfico da Igreja (DF 117). Portanto, as linguagens próprias dos povos amazônicos devem poder expressar o mistério de Cristo e da Igreja: para isso devem trabalhar comitês de especialistas, no plano bíblico e litúrgico, em relação a palavras, gestos, música e canto, para dar aos diferentes locais e às diferentes linguagens as formas mais adequadas de mediação da forma ritual, sem prejuízo da substância dos sacramentos (DF 118).
Em vista desse objetivo, e graças às novas competências do organismo institucional previsto pelo DF 115, configura-se a necessidade de construir “um rito amazônico que expresse o patrimônio litúrgico, teológico, disciplinar e espiritual da Amazônia, com especial referência ao que LG 23 afirma para as Igrejas Orientais" (DF 119).
É útil questionar-se o que se entende aqui por "rito amazônico". Certamente, queremos indicar uma "forma comum" para as diferentes tradições amazônicas, que possa fornecer nos diversos âmbitos da celebração litúrgica (eucaristia e sacramentos, liturgia das horas, ano litúrgico, música, arte sacra) uma série de critérios comuns e também algumas celebrações exemplares, em vista da realização, nas diferentes realidades, de ritos específicos, a serem inculturados de forma diferenciada, devido às diferentes línguas e culturas de que a região é rica. Imitando o que aconteceu há 30 anos na República do Congo, com o chamado "rito congolês", deverá ser mantida presente com maior força ainda a diferença entre a lógica da "região amazônica" e aquela das dioceses/igrejas/estados/populações individuais. Um "ordo comum" à "região amazônica" deverá prever, dentro dele e preventivamente, as várias adaptações necessárias para as diferentes realidades. Talvez seja precisamente o Órgão colegial episcopal, previsto pelo DF 115, que poderá ser encarregado de administrar a difícil mediação necessária para a estruturação de um "Ordo amazônico" que seja verdadeiramente capaz de traduzir o "rito romano" na expressão e na experiência dos povos da Amazônia. Evidentemente, esse novo ordo, com suas consequências em nível particular, “se somaria aos ritos já presentes na Igreja, enriquecendo a obra de evangelização, a capacidade de exprimir a fé numa cultura própria e o sentido de descentralização e colegialidade que a catolicidade da Igreja pode exprimir" (DF 119).
Parece óbvio que para aprender a tradição seja necessário, ao mesmo tempo, desaprender e descartar coisas antigas, além de reaprender e integrar coisas novas. Para cumprir plenamente a tarefa de honrar o "rosto amazônico" da Igreja Católica, será necessário suportar esses dois trabalhosos esforços: o esforço da rendição e o da resistência. O trabalho de humilde despojo e o de promissora reconstrução exigem juntos paciência e audácia, entre si em diálogo respeitoso e frutífero. Não há dúvida de que, a partir da plena assunção dessa "maravilhosa complexidade amazônica", sem simplificações idealizadas e sem abstrações burocratizantes, toda a Igreja universal poderá auferir motivos de grandes alegrias e esperanças renovadas: assim, o todo desfrutará da renovação da parte.
Uma questão não pequena permanece em aberto, que Lafont identificou com grande lucidez: o modelo com o qual se pensa a relação entre liturgia eucarística e ministério ordenado não pode regredir para formas de "gestão da autoridade" que o Concílio Vaticano II oficialmente e com autoridade já superou. Retomo textualmente as palavras de Lafont: "é preciso admitir que, a esse respeito, as disposições auspiciadas no nº 96 desse mesmo documento final do Sínodo para a Amazônia são estranhas. De fato, esse texto prevê que ‘o Bispo possa confiar, por um mandato por tempo determinado, diante da ausência de presbíteros nas comunidades, o exercício do cuidado pastoral da mesma a uma pessoa não revestida de caráter sacerdotal, membro da comunidade’; e acrescenta que esse ‘mandato oficial’ pode ser instituído ‘através de um ato ritual’. Enquanto no n. 21 de Lumen Gentium afirma-se expressamente que o ofício pastoral é dado pelo sacramento da Ordem, aqui é reduzido ao nível de um ‘mandato oficial’ (expressão canônica cujo conteúdo foi objeto de longas discussões na época da Ação católica sob o papa Pio XI), e é previsto um ‘ato ritual’. Mas qual? O ato ritual que expressa o ministério episcopal em uma comunidade é o sacramento da Ordem. Se o leitor quiser reler aqui o texto de Pio XII (citado por Lafont logo acima, em seu post), verá que a disposição auspiciada pelo Sínodo corresponde a esse texto, como se não tivesse sido anulado pelo Concílio. Portanto, devemos esperar que esse n. 96 se torne obsoleto antes mesmo de ser aplicado!"
Aqui é evidente uma tensão, uma torsão da tradição: para garantir à tradição de poder se "traduzir" adequadamente, principalmente na Amazônia, é necessário assumir na íntegra a lógica do Concílio Vaticano II. Ela impõe que, para reconhecer uma autoridade pastoral a sujeitos diferentes daqueles que a tradição mais recente contemplou (isto é, essencialmente homens celibatários), é necessário prover a integrar os novos sujeitos no único ministério ordenado, estruturado em três graus. Isso vale sempre, sejam eles sujeitos casados ou mulheres. O estratagema com a qual gostaríamos, novamente, de desvincular a jurisdição da ordem, para garantir uma "pastoral" administrada por indivíduos masculinos casados ou por mulheres, mas com a exclusão da presidência litúrgica e constituindo categorias espúrias, alternativas ao ministério ordenado, constitui o resultado de um "bloqueio sistemático" com implicações eclesiológicas e jurídicas em nada secundárias.
Seria realmente singular que, para prover a situações tão novas, que exigem passos corajosos para frente, ficássemos tentados a reabilitar as categorias clericais com as quais Pio XII falava do "leigo" em 1957, antes que o Concílio Vaticano II superasse definitivamente uma orientação inadequada e inevitavelmente marcado por clericalismo e autorreferencialidade.
Dito em termos mais claros: a dinâmica da dogmática teológica não pode ser condicionada ou até mesmo paralisada pelas inércias de uma dogmática jurídica ultrapassada. O problema aqui não é da cultura criativa da floresta amazônica, mas da cultura ranzinza da floresta curial.
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Floresta amazônica e floresta curial: novas perspectivas e categorias obsoletas sobre ministério e liturgia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU