03 Dezembro 2019
"Por isso, o Sínodo Amazônico é e será um instrumento propício da riqueza de nossa fé e da profunda espiritualidade dos povos amazônicos, para ascender neste caminho à consciência na Unidade universal. Essa que superará todo sinal de morte e ruptura, e servirá como ponte ao sonhado Reino em que todos e todas tenham vida e vida em abundância, especialmente os que sofrem e são excluídos, perseguidos ou abandonados", reflete Maurício López Oropeza, secretário executivo da Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM, membro do Conselho Pré-Sinodal e auditor do Sínodo Pan-Amazônico, em artigo da série Itinerário interior de um navegante em travessia pelas águas movidas do rio Sinodal Amazônico, composta por reflexões sobre a experiência sinodal. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Nesta Amazônia, e neste caminho Sinodal, vemos os sinais de Deus em toda parte. Uma presença sutil e, ao mesmo tempo, profundamente evidente; silenciosa, mas cheia da sua permanência conosco. É marca do mistério da vida, aquela que os povos Amazônicos viveram por séculos como certeza antes da chegada de nossa fé a essas latitudes. Uma presença por vezes oculta e outras vezes aparentemente derrotada nas diferentes dinâmicas da vida, porém vitoriosa nesses povos que se negam a deixar de existir e a dizer sua palavra, que reflete a sua maravilhosa diversidade.
Esses gestos de vida imanente que vêm dos povos da Amazônia são possibilidades para curar todo o mundo. Esse Sínodo Pan-Amazônico tem uma grande causa e uma raiz profunda, optando por contribuir para que haja possibilidade de curar esse mundo doente. E nos olhos daqueles que creem, é neste Sínodo em que se desata uma força que quer de fato salvar e redimir todo o gênero humano, muito mais que um só ponto geográfico. Por isso pedimos que o absurdo e a morte cotidiana da Amazônia e dos seus povos, e em toda latitude deste mundo, não tenha a última palavra. Onde estão os corações machucados e os gestos de violência e morte, que se sobreponha a possibilidade de um modo distinto de ser e estar em relação com nós mesmos, com os outros, com nossa irmã mãe Terra, e com Deus.
Os novos caminhos na Amazônia, e partindo dela para todo o mundo, são os da reconciliação, os da acolhida da diversidade como força que permite mais vida. Caminhos nos quais o mistério de Deus não se esgota no olhar unívoco e autorreferencial que só produz medo, rejeição, distância e barreiras interiores, e por onde também se tem a necessidade de construir muros exteriores. Para os poucos, mas barulhentos e com poder midiático, que quiseram frear a força do Sínodo pretendendo evitar que o novo emergisse, e aqueles que chamaram os tecelões do Sínodo de “panteístas”, entre outras coisas, aqui uma frase do padre Teilhard de Chardin, à luz da unidade de toda a vida no Deus da vida, para convidá-los a abrir seus corações e olhares:
"Eis aqui, em verdade, uma forma superior de “panteísmo”, sem vestígio empeçonhado de confusão nem de aniquilamento. Uma espécie de unidade perfeita, na qual cada elemento, porque nela mergulha, encontrará, ao mesmo tempo que o Universo, a sua consumação" (Pierre Teilhard de Chardin, em O fenômeno humano).
Na presença Divina, e em seu mistério, tudo encontra unidade e sentido. Para os que creem em Jesus, nossa fé afirma que n’Ele tudo encontra direção e possibilidade de comunhão, para além das diferenças e particularidades. Crer no Deus de Jesus é crer no que o mistério de Deus nos encaminha progressiva e incansavelmente a uma unidade superior, abraçando como riqueza divina a diversidade (1Cor, 12). Por isso, o Sínodo Amazônico é e será um instrumento propício da riqueza de nossa fé e da profunda espiritualidade dos povos amazônicos, para ascender neste caminho à consciência na Unidade universal. Essa que superará todo sinal de morte e ruptura, e servirá como ponte ao sonhado Reino em que todos e todas tenham vida e vida em abundância, especialmente os que sofrem e são excluídos, perseguidos ou abandonados.
Nos caminhos do Sínodo vivemos esses sinais claro-escuros, já que podemos atestar essa presença de Deus e de Seu mistério na força do povo simples e na sua fé profunda de crer no cotidiano, seu sensus fidei. Uma fé do dia a dia, em que seus olhos expressam a esperança de reconhecer a presença de Deus no trabalho e nos sacrifícios cotidianos, nas longas passagens de trilhas e rios, e na vida que bate nos corações de todos os que abraçam e se deixam transformar pela força da fé em meio a essa Amazônia. Nestes anos, experimentamos nos aromas da selva, que nos evocam alegria, que nos levam à recordação das pessoas amadas que nos antecederam, daqueles que seguem cuidando, protegendo e acompanhando o processo desses frutos, que crescem para serem novamente coletados com cuidado e delicadeza para darem vida. Esses antepassados, como expressa a encíclica Laudato Si’, no nº. 146, descansam na terra e a transformam em espaço sagrado, no qual sua identidade também reside.
Porém, nesta Amazônia também experimentamos o mais duro e o mais podre de nosso mundo. A morte cotidiana, a perseguição e criminalização de defensoras e defensores de seus territórios, povos que são marcados por defender suas vidas e identidades, aqueles que vivem e sofrem a pressão incessável do desejo frenético de destruir para acumular sem limite. Uma avidez por acumular, ainda colocando em risco o presente e o futuro, e ainda matando a vida que guarda traços do mistério da transcendência nesta selva. No entanto, ali também se percebem e se experimentam as gotas sutis da esperança para que tudo seja regenerado. Ali, no rejeitado ou no considerado sem valor, está presente a mensagem da alegria por viver tentando ver com novos olhos e onde se tecem as grandes possibilidades de um futuro associado à cultura do encontro nas fibras humildes do pequeno.
Nesta bela e ferida terra Amazônica nos reconhecemos como um simples e frágil barro em Tuas mãos. Somos barro habitado, e a essência deste barro vem de um amor capaz de renová-lo todo, tal como acontece com o delicado equilíbrio deste ecossistema Amazônico, onde tudo se renova diariamente, imperceptível ante nossos olhos, porém com força imparável.
No caminho da REPAM, no início de outubro de 2017, na reunião do Comitê de Coordenação, em Santarém-PA, Brasil, alguns dias antes do anúncio do Sínodo pelo papa Francisco, nos perguntamos sobre o iminente Sínodo à luz do nosso caminho percorrido na Amazônia a partir das seguintes dimensões: 1. Raízes; 2. Gritos; 3. Esperança; e 4. Horizontes. Aqui estão meus pensamentos sobre isso, para explicar o próprio caminho sinodal.
1. Raízes: Queremos ser fonte de vida no coração da Igreja e desta Amazônia com simplicidade e à luz de nossa própria fragilidade, porém sendo sinal que quer fazer patente a presença de Deus a partir das próprias vozes e gritos dos territórios. Ser ponte para escutar a própria vida que comunicam os diversos povos amazônicos, e em comunhão com o sonho que Deus tem para a Amazônia em plenitude integral e a das mulheres e homens que a habitam. Queremos ser plataforma de encontro onde aconteça a novidade, onde se encurtem as distâncias e se superem as fragmentações, um espaço que articule a diversidade ultrapassando fronteiras, e onde os encontros improváveis produzam novos caminhos mais ousados para que o Espírito sopre. A Amazônia é sinal de Deus e de Esperança em um mundo doente. É força espiritual para a convergência e para o próprio futuro do planeta, já que os destinos da Amazônia e de seus povos estão inegavelmente entrelaçados.
2. Gritos: Frente aos inumeráveis e inenarráveis sinais de dor cotidiana e ruptura nesta Amazônia, devemos ir mais fundo, isto é, tocar as causas estruturais deste pecado que produz morte, e confrontá-las com valentia evangélica. Confiar no Cristo encarnado que joga as redes em águas mais profundas. Avançar, apesar do temor pelos riscos que acompanham esse tipo de compromisso, reconhecendo que Deus clama nas próprias vidas e nos rostos concretos que sofrem como consequência dos tantos interesses de acumulação de alguns poucos, os quais nos levaram até o limite, nesta Amazônia e como humanidade. Façamos frente a esta cultura do descarte que quer se impor, na qual se reedita a pugna fratricida de Caim que assassina Abel, e quem ao ser questionado sobre isso responde aquilo que os que matam por ação ou omissão seguem respondendo hoje na Amazônia e em tantos lugares: por acaso sou eu o guardião do meu irmão? O crente deve responder a isso com um contundente “Sim!”, em palavras e ações, para seguir arriscando e gastando a vida na opção por cuidar do irmão e da irmã, incluindo a irmã mãe Terra. Que morra o genocida, que não sabe que também é um suicida, que levamos dentro e que impera de tantos modos em nossas sociedades hoje.
3. Esperanças: Nossa esperança é que o Reino irrompa com força silenciosa no pequeno, no germinal que é promessa e sinal de Deus, como broto da vida no meio da morte e da tormenta. Sem idealizar, os povos da Amazônia muitas vezes vivem um sentido de comunitariedade que nos revela a presença de Deus, um sentido de profunda conexão com toda a Criação que se reflete em suas lutas cotidianas e na defesa de sua identidade e seus territórios, de cujas vidas e futuro dependem. São fonte de esperança para nosso caminho como rede que quer aprender em chave de diálogo e interculturalidade. Dessa maneira vamos tecendo um delicado processo de reconciliação entre Igreja e povos, e no qual os novos caminhos surgem desses encontros transformadores, ajudando-nos a ser uma Igreja mais aberta, integrada, permeável à vida deles, e chamando-os a ser sinal crível de comunhão e presença comprometida com eles e suas causas. Queremos por nossas esperanças não no Sínodo exclusivamente, mas sim em todo o caminho andado que nos conduziu para ele, e no qual poderemos contribuir depois dele.
4. Horizontes: Para a REPAM o essencial do processo Sinodal será:
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Contemplar a presença retumbante do mistério de Deus na Amazônia no caminho sinodal. Artigo de Maurício López - Instituto Humanitas Unisinos - IHU