06 Dezembro 2019
Um sentimento perdido de antecipação do Advento e de uma impaciência crescente com o Papa Francisco.
A análise é de Robert Mickens, editor-chefe da Global Pulse, em artigo publicado por La Croix International, 05-12-2019. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Um dos sintomas desta era atual, de comunicação instantânea, é que as pessoas não são mais capazes de aguardar. Por nada. Queremos tudo agora mesmo, ou – em muitos casos – queremos para ontem.
O tempo do Advento, de aproximadamente um mês de duração – com o seu foco no aguardo esperançoso e na preparação paciente para o nascimento de Jesus Cristo – é um antídoto para esta gravitação sedutora em direção à impaciência. Pelo menos, costumava ser.
Não mais o é. E nem sequer no Vaticano, onde – de todos os lugares – pode-se esperar encontrar o verdadeiro significado do Advento.
Três semanas e meia antes do tempo litúrgico começar, funcionários da Cidade do Vaticano montaram uma gigante árvore natalina na Praça São Pedro e começaram a construir um enorme presépio.
A programação era ligar cerimoniosamente as luzes que decoram a árvore e desvelar a cena do nascimento de Jesus no dia 6 de dezembro, sexta-feira, no Dia de São Nicolau.
É o pontapé inicial para o Natal, pelo menos aqui na Cidade Eterna. O lançamento tradicional do período de férias – caracterizado pela decoração de lojas, praças públicas e casas; lançamentos de produtos natalinos e compras de presentes – costumava ser o Dia da Imaculada Conceição, em 8 de dezembro.
E foi o papa, de alguma forma no papel de Grande Mestre de Cerimônias no Desfile de Ação de Graças da Macy’s, em Nova York, quem deu início à temporada. Ou, em vez disso, foi a sua visita à área das Escadarias Espanholas na tarde de 8 de dezembro, onde anualmente lança flores aos pés da estátua de Nossa Senhora.
O Dia da Imaculada Conceição sempre foi visto, pelo menos em Roma, como parte essencial do tempo silencioso e, de certa forma, misterioso do Advento: um período de antecipação crescente e de festividade que aos poucos se desenvolve com a vinda do Príncipe da Paz.
Hoje, é só mais um evento de uma “temporada de Natal” que vem com tudo (evidenciado pelas decorações espalhadas pela cidade) logo depois do Halloween – outra observância completamente estranha à Itália.
As pessoas simplesmente não conseguem aguardar por nada. Nem mesmo pelo Natal.
E isso, segundo me parece, é uma metáfora para a crescente impaciência que muitos católicos têm demonstrado com o Papa Francisco. Os católicos do tipo reformista ou os do tipo Vaticano II estão inquietos porque o papa não tem se disposto a – ou não tem sido capaz de – mudar mais rapidamente as estruturas da Igreja e substituir o seu pessoal, especialmente os bispos.
Aqueles que se descrevem tradicionalistas ou católicos “ortodoxos”, por outro lado, estão com pressa para que este pontificado termine de uma vez. Eles o veem como um desastre que ainda vai demorar para acabar.
Há quase sete anos Francisco é o Bispo de Roma e o Supremo Pontífice da Igreja Universal. E provavelmente a maioria, tanto dos seus apoiadores quanto dos seus detratores, podem concordar com uma coisa: já passou tempo o suficiente para ele fazer algo positivo ou para destruir tudo.
Não há muito o que falar aos detratores. Tudo o que querem é que o pontificado termine logo. Quando se trata do atual pontificado, eles não demonstram esperança alguma e muito menos sentem alegria.
Mas os apoiadores do papa, estes cujas esperanças e alegrias neste pontificado estão sendo abafadas pela impaciência, deveriam levar a sério várias coisas.
O Papa Francisco alcançará novos e significativos marcos nos próximos dias. Em 13 de dezembro, ele marcará o 50º aniversário de sua ordenação sacerdotal. E, quatro dias depois, celebrará o seu 83º aniversário.
Isso significa que o relógio está correndo. E, embora Francisco não demonstre sinais de impaciência (muito pelo contrário!), ele começou a demonstrar uma determinação renovada a completar – e mesmo acelerar – a missão que tem de reformar e renovar a Igreja.
Se quisermos provas disso, basta olhar para o ritmo vertiginoso das atividades que ele levou a cabo nas últimas semanas. Tudo começou com a Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Amazônia em outubro.
Esta assembleia sinodal, longe de se limitar a uma região particular do mundo ou a uma porção específica da Igreja, foi, na verdade, um evento com implicações globais grandemente significativas – em termos de justiça social em nível mundial (humana, ecológica e politicamente) e de eclesiologia, ministério e missão católicos.
O sínodo amazônico marcou o começo da Fase II do pontificado. Um dos desdobramentos mais importantes que certamente sairá do encontro é a criação de um Rito Amazônico: um modo de adoração litúrgica que incorpora elementos culturais centrais do povo da região.
Como se quisesse enfatizar a validade das liturgias inculturadas, o papa abriu o tempo do Advento em 1º de dezembro com uma comunidade congolesa que vive em Roma, ao celebrar o Rito Zairense dentro da Basílica de São Pedro.
Esta forma modificada da missa foi criada em 1969 logo após o Concílio Vaticano II (1962-1965), tendo recebido a sua aprovação da Santa Sé em 1988. O rito destaca os modos africanos tradicionais de adoração e louvor não comumente encontrados nas celebrações litúrgicas europeias.
Não houve anúncio público ou indicação de que Francisco celebraria essa missa de 1º de dezembro, o que foi feito só no dia anterior. É de se perguntar se isso ocorreu para evitar protestos por membros tradicionalistas, o que poderia ofuscar a ocasião.
E agora o papa irá celebrar mais uma missa inculturada ainda a ser informada, no dia 15 de dezembro, na Basílica de São Pedro. Ele começará uma novena em preparação para o Natal naquilo que tem sido uma característica marcante do catolicismo filipino desde o século XVII. Conhecido como o Simbáng Gabi, este rito é ligado a práticas agrícolas e a destaca a partilha.
Ao celebrar estes ritos especiais que são uma expressão das comunidades locais e regionais, Francisco prepara, querendo ou não, a restauração de uma prática mais antiga da Igreja, a saber, o reconhecimento de que pode haver uma ampla variedade de modos e estilos de adoração os quais, de forma alguma, ameaçam a unidade da Igreja.
A diversidade litúrgica, mesmo dentro da Europa, era lugar-comum até o Concílio de Trento (1545-1563) reunir vários ritos, ao mesmo tempo que suprimiu outros, e (com a permissão para algumas exceções) criar um único Rito Romano.
Menos de um mês depois do fim da assembleia sinodal amazônica, Francisco foi à Tailândia e ao Japão para uma visita pastoral entre os dias 19 e 26 de novembro, uma das mais longas de seu pontificado.
Ele chegou de volta a Roma em uma terça-feira de noite e, sem parar para um descanso, estava na Praça de São Pedro na manhã seguinte para a sua audiência geral às quartas-feiras. E, desde então, não parou.
Desde o dia 27 de novembro, o papa discursou a três ou 4 grandes grupos por dia, individualmente cumprimentando cada um de seus membros ao final de cada sessão.
No dia 29 de novembro, atravessou Roma para ir a um centro da Caritas, onde passou cerca de 90 minutos caminhando, conversando com voluntários e pessoas atendidas pelo trabalho social da entidade e posando pacientemente para “selfies”. Ele também respondeu a uma série de perguntas em um fórum público, apesar de que estava com um forte resfriado.
Na tarde do dia 1º de dezembro, o primeiro Domingo do Advento e o dia em que celebrou uma missa com a comunidade congolesa, o Papa Francisco foi levado de helicóptero para o município de Greccio, nos Apeninos, ao norte de Roma.
Aí, no lugar onde São Francisco de Assis criou o primeiro presépio, o papa presidiu uma Liturgia da Palavra, cumprimentou moradores locais e os frades franciscanos. Depois publicou uma carta sobre a significação da cena da natividade.
Finalmente, na semana passada ele se encontrou com o que restou do que certa vez se chamou de C9, o Conselho dos Cardeais.
Este grupo consultivo especial, uma espécie de gabinete ou conselho real, diminuiu para seis membros. As suas tarefas, porém, continuam as mesmas: assessorar o papa no governo da Igreja universal e, mais pontualmente, ajudá-lo a escrever a constituição apostólica para se ter uma Cúria Romana reformada.
E é nessa área da reforma – da burocracia central da Igreja em Roma – onde a paciência de muitos católicos está sendo testada. Essa foi a 32ª vez que o Conselho dos Cardeais se reuniu e, no entanto, a muita aguardada constituição ainda não foi finalizada.
Alguns dos membros do que agora é o C6 disseram, em abril, que a constituição estaria pronta no fim de junho. Depois, anunciaram que havia mais consultas s serem feitas – aos bispos, aos superiores das ordens religiosas e a alguns professores de universidades pontifícias.
“As sugestões para a constituição apostólica continuaram chegando”, lê-se em um comunicado recente feito pelo C6. “Elas serão lidas e avaliadas na primeira sessão (do C6) em fevereiro de 2020”.
A nota acrescenta que esta mais recente sessão olhou para duas questões de grande importância no esboço da constituição:
“As relações entre a Cúria e as Conferências Episcopais e a presença dos fiéis leigos, homens e mulheres, nos papéis decisórios nos departamentos da Cúria e nos outros organismos da Igreja”.
“Qual o motivo dessa demora toda?”, muitos estão se perguntando.
A impaciência é compreensível. Mas devemos também perceber que a Cúria Romana e a estrutura governante centralizada da Igreja Católica se desenvolveu firme e solidamente ao longo de muitos séculos. E profundamente enraizada nesta realidade está um ethos ou uma mentalidade que, em grande parte, resistem a mudar.
Com certeza, isso é verdade entre os que trabalham no Vaticano. Os clérigos, e mesmo os leigos, que atuam aí tem, talvez, mais dificuldade de discernir o que é essencial à Tradição Católica e o que é periférico.
Francisco, um estranho romano, certamente enxerga esta diferença melhor do que a maioria daqueles com os quais trabalha no Vaticano. Com paciência, ele tentou mudar a mentalidade e o ethos fazendo, lenta e gradualmente, mudanças nas estruturas curiais.
Mas não tentou “limpar a casa” substituindo todos os atores e autoridades principais. Nos poucos casos em que removeu pessoas, ele não o fez de forma abrupta ou violenta.
O papa jesuíta jogou um demorado jogo até agora. Ele está preparando meticulosa e pacientemente a base para uma fundação sólida que não poderá ser facilmente substituída ou ignorada.
Mas o tempo está ficando mais curto. E, em breve, Francisco terá de publicar esta constituição, que é o projeto final para uma Cúria reformada.
Até agora, o seu pontificado foi uma espécie de Advento, marcado por uma espera paciente, uma preparação orante e um desdobramento gradual de festividade. Mas logo este pontificado irá também precisar chegar à sua própria espécie de Natal, metaforicamente falando.
E, o que é mais provável, alguns católicos irão recebê-lo como uma cesta cheia de doces. Outros como um pedaço de carvão.
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Não conseguimos aguardar pelo Natal, nem sequer no Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU