22 Novembro 2019
"Há estimativas, ainda para esse século, que mais de UM MILHÃO de espécies vivas vai desaparecer, talvez a maioria sem mesmo conhecermos ou catalogarmos. É como colocar fogo em uma gigantesca biblioteca (genética) ainda não lida. É um crime hediondo, monstruoso, sem precedentes, sobretudo em relação às gerações futuras", escreve Bruno Versiani dos Anjos, mestre em Ecologia e analista ambiental do Ibama, em artigo publicado por EcoDebate, 21-11-2019.
Quando nasci, em 1976, a terra possuía cerca de 3,5 bilhões de habitantes. Eu lia nos almanaques infantis que o continente África pululava de vida selvagem e grandes florestas. A chamada floresta tropical africana era tida, nos livros europeus, como maior que a amazônia (ou ao menos do mesmo porte). A floresta tropical indiana, cheia de tigres e outras beldades naturais, ainda era consideravelmente grande. A Amazônia estava mais do que 95% intacta, maravilhosa floresta primária. Pouco ou quase nada se falava sobre ambientalismo, e a conferência de Estocolmo ficou quase que apenas restrita como assunto a alguns “entendidos”. Sem dúvida a fome era um grande problema (talvez o maior, junto com a chamada guerra fria), mas havia a esperança que um dia seria um espectro do passado, algo que seria resolvido com a biotecnologia e uma distribuição mais equânime de renda.
Estamos em 2019, ou seja menos de meio século se passou. Temos quase 8 bilhões de habitantes (a população impressionantemente, mais que dobrou em menos de um século). Olhei nas imagens de satélite e vi estarrecido que a floresta africana se fragmentou e depauperou irreversivelmente. Moçambique e Madagascar, que eram quase completamente cobertas de floresta, perderam quase tudo a um ritmo alucinante (2 a 3 décadas apenas). Grandes espécies “ícones” como algumas de tigre, rinoceronte, como exemplo, desapareceram para sempre da natureza (talvez alguns poucos exemplares restritos a zoológicos; futuramente extintas pelo fenômeno de erosão e deriva genética). Há estimativas, ainda para esse século, que mais de UM MILHÃO de espécies vivas vai desaparecer, talvez a maioria sem mesmo conhecermos ou catalogarmos. É como colocar fogo em uma gigantesca biblioteca (genética) ainda não lida. É um crime hediondo, monstruoso, sem precedentes, sobretudo em relação às gerações futuras. Em relação ao tão falado aquecimento global, há, a grosso modo, três perspectivas de aumento de temperatura. A mais pessimista, porém possível e provável, em que a temperatura se elevaria em torno de 5 graus até o final do século, levaria a efeitos dignos de filme futurista de terror tétrico: fome generalizada, desertificação de quase de um terço das terras emersas, guerras civis levando a possível guerra global e nuclear com genocídio, etc…
Frente à hecatombe supra mencionada, fica parecendo que os dirigentes discutem literalmente ninharias , do tipo : “… os USA aumentarão os impostos sobre quinquilharias eletrônicas chinesas por X ou Y ?? …”. É trágico o imediatismo da maioria esmagadora dos governantes ditos democráticos. Isso para não falar nas autocracias, plutocracias, cleptocracias e regimes “excêntricos” (e desumanos) mundo afora.
Enquanto isso, nas democracias, a população pasma (ou anestesiada pelo “Deus Consumo”) sorve lentamente a tragédia anunciada, sobretudo pelos meios de comunicação. Mas, também, como não sofre “de imediato na pele” e, talvez, com capacidade de abstração e projeção questionáveis também não se “mexe muito” (com exceções, é claro, como a jovem nórdica que foi alertar sobre o clima, levando a algumas passeatas que ocorreram).
A democracia, como dizia Churchill (não exatamente nessas palavras) é um regime lamentável, mas ainda não se propôs concretamente ou foi executado na prática outro melhor (as “alternativas” foram, historicamente desastrosas). O lapso, ou decalagem de tempo entre:
1) A percepção ou sensibilidade social;
2) O voto;
3) A escolha e mudança dos líderes;
4) A execução propriamente dita – é muito longo para reverter a tragédia anunciada.
Outro enorme problema se refere ao fato de que, na maioria das vezes, os interesses particulares dos Estados Nações não coincidem com o interesse global (por exemplo, talvez seja do interesse da Índia, para tornar-se superpotência, o aumento de sua população; do ponto de vista planetário esse fato é deplorável, dado o atual quadro superdemográfico). Infelizmente, as decisões e vontades dos Estados Nações estão (pelo menos na prática) “acima” da ONU (ou outro organismo multi lateral). Ainda não há uma entidade global com poder decisório de fato (já “passou da hora” em haver).
Talvez ainda ninguém tenha a resposta meta-política satisfatória, mas dada a urgência e a proximidade da tragédia anunciada, talvez seja hora de se pensar em regimes mistos, ou ao menos um Poder Global de fato decisório, tecnocrático, bem intencionado, com certa rotatividade e agilidade, e sobretudo com poder de decisão célere, para fazer frente à catástrofe anunciada.
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Democracia, globalismo e a tragédia anunciada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU