29 Outubro 2019
Os bispos, sob a liderança de Francisco, encontraram mais uma vez a sua voz profética, pelo menos na Amazônia.
O comentário é de Thomas J. Reese, jesuíta estadunidense, ex-editor-chefe da revista America, dos jesuítas dos Estados Unidos, de 1998 a 2005, e autor de “O Vaticano por dentro” (Ed. Edusc, 1998), em artigo publicado por Religion News Service, 28-10-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Sínodo dos Bispos reunidos em Roma votou, no dia 26 de outubro, para recomendar ao papa que permita a ordenação de homens casados como padres católicos na região amazônica.
Eles também votaram por posicionar a Igreja fortemente do lado da proteção da Floresta Amazônica e dos povos indígenas que nela vivem.
O Sínodo, formado principalmente por bispos da Amazônia, foi convocado pelo Papa Francisco para tratar de questões enfrentadas pela Igreja na região amazônica. O Sínodo conclui as suas três semanas de reunião com uma missa celebrativa no dia 27 de outubro.
O Sínodo não tem autoridade para tomar decisões. Portanto, cabe ao papa decidir se as suas recomendações serão aprovadas.
No fim da sessão de sábado, o papa ofereceu as suas reações a algumas das recomendações, mas não mencionou os padres casados. Ele provavelmente quer consultar outras pessoas, incluindo as Conferências Episcopais, antes de tomar uma decisão que possa ter ramificações em outros lugares.
A menos que ele receba uma forte resposta negativa, ele provavelmente aprovará a recomendação do Sínodo.
A recomendação para ordenar homens casados foi aprovada passou por uma votação de 128 contra 41, embora tenha tido o maior número de votos negativos entre todas as recomendações. Ela foi restringida pela qualificação de que os padres casados trabalhariam “nas zonas mais remotas da região amazônica”.
Mas muitas pessoas acreditam que a ordenação de homens casados acabaria se espalhando para atender às necessidades pastorais em outros lugares.
Esta é a primeira vez durante séculos que um órgão oficial da Igreja recomenda a ordenação de homens casados na Igreja Católica. Na Igreja primitiva, a maioria dos padres eram casados, incluindo São Pedro, o primeiro papa, e todos os apóstolos, exceto João.
A prática do celibato se espalhou na Igreja primitiva até se tornar lei universal da Igreja ocidental em 1123. As Igrejas orientais ou ortodoxas nunca tiveram essa regra. Durante a Reforma, as Igrejas protestantes rejeitaram o celibato.
Os bispos não recomendaram que os padres se casem. O casamento teria que acontecer antes da ordenação, como é o costume nas Igrejas orientais.
A prática do celibato é uma lei da Igreja, e não uma doutrina, de modo que pode mudar. As Igrejas orientais em união com Roma sempre tiveram um clero casado. No ano passado, uma pesquisa da CBS News constatou que quase 70% dos católicos estadunidenses apoiavam a permissão para os padres casados.
Os bispos votaram a favor da ordenação de padres casados não porque pensavam que os padres casados são melhores do que os padres celibatários, mas porque simplesmente não há homens suficientes dispostos a ser celibatários para atender às necessidades da Igreja na Amazônia.
Os bispos observaram que a Eucaristia é essencial para a vida de uma comunidade católica, mas “muitas das comunidades eclesiais do território amazônico têm enormes dificuldades para ter acesso à Eucaristia”.
“Em certas ocasiões”, disseram, “passam não só meses, senão até vários anos antes que um sacerdote possa regressar para uma comunidade para celebrar a Eucaristia, oferecer o sacramento da reconciliação ou ungir os enfermos da comunidade.”
Para viver com essas comunidades e servi-las, os bispos recomendaram os padres casados.
Os bispos também falaram sobre a importância de uma formação apropriada para desses homens, não apenas em teologia, mas também em prática pastoral, para que eles ouçam e sirvam ao seu povo e não sofram do pecado do clericalismo. Os primeiros a serem ordenados provavelmente seriam os diáconos casados, que já possui formação e experiência pastoral.
O Sínodo também observou que, em grande parte das consultas realizadas na Amazônia, “solicitou-se o diaconato permanente para a mulher”.
Em 2016, o papa criou uma comissão para estudar a possibilidade das diáconas e, por uma votação de 137 contra 30, o Sínodo disse: “Portanto, gostaríamos de compartilhar as nossas experiências e reflexões com a Comissão”. Esse foi o segundo maior número de votos negativos entre todas as recomendações. O papa concordou em continuar estudando a possibilidade de ordenar diáconas. O diaconato feminino não foi uma prioridade para Francisco no passado, mas o apoio do Sínodo pode fazer com que isso receba mais atenção.
Os bispos também recomendaram que a celebração da Eucaristia e dos sacramentos seja feita de modo a respeitar a identidade cultural do povo da Amazônia. Isso pode incluir um rito indígena especial que venha da sua cultura, assim como os outros 23 ritos da Igreja Católica refletem a cultura dos seus povos.
“Devemos dar uma resposta autenticamente católica ao pedido das comunidades amazônicas de adaptar a liturgia, valorizando a cosmovisão, as tradições, os símbolos e os ritos originários que incluam dimensões transcendentes, comunitárias e ecológicas”, disseram os bispos.
Em sua resposta no fim do Sínodo, o papa indicou abertura a essa ideia e disse que ela poderia ser abordada pela Congregação para o Culto Divino, do Vaticano. A liderança atual da Congregação se opõe aos ritos indígenas; portanto, o papa teria que nomear um novo prefeito se quiser que algo ocorra.
Os bispos também manifestaram sua paixão pela Floresta Amazônica e pelo seu povo.
“A Amazônia hoje é uma formosura ferida e deformada, um lugar de dor e violência”, disseram. “Os atentados contra a natureza têm consequências para a vida dos povos.”
Em relação à região amazônica, eles veem as seguintes ameaças à vida: “Apropriação e privatização de bens da natureza, como a própria água; as concessões madeireiras legais e o ingresso de madeireiras ilegais; a caça e a pesca predatórias; os megaprojetos não sustentáveis (hidrelétricas, concessões florestais, desmatamento massivo, monoculturas, rodovias, hidrovias, ferrovias e projetos de mineração e petrolíferos); a contaminação causada pela indústria extrativa e pelos lixões das cidades; e, sobretudo, as mudanças climáticas”.
Os indígenas sofreram não apenas a perda de suas terras ancestrais, mas também das suas vidas e das suas culturas, ao serem mortos ou forçados a migrar para cidades onde, em vez de encontrar oportunidades, foram explorados e até traficados.
“Por trás de tudo isso”, disse o Sínodo, “estão os interesses econômicos e políticos dos setores dominantes, com a cumplicidade de alguns governantes e de algumas autoridades indígenas.”
Os bispos da Amazônia planejam continuar se pronunciando profeticamente contra a destruição do ambiente e a exploração dos povos indígenas. Eles pedem aos seus governos que façam mais para proteger a floresta tropical e os seus povos.
“Denunciamos a violação dos direitos humanos e a destruição extrativa”, disseram. “Assumimos e apoiamos as campanhas de desinvestimento em companhias extrativas relacionadas com o dano socioeconômico da Amazônia, começando pelas próprias instituições eclesiais.”
Mas eles também reconhecem que, a menos que as pessoas do mundo desenvolvido (EUA, China, Europa e Japão) mudem seus estilos de vida, eles podem fazer pouco para impedir que os interesses econômicos alimentem esses estilos de vida.
O apetite do mundo desenvolvido por carne, madeira e minerais preciosos está matando as florestas tropicais e os seus povos. Esses países também contribuem fortemente para o aquecimento global que pode matar a floresta tropical.
Os bispos reconhecem que o conhecimento científico e tecnológico por si só não salvará a Amazônia.
“A defesa da vida da Amazônia e de seus povos requer uma profunda conversão pessoal, social e estrutural”, afirmam.
Isso requer o reconhecimento do “pecado ecológico como uma ação ou omissão contra Deus, contra o próximo, a comunidade e o ambiente”. Isso demandará, segundo eles, uma conversão de corações e mentes com base nos valores do Evangelho que respeitam a criação de Deus e os mais marginalizados.
Nos últimos anos, os católicos têm ficado envergonhados diante dos crimes e pecados da sua Igreja. Embora essas questões continuem demandando a atenção da Igreja, os católicos podem se orgulhar de que a sua Igreja também está enfrentando questões globais cruciais como o ambiente, as mudanças climáticas e os direitos dos povos indígenas.
Os bispos, sob a liderança de Francisco, encontraram mais uma vez a sua voz profética, pelo menos na Amazônia.
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Sínodo, uma voz profética da Igreja, pelo menos sobre a Amazônia. Artigo de Thomas Reese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU